Admirador confesso da obra de Almeida Garrett (1789-1854), tanto da literatura de viagens, como da dramaturgia e da lírica “mais lamechas”, Miguel Loureiro encena a peça que subiu pela primeira vez ao palco em 1843, e é baseada na vida de Frei Luís de Sousa (1555-1632), o nome adotado pelo frade Manuel de Sousa Coutinho, pelo “cânone”.
Considerando que a peça tem “uma escrita muito bonita”, e que é “um exercício de português absolutamente maravilhoso para se exercer num palco”, Miguel Loureiro afirmou à imprensa que a peça que leva a cena “segue absolutamente o cânone”.
Miguel Loureiro assegura que pegou neste drama em três atos, “acreditando [na lenda] que está por trás dele, acreditando nas linhas de pensamento que o texto tem sobre a questão do sebastianismo, a questão da saudade, a questão de uma projeção de Portugal que se cumpre ou não sobre um projeto político diferente para o país”.
Uma versão que, segundo o encenador, não contém todo o original do autor romântico, o qual “suavizou” um bocado, tentando “secar as ideias de excessos emotivos”, tanto “os choros”, como a “constante lamúria de algumas personagens”, observou.
Excetuando “duas ou três frases mais pietistas” e “um ou outro gesto mais expressivo”, a encenação de Miguel Loureiro de “Frei Luís de Sousa” não se excede em lamúrias, choros ou gritos, pautando-se antes pelo comedimento e contenção.
Evitando “cair no grotesco, por um lado, e, por outro lado, não ficando aquém do que o texto pede”, assentou.
Uma opção tomada em conjunto com os atores já que todos pretendiam chegar ao que consideram que “seria uma medida aceitável” para que o espetáculo não ficasse de tal forma sofisticado que não se percebesse, indicou.
“O texto não é sofisticado. É sobre exatamente não fazer dietas nos sentimentos, ir até ao fim; [é sobre] questões de martírios, questões de vida ou de morte, de desistir do mundo secular e passar para o mundo temporal, passar para uma outra dimensão”, referiu.
“Sem trair o espírito do texto original, das fábulas e das fantasmagorias que contém”, Miguel Loureiro disse ter tentado “tocar nas teclas todas” do drama garrettiano, “sem carregar muito na tecla político-nacionalista que a peça tem”.
Acrescentou ter seguido mais “pela zona de um certo gótico, de uma certa sombra, de uma certa névoa”, o que está também patente na cenografia de André Guedes, assim como na cena em que Manuel de Sousa Coutinho deita fogo à própria casa, em Almada, para que os governadores do reino não se apoderassem dela para escaparem à peste negra que grassava em Lisboa à época.
A ação da peça de Almeida Garrett decorre em pleno domínio dos Filipes de Espanha em Portugal, época em que o mito do sebastianismo ainda estava muito presente na sequência do desaparecimento do rei na Batalha de Alcácer-Quibir.
Esta peça surge de um desafio que José Luís Ferreira, antigo diretor do S. Luiz, lançou a Miguel Loureiro, disse o encenador. O projeto era, porém, uma versão “reduzida”, para ser incluída no Plano Nacional de Leitura.
O diretor do D. Maria II achou, contudo, que seria bom fazê-lo na sala Garrett, já que foi o autor romântico que propôs a edificação daquele teatro ao Rossio.
Vinte anos depois da última encenação desta peça de Almeida Garrett ter estado em cena no D. Maria II — a última foi uma encenação de Carlos Avilez, em 1999 -, Tiago Rodrigues, diretor artístico do teatro nacional, achou que era tempo de a fazer aqui, argumentou Miguel Loureiro.
“Eu gosto imenso da escrita do Garrett. Acho que é uma escrita maravilhosa, mesmo a parte lírica, mais lamechas. Eu gosto daquilo tudo. Não tenho nenhum preconceito em relação a isso”, disse. Além disso, para Miguel Loureiro, Almeida Garrett é “um dos nomes maiores” do teatro português.
“Há o Gil Vicente, há Bernardo Santareno… Há assim uns marcos da chamada escrita para teatro em português, mas não podemos pôr de fora Almeida Garrett”, referiu. “É como não podermos fazer terra plana ali em Belém sobre a Torre de Belém. Ela está lá sempre. Quem quiser aproxima-se para a ver”, assentou.
Com figurinos de José António Tenente, inspirados na pintura quinhentista e seiscentista, trata-se de uma peça na qual o encenador sublinhou não ter feito qualquer imposição da sua autoria. Nem “exercícios de desconstrução, nem leituras pós dramáticas”, frisou.
Uma peça na qual admitiu ter “carregado um bocadinho” em algumas “zonas em termos de expressão, em termos de jogo claro/escuro, sombras e trabalho de sonoplastia, mas sem qualquer imposição própria”.
Até a linguagem usada na peça privilegia os termos coevos da obra de Almeida Garrett, porque, para si, o que nos dias de hoje é “pulsante” na obra do autor do Romantismo, é “precisamente o foco da linguagem”, justificou.
Interpretada por Álvaro Correia, Ângelo Torres, Carolina Amaral, Gustavo Salvador Rebelo, João Grosso, Maria Duarte, Rita Rocha, Sílvio Vieira e Tónan Quito, a peça vai estar em cena de 01 de março a 07 de abril, e integra-se nas comemorações do bicentenário do nascimento de D. Maria II (1819-1853).
“Frei Luís de Sousa” terá espetáculos de quarta a sábado, às 19:00, quinta e sexta-feira, às 21:00, e, aos domingos, às 16:00.
No dia 31 de março, haverá sessão com interpretação em língua gestual portuguesa, e uma conversa com os artistas após o espetáculo.
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