Para quem está familiarizado com “Duna” — sejam os leitores (a ordem cronológica e de publicação dos 23 livros pode ser consultada aqui) ou quem assistiu às adaptações de David Lynch ou de Denis Villeneuve —, a complexidade do universo criado em 1965 por Frank Herbert não constitui qualquer novidade. E, com tantos milénios de intrigas políticas, jogos de poder e conflitos, “Duna: A Profecia”, a nova minissérie da HBO, cujo primeiro episódio já está disponível na Max, só vem aumentar ainda mais o interesse na saga.
Baseada q.b no livro “Sisterhood of Dune” (2012), escrito por Brian Herbert (filho de Frank, que faleceu em 1986) e Kevin J. Anderson, a história de “A Profecia” centra-se nas irmãs Harkonnen, Valya e Tula, interpretadas na idade adulta por Emily Watson e Olivia Williams e, em flashbacks, por Jessica Barden e Emma Canning, numa versão mais jovem. Se o apelido soa familiar, há uma razão: as irmãs são parentes distantes do Barão Vladimir Harkonnen (a criatura grotesca interpretada por Stellan Skarsgård nas versões de Denis Villeneuve) e dos seus sobrinhos, os vilões de “Duna: Parte II” (onde descobrimos, também, que Valya e Tula têm laços familiares com outra figura relevante, mas evitaremos entrar em território de spoilers).
Os eventos da série decorrem várias décadas após o final da Jihad Butleriana, a grande guerra entre a Humanidade e as Máquinas. Esta guerra, vencida pelos humanos a muito custo, levou à criação do sistema feudal das Casas e à proibição total de qualquer forma senciente não biológica. Passe a redudância, foi o fim da inteligência artificial (IA). É neste cenário pós-guerra e sem IA que as irmãs Harkonnen assumem o protagonismo, numa história que se passa 10.000 anos antes de “Duna” e de Paul Atreides virar Paul Muad'Dib.
Ao contrário da opulência vista nos filmes, nesta época a Casa Harkonnen sofre com a desonra causada pela deserção do bisavô de Valya e Tula durante a guerra. Cabe, assim, às irmãs a difícil tarefa de restaurar a honra do apelido. E é Valya (Emily Watson), convencida de que a história foi manipulada pelos vencedores — os Atreides —, que vê na irmandade Bene Gesserit uma oportunidade para recuperar o poder e desafiar o status quo.
O que podemos esperar da “Duna: A Profecia”
A série leva o espectador a navegar pela ascensão das Bene Gesserit e pela origem da profecia de Kwisatz Haderach, o ser supremo que a irmandade espera criar através de um planeamento meticuloso de casamentos e linhagens ao longo de várias gerações. Este coletivo feminino, secreto e enigmático, treina as suas integrantes física e mentalmente até ao limite humano, conferindo-lhes habilidades quase sobrenaturais ao estilo Jedi. No final do treino, funcionam como uma bússola invisível dos eventos políticos e sociais a trabalhar para a Irmandade, operando nos bastidores das instituições mais poderosas do Império. Enquanto moldam discretamente o futuro da Humanidade, as Bene Gesserit consolidam a sua posição como uma das forças mais influentes do universo de “Duna”.
No entanto, quem leu “Sisterhood of Dune” não deve assumir que está um passo à frente dos restantes. Embora a série se inspire no livro, esta toma as suas liberdades criativas. À Business Insider, um dos produtores executivos conversou melhor sobre a adaptação e explicou que a sua equipa seguiu o cânone de “Duna” em alguns aspetos, mas também “introduziu novas perspetivas”. “Há fragmentos de várias personagens e ideias do enredo que extraímos [do livro] e [que depois] fundimos na nossa narrativa, situada 30 anos depois, com a versão de Valya Harkonnen interpretada por Emily Watson”, afirmou Goldberg. “Essa história é, de certa forma, uma invenção nossa”, acrescentou.
O que dizem os críticos
As expectativas em torno de “Duna: A Profecia” eram elevadas, muito em parte devido ao impacto (e Óscares) dos novos filmes, ao orçamento avultado, ao elenco de renome (é só caras conhecidas) e à chancela da HBO. (Ainda assim, convém não esquecer que a Apple TV+, em matéria de sci-fi, é uma casa a que os apreciadores do género devem estar atentos; só a estreia da segunda temporada de “O Silo”, com a presença da sempre magnética Rebecca Ferguson, já é uma excelente desculpa para dar uma espreitadela ao que lá acontece.) Por isso, não é de estranhar tanta atenção em torno desta dispendiosa incursão pelo universo das especiarias e dos vermes de areia gigantes.
As críticas têm sido maioritariamente positivas, embora sem alcançar a unanimidade para catalogar a série como “imperdível”. As interpretações de Emily Watson e Olivia Williams são muito elogiadas, ao passo que os cenários e a produção técnica são impossíveis de ignorar. No entanto, a impressão geral é a de que estamos perante algo bom, mas não extraordinário. Segundo “o concenso Rotten Tomatoes”, ainda que se destaque pelas “intrigas palacianas perigosamente viciantes”, carece do “tempero dos filmes de Denis Villeneuve”.
Para quem gosta de mergulhar nas especificidades, a Consequence enalteceu o “espetáculo” e “cenários amplos e meticulosamente desenhados”, destacando também a sua capacidade para atrair tanto os conhecedores do legado de Herbert como novos públicos. O The Hollywood Reporter diz que é um “House of the Dragon” no espaço, mas criticou o ritmo, considerando-o “lento e, por vezes, excessivamente pesado”. Já o The Guardian destacou a “visão intensa e intelectual”, numa série dominada “a todos os níveis pelas mulheres”, embora tenha feito o reparo que “carece de confiança para se afirmar por si só”. Por fim, a Variety considerou que a minissérie funciona bem como porta de entrada para quem quem quer mais de “Duna”, mas “não é um banquete para os sentidos”.
Veridicto
É perfeita? Não. Tem defeitos? Sim. Mas, como reconhecem os críticos, “Duna: A Profecia” é uma experiência visualmente rica e intrigante, e o nome de Emily Watson estará quase de certeza no falatório para um Emmy (se houver justiça, ao lado de Cristin Milioti). Se será suficiente para garantir continuidade e deixar-nos a ansiar por mais, como aconteceu com “The Penguin”? Ainda é cedo para dizer. No entanto, se depender do produtor Jordan Goldberg, haveremos de ter mais profecia. “Adoraríamos continuar enquanto nos deixarem. Há tanto por explorar, tantos ângulos a seguir”, disse.
Por aqui, concordamos: há potencial por explorar. Contudo, após o primeiro episódio, fica a sensação de que há demasiadas personagens e temas para desenvolver e pouco tempo para o fazer (ainda que tenham mais de uma hora, a série só terá seis episódios). A prova disso está na narração em voz-off de Valya, que gasta quatro minutos a expor contexto logo nos primeiros instantes. Se há muito para dizer, que se tome o seu tempo. Afinal, como as últimas temporadas de “A Guerra dos Tronos” tão bem ilustraram, apressar as coisas raramente acaba bem.
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