O filme, uma coprodução luso-angolana, está em competição na Berlinale, integrado no concurso de primeiras longas-metragens, na secção Forum, mas, para o realizador português, “o mais importante é que ele está terminado e existe.”
“Os espetadores podem gostar ou não do meu filme, mas o meu trabalho não é no sentido de conseguir apenas uma dessas duas reações. Sei que há um prémio que posso ganhar, mas de resto nem sei que prémios se podem receber na secção Forum. Os prémios, para mim, são agradáveis, se acontecem, mas não penso muito nisso. Eu até me vou embora antes da conclusão do festival, tenho trabalho em Lisboa que tenho de adiantar”, revelou Carlos Conceição em declarações à agência Lusa.
"Serpentário" conta a viagem de "um rapaz que vagueia por uma paisagem africana pós-catástrofe, em busca do fantasma da sua mãe", um trabalho, que tal como os outros do realizador, tem muito de autobiográfico.
“Trabalho sempre a partir de um ponto de vista pessoal sendo que o grau de metáfora vai mudando. A maioria das vezes estou a falar de uma determinada emoção ou sentimento, mas o filme é sobre uma coisa completamente diferente”, conta à Lusa, realçando que há muito de verdadeiro nesta primeira longa-metragem.
“Toda esta história do papagaio é verdadeira e foi a origem do filme. O facto de que a minha mãe quis adotar um papagaio, e achar que ele viveria mais do que ela. E (...) não quis fazer isso sem falar comigo para que eu me responsabilizasse pelo pássaro, no dia em que ela morresse. O lado dramático dessa proposta deu-me o veículo para esta história. A ideia, sobre uma personagem que atravessa uma paisagem à procura de qualquer coisa, mas que acaba por ser uma viagem de autodescoberta, já existia há muito tempo”, confessa Carlos Conceição.
“Serpentário” começou a ser construído numa primeira de três viagens a Angola, que fez precisamente depois da edição da Berlinale de 2013, em que participou no programa ‘Talent Campus’. O Festival de Cinema de Berlim foi o ponto de partida e chegada da primeira longa-metragem do realizador.
“Este é um dos festivais mais importantes do mundo. Estrear aqui um filme é o melhor que lhe pode acontecer, porque nós não fazemos em Portugal cinema para as massas (…). A Berlinale é a janela perfeita, ideal, um privilégio”, qualifica.
O nome “Serpentário” vem de uma constelação que também dá o nome ao 13.º signo do zodíaco.
“Eu não sou nada esotérico, nem acho que o filme o seja, mas é curioso pensar que haja um 13.º signo que na verdade não existe, porque a convenção manda que sejam só 12 para coincidir com os meses do ano. Tudo isto que existe e não existe ao mesmo tempo sempre me fascinou muito”, revela.
O realizador de curtas-metragens, como “Boa Noite Cinderela” ou “Coelho Mau”, considera que a grande diferença de formatos está a nível económico.
“É sempre difícil em termos financeiros, é essa a grande diferença. Há ideias que servem para 'curtas' e outras que não. O mesmo em relação às longas-metragens. Por exemplo, fiz uma curta-metragem com uma ideia de 'longa' e senti que estava a enchouriçar a informação toda em meia hora e que isso me deixava pouco tempo para experimentação visual, ritmo, para que o filme fosse espontâneo, porque tinha de servir um propósito narrativo. E a narrativa é sempre uma coisa um bocado difícil de gerir, muitas vezes até é um peso”, explica.
Carlos Conceição nasceu e viveu em Angola até aos 21 anos. É no Lubango que a mãe continua a residir e para onde ele viaja, pelo menos, uma vez por ano. Tem uma relação “muito íntima e direta” com o país, por isso não esconde o desejo de que o filme seja lá exibido.
“É uma possibilidade. Gostava. É importante para qualquer espetador criar intimidade com a ironia do filme. Estamos numa época em que, politicamente falando, a ironia não é uma coisa que seja de leitura imediata, as pessoas fazem leituras superficiais das coisas que são ditas nas redes sociais, dos objetos artísticos, por isso, onde quer que o filme seja visto, conto com a colaboração das pessoas para perceberem certas ironias que estão no conceito do filme”, adverte o realizador, deixando um aviso.
“Se não perceberem [a ironia], vão partir de princípio que eu sou um pós-colonialista ou um reacionário de alguma forma, mas obviamente que o filme conserva várias perspetivas, e a minha pessoal é exatamente o oposto dessa leitura. O uso da ironia traz um território mais difícil”, admite Carlos Conceição, revelando ser um “descendente de colonialistas”.
“As minhas famílias, do meu pai e da minha mãe, são famílias angolanas desde há três gerações, os meus avós já nasceram em Angola e todos nós a seguir nascemos também. Os meus bisavós eram colonialistas, os meus avós não. Nem sequer eram portugueses e muito menos retornados - essa palavra, enfim… o que dizer disso”, remata o realizador.
“Serpentário” está inserido no âmbito do programa paralelo Forum e concorre com outras 15 obras ao prémio de primeira longa-metragem.
A 69.ª edição da Berlinale termina no dia 17.
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