São tão vivos os seus rituais que o Japão remete-nos primeiro para uma imagem de cultura milenar, de respeito, rectidão e educação que deixa em segundo plano a imagem de potência tecnológica em áreas como a medicina, o automóvel, a nanotecnologia, os alimentos, a tecnologia espacial e os computadores. Parece que no nosso subconsciente assumimos que essas duas tendências não caminham juntas: ou se é milenar e ritualístico, ou se é moderno e contemporâneo. O Japão é tudo ao mesmo tempo, e consegue dedicar a cada um desses itens o seu devido tempo, espaço e lugar. Mas, sobretudo, apresenta-nos o equilíbrio dessa coexistência a mostrar que sim, é possível ser antigo e actual. Mais do que isso, é preciso.
No Mundial da FIFA de 2014, que teve lugar no Brasil, os adeptos japoneses mostraram como é possível viver em comunidade no meio da tecnologia de câmaras 4K, ecrãs de LED e, ainda assim, a respeitar os espaços e o próximo. Para espanto da grande maioria dos frequentadores dos estádios brasileiros onde os jogos ocorreram, ao final das partidas do Japão, os adeptos retiravam sacos de lixo das suas sacolas e recolhiam todo e qualquer fragmento do chão na área que tinham ocupado.
Muito mais do que uma lição de civismo, foi também uma demonstração de humildade respeitosa. Tudo ficava limpo, mas o que brilhava ali era a cultura milenar que não se perdeu diante de tanta futilidade que nos é apresentada em milhares de selfies publicadas nas redes sociais. É também por essa cultura que não falam alto, evitam o telemóvel ao pé de estranhos, não fotografam pessoas sem seu consentimento, são comedidos nos cumprimentos e educadíssimos nos rituais de recepção aos visitantes. O Japão é um país de tradições milenares que tem muito mais a ensinar-nos do que imagina a nossa fixação por telemóveis ultrafinos, inquebráveis, que fazem aquela maravilhosa selfie.
Precisamente por ter noção de que é necessário levar ao mundo um pouco mais do que se passa no Japão de hoje, o governo japonês decidiu investir em centros culturais localizados em cidades importantes, onde pretende fazer uma sinergia entre a cultura japonesa, os seus avanços tecnológicos e a convivência de tudo isso com as raízes. Desde o uso de produtos naturais na arquitectura, nas fibras de tecidos e na decoração, aos nos rituais do chá, e por que não, ao temaki que virou hit culinário global.
O projecto, baptizado como Japan House, já tem a sua primeira unidade pronta que é inaugurada hoje, dia 6 de Maio, em São Paulo. Localizada em plena Avenida Paulista, a casa conta com uma estrutura que valoriza o open space e permite que essas áreas sejam fragmentadas com grandes portas de correr, o que garante a multiplicidade do uso de seus ambientes. O Japão quer mostrar o seu melhor, e quer mostrar-se inserido no século XXI de maneira consolidada. Los Angeles, nos EUA e Londres, em Inglaterra, receberão as duas próximas inaugurações do projecto japonês. Mas São Paulo saiu na frente.
O SAPO24 esteve no local na semana de pré-inauguração e podemos afirmar que hoje quem vai a São Paulo, não pode deixar de visitar o Japão através desse mundo sensível e conceptual tão bem exposto. O Japão contemporâneo é apresentado de forma intrínseca na arte, na tecnologia e nos negócios.
O prédio tem projecto do arquitecto japonês Kengo Kuma, responsável entre outros, pelo projecto da Gare Saint-Denis Pleyel, no Norte de Paris, além do Novo Estádio Olímpico de Tóquio, onde terão lugar as Olimpíadas de 2020.
No meio de tanta modernidade envidraçada, o bambu se faz presente como uma referência de equilíbrio entre ser e estar, passado e presente. De tão útil que é no Japão, na vida quotidiana das pessoas fica, paradoxalmente, escondido de forma natural. Assim, a exposição inaugural da Japan House não poderia tratar de outro tema: “Bambu - Histórias de um Japão”. Para apresentar um pouco de sua leveza, multiplicidade de aplicações, flexibilidade e força da planta, foram convidados alguns dos principais nomes da arte em bambu no Japão, é o caso de Akio Hizume, com uma obra ao pé da fachada do edifício, que baseado na fórmula de Fibonacci, pode criar a sua instalação com 600 estacas e doze faces sem uma única amarração.
No segundo andar do edifício, numa grande área ao lado de um confortável restaurante, uma outra obra de bambu impressiona pela sua grandiosidade e pela maneira como se impõe ao ambiente, como que enraizada a cobrar o seu espaço junto ao concreto dos dias actuais. Junto à frieza e ao estático. Foi criada pelo artesão Chikuunsai IV Tanabe que não usou cola ou adesivo, apenas o entrelaçar dos filetes de bambu que serão desmontados ao final da exposição e reutilizados em outra exposição e obra, dando o tom de sustentabilidade e transcendência ao processo.
Logo no início da exposição há uma sala com tatâmi na qual um breve desenho animado é projectado no tecto, obrigando o visitante, que já deixou os sapatos do lado de fora da sala, a deitar-se e experimentar a sensação de conforto ergonómico proporcionada. A animação curta, de aproximadamente 5 minutos, retrata a história da pequena princesa Kaguya do Conto do Cortador de Bambu, de Isao Takahata (2013), e faz com que se saia dali, para o início da exposição, com a sensibilidade aflorada diante da perda que todos sofremos ao distanciarmo-nos de nossas raízes, de nossas origens e da alegria ancestral que esse equilíbrio proporciona.
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