“O nosso trabalho mostra que áreas retratadas como ‘virgens’, ‘selvagens’ ou ‘naturais’ têm na realidade longas histórias de habitação e uso humano”, afirmou o professor de geografia e sistemas ambientais Erle Ellis, docente da universidade norte-americana de Maryland e principal autor do estudo publicado na revista da Academia Nacional das Ciências dos Estados Unidos.
As sociedades que as exploraram ao longo de milhares de anos “usavam as paisagens naturais em que habitavam de formas que sustentavam a maior parte da sua biodiversidade e até a aumentavam, tal como a produtividade e resiliência” da terra, refere.
“O nosso mapa global demonstra que mesmo recuando 12.000 anos, quase três quartos da natureza terrestre era habitada, usada e moldada pelas pessoas. Áreas em que não existiam seres humanos eram quase tão raras há 12.000 anos como hoje”, ilustra o investigador.
Para chegar a estas conclusões, uma equipa composta por geógrafos, arqueólogos, antropólogos, ecólogos e cientistas ligados à conservação da Natureza dos Estados Unidos, Países Baixos, China, Alemanha, Austrália e Argentina cruzaram padrões globais de uso da terra e população ao longo de 12.000 anos com padrões globais contemporâneos de biodiversidade em áreas conservadas.
O que verificaram contradiz algumas ideias feitas sobre a história da ocupação humana, nomeadamente a de que a maior parte da superfície terrestre não era habitada até cerca do ano de 1500.
A cultura das primitivas sociedades agrícolas teve algum impacto em extinções de espécies, mas, em larga medida, o uso da terra por comunidades indígenas e tradicionais sustentou a maioria da biodiversidade da Terra durante milénios, salientam os investigadores.
“O problema não é o uso humano em si”, salienta a co-autora do estudo Nicole Boivin, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, na Alemanha, frisando que a questão é o tipo de utilização da terra nas sociedades industrializadas, caracterizada por práticas agrícolas insustentáveis e extração e a apropriação sem limites”.
Tirando poucas áreas remotas, “a Natureza como se conhece hoje foi moldada por sociedades humanas”, refere Erle Ellis, argumentando que os esforços de conservação e restauro da biodiversidade “não serão bem sucedidos sem povos locais, indígenas e tradicionais que conhecem a natureza duma maneira que a comunidade científica só agora começa a compreender”.
O professor associado de antropologia da Universidade do Maine Darren Ranco aponta que os povos indígenas só fazem algum tipo de gestão em cerca de cinco por cento do solo, no qual existe 80% da biodiversidade mundial.
“Têm sido excluídos da gestão, impedidos de aceder e de habitar terra protegida em lugares como os parques nacionais dos Estados Unidos”, nota.
A cientista chefe da organização ambientalista World Wildlife Fund, Rebecca Shaw, afirma que se torna “claro que as perspetivas das populações locais e indígenas devem estar na primeira linha das negociações globais para reduzir a perda de biodiversidade”.
“Existe uma crise global na maneira como a terra usada tradicionalmente foi transformada pela escala e magnitude do desenvolvimento humano intensivo. Temos que mudar de rumo se queremos sustentar a humanidade por mais 12.000 anos”, defende.
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