O responsável da Quetzal, que anunciou, em Lisboa, a publicação da “Nova Gramática do Latim” para 15 de março, lembrou que este é "um instrumento que não era renovado há mais de 50 anos”.
O filólogo Frederico Lourenço, Prémio Pessoa em 2016, disse por seu lado que a gramática mais utilizada que existia datava da década de 1950, “do tempo do fascismo" e dos seus programas de ensino, "com uma série de parâmetros e uma maneira de olhar o estilo da língua, completamente diferente” desta “Nova Gramática do Latim”, que pretende ser para todos, estudantes e professores e curiosos.
Para esta gramática, o investigador afirmou que recolheu os mais diversos autores e teve em conta as mais variadas origens, dos autores eruditos até ao ‘grafito’ do soldado romano, que permaneceu até aos dias de hoje, desde epitáfios do século II antes de Cristo ao epitáfio do Papa Gregório V, que morreu no ano de 999.
Frederico Lourenço procurou “exemplos do latim real, do latim autêntico”, pois “também os romanos deram erros de ortografia e escreveram foneticamente”, distinguindo o latim culto, que era escrito, do latim popular.
O tradutor de Homero, entre outros autores clássicos, alertou para as muitas “frases forjadas” e erroneamente atribuídas a autores clássicos que nunca as escreveram, ou pelo menos como são citadas.
“O latim não é uma língua em mármore. É uma língua que foi viva durante muitos e muitos séculos, e que nos transmite toda a experiência humana, desde o sexo mais sórdido até à espiritualidade mais elevada. Está tudo presente na literatura latina”, sentenciou.
A “Nova Gramática do Latim” vem colmatar uma lacuna há muitos anos sentida, nomeadamente pelos estudantes de Línguas e Literaturas Clássicas, como explicou Frederico Lourenço, atualmente professor na Universidade de Coimbra.
“Quando eu era aluno na Faculdade de Letras [da Universidade] de Lisboa, os professores diziam permanentemente: ‘Não há nada de bom em português, não há dicionários, não há gramáticas; quem quisesse estudar latim ou grego tinha de comprar livros em inglês ou alemão ou francês, porque não há nada em português'”.
Lourenço afirmou que se revoltou “contra essa passividade de aceitarmos que não há nada em português”.
“Tentei fazer qualquer coisa contra isso, e eu próprio não repetir o mesmo discurso perante os meus alunos”, disse hoje Frederico Lourenço.
Sobre o seu trabalho, o professor da Universidade de Coimbra disse que tentou uma abordagem histórica: “Explicar a morfologia, explicando porque é assim e que diferença teve ao longo do tempo", seguindo “uma metodologia completamente diferente das gramáticas tradicionais”.
A gramática, explicou, “está organizada de forma hierárquica” em três secções: “Morfologia”, “Sintaxe” e “Varia”.
Para Frederico Lourenço, “são três os públicos-alvo: estudantes e professores dos ensinos secundário e universitário, e curiosos interessados em saber latim”.
Francisco José Viegas e Frederico Lourenço consideraram hoje que “vivemos de há quatro anos para cá um renascimento do interesse pelas línguas e culturas clássicas”, algo que está para continuar, sendo necessário “criar materiais que sejam apelativos, modernos, que façam sentido no século XXI, com perspetivas mais atualizadas e contemporâneas”.
Frederico Lourenço é docente universitário há 20 anos e, desde 2009, investigador do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.
O investigador tem estado a traduzir a Bíblia, diretamente do grego. Um projeto editorial que está a meio, tendo já saído quatro volumes.
Segundo Francisco José Viegas, o primeiro volume, que inclui os quatro Evangelhos canónicos, de Mateus, Marcos, Lucas e João, editado em setembro de 2016 - e que foi o último argumento para a atribuição do Prémio Pessoa ao investigador, nesse ano - já vendeu 32.457 exemplares.
A “Odisseia”, de Homero, um autor clássico grego, numa nova tradução de Frederico Lourenço, publicada há cerca de um ano, também pela Quetzal, vendeu já quatro mil exemplares, segundo o editor.
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