Nas livrarias desde esta semana, com edição da Tinta-da-China, o livro expande e atualiza o trabalho com o título “A queda da PIDE/DGS: narrativa de um passado recente”, publicado em 2005 na revista Atlântico.
António Araújo, historiador, diretor de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos e membro da comissão executiva do conselho de administração desta última, inicia o livro – de 149 páginas de texto, mais 51 de anotações – com os cinco mortos do 25 de Abril, referindo Fernando Carvalho Giesteira, José James Harteley Barneto, João Guilherme Rego Arruda e Fernando Luís Barreiros dos Reis, além de António Lage, que era servente na Direção-Geral de Segurança (DGS), a derradeira designação da polícia política da ditadura.
Como recorda Araújo, “os [quatro] jovens manifestantes foram mortos cerca das 20:10 do dia 25 de Abril por balas disparadas a partir da sede da DGS, na Rua António Maria Cardoso, n.º 20”.
Já António Lage - “o único ‘pide’ a morrer” naquele dia, apesar da “caça aos pides” encetada nos dias seguintes à revolução - “foi baleado às 21:25, quando saía da sede da corporação e, provavelmente aterrorizado pelos populares, tentou fugir a correr”.
“A DGS estrebuchou até rebentar”, escrevia a revista Flama, que acrescentou que os agentes da PIDE, “mais do que defender um regime, defenderam a pele, conscientes – por uma vez – da repulsa que provocavam, desde sempre, na população que violentaram”.
António Araújo, que é também assessor do Tribunal Constitucional e consultor para os assuntos políticos do Presidente da República, constata que “não deixa de ser curioso anotar que, enquanto nas ruas se prendiam assustados funcionários da PIDE/DGS, alguns dos quais exerciam funções irrelevantes naquela corporação, os mais altos responsáveis políticos do regime abandonavam discretamente o país”. O último diretor da polícia política, Fernando Silva Pais, no entanto, terá recusado a oferta de abandonar Portugal.
“Pelo menos, Spínola autorizou-o a abandonar a sede da DGS na noite do dia 26, regressando tranquilamente a sua casa, na Rua de Moçambique”, pode ler-se na obra, que recorda, páginas mais tarde, o trabalho dos jornalistas José Pedro Castanheira e Valdemar Cruz, quando a residência de Silva Pais é “cercada pela população”, levando a que o diretor da PIDE/DGS e a sua mulher saiam “presos num chaimite”, acompanhados do caniche.
Em “’Morte à PIDE!’ - A Queda da Polícia Política do Estado Novo” pode ler-se que “tendo sido autorizada a saída do país, em 1974, dos principais responsáveis pelo regime anterior, e sendo permitido o seu regresso alguns anos depois, sem quaisquer incriminações ou julgamentos, reduziu-se substancialmente a margem para condenar a pesadas penas os funcionários da PIDE/DGS, muitos dos quais ocupavam lugares subalternos na hierarquia da corporação, sem ligação a crimes de sangue ou torturas”.
Apesar de alguns observadores considerarem “as penas aplicadas aos ‘pides’ como excessivamente benévolas ou, em termos mais genéricos, que não foi feita verdadeira ‘justiça’”, será “erróneo afirmar que ‘os inspetores e agentes da PIDE/DGS nunca foram julgados, à exceção de dois agentes menores’, como por vezes é dito”, lembrando julgamentos de “centenas de arguidos” e tendo o próprio Silva Pais sido libertado apenas “para morrer em casa devido a uma doença terminal”.
“Ao longo dos anos, a memória da ditadura converteu-se em tema de musealização, com a abertura de espaços como o Museu do Aljube, em fator de mobilização cívica para grupos como a associação Não Apaguem a Memória e, enfim, em objeto de estudo académico e jornalístico”, salienta António Araújo, que conclui o livro com a história de um antigo agente, Fernando Colaço, que presenciou interrogatórios sob tortura e que, “por causa disso, acabou por apresentar a sua demissão”.
Todos os anos, pelo Natal, Colaço telefonaria a Edmundo Pedro, o primeiro preso que viu ser torturado.
“As violências da PIDE/DGS não mais se apagaram da sua memória. Da nossa, também não.”
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