Ouça aqui a conversa com Joana Gama na íntegra:

Joana Gama, a convidada desta semana do podcast Acho Que Vais Gostar Disto, é mãe, comediante, radialista (fez a "Prova Oral" ao lado de Fernando Alvim, contando também com uma passagem pelo "Maluco Beleza" de Rui Unas), autora (além do blog "A Mãe É Que Sabe", escreveu três livros, o último dos quais "Alguém que Me Cale") e em tempos idos apresentadora da SIC Radical. No entanto, convém sublinhar o que não é: pianista. É um esclarecimento importante, pois o Google pode trair as pessoas que queiram descobrir mais sobre a sua biografia. Isto, porque há, de facto, uma Joana Gama pianista. Só não é... esta.

A nossa conversa com a voz das manhãs da Antena 3 começou com o seu novo solo de stand-up "Não sei ser", mas esse foi apenas o mote de partida, uma vez que tocou em várias temáticas, como por exemplo a sua indignação de ainda ninguém ter criado uma página sua na Wikipedia ou o estado do wokismo.

O passado e o cabelo

Durante a conversa, quando o seu canal de YouTube veio à baila ("Epa, não. Isso é um cemitério de m*rda!"), Joana Gama também recordou o início da sua carreira, em que abordou os tempos em que andou a trabalhar em festivais de música. Nomeadamente, os seus penteados e estilo da altura.

"Existe toda uma linha condutora estética quando se apresenta um festival. Agora já estão a Valdispert, mas na altura… Eu estava muito grata por ter aquele trabalho. Tentava ter graça, tendo graça sem querer por causa dos penteados. Se isso aconteceria agora? Acho que não", diz.

No entanto, isso não significa que feche a porta a um regresso ao "Curto Circuito" da SIC Radical, programa que apresentou. "Sou uma rameira do audiovisual", justifica.

Comedy Therapy e os limites do humor

Da estética do passado, dá-se um salto para o presente recente. E neste período, Joana Gama tem um projeto de stand-up chamado "Comedy Therapy" juntamente com os humoristas André de Freitas, David Cristina, Pedro Alves e a sexóloga Tânia Graça (que já recebemos no nosso podcast) que pretende dar tempo e resposta aos problemas não dos protagonistas, mas do público. E, diga-se, não é fácil fazer terapia ao vivo e fazer rir quando surgem situações muito duras e reais (como quando alguém diz anonimamente que foi violada e está disposta a que se faça humor com isso).

Instada a comentar o politicamente correto e como é que se equilibra a balança, Joana Gama considera que o segredo está "em sermos pessoas de jeito". Se houver respeito, noção, pode-se falar de muita coisa ou até recorrer ao humor para expor temas e problemas que de outra forma nem sequer eram tocados.

Segue o Acho Que Vais Gostar Disto no Instagram, no Twitter e no TikTok. Estamos também no YouTube e na nossa novíssima página do Substack.

Ou gosto ou não gosto: não há intermédio

A conversa prosseguiu pela aparente dificuldade atual em se gostar ou não gostar de algo e cada um seguir a sua vida - ou seja, sem se ter a necessidade de comentar ou fazer uma militância sobre um determinado assunto (espetáculo, tema, filme, série, discussão, etc). Na opinião da convidada, isto acontece muito devido ao facto de "não termos muito do que conversar uns com os outros".

"O consumo da cultura está cada vez mais massificado nos mesmos assuntos. Ou falamos da ‘Casa de Papel’ ou da ‘Casa de Papel’. Até na Netflix temos os TOPs da lista e andamos todos a ver a mesma coisa. As conversas são ‘gostei ou não gostei’. Não há aquele: Ah, vi agora uma série... E em relação aos espetáculos, as pessoas têm a necessidade de criar - e isto é humano - um sentimento de pertença, de fazerem parte um grupo, procurando essa validação", diz, explicando que ou se faz parte do grupo que gosta ou se faz parte do grupo que não gosta.

"Das duas, uma: se gostas, fazes parte do grupo de amigos. Se não gostas, sentes que és o especial da turma. A verbalização de opinião - e o Twitter é o expoente máximo dessa questão -, faz com que nos sintamos legitimados e pertencentes a um determinado nicho", remata.

Joana Gama (a pianista) e a Wikipedia

Questionada sobre "o que falta para ter uma página na Wikipedia", Joana Gama confessa que este é um tema que resulta "numa facada no ego, que vocês não tem noção". É que a Joana Gama (a pianista) tem e o Google confunde as duas e não são poucas as vezes em que a imagem e texto estão associadas à Joana errada. Porém, Joana Gama (a radialista) já conheceu a Joana Gama (pianista) — e teceu elogios à homóloga. 

"É uma fixe e não está muito ressabiada pelo nome dela estar associado a pilas e coisas do género. Coitada, ainda por cima é toda eloquente", diz, fazendo um apelo: "Vocês, que são da Internet, façam lá uma página da Wikipedia. Eu já tentei fazer uma página sobre mim própria e eles apagaram", diz.

Todavia, apesar de não ser pianista, não quer dizer que não tenha dotes para a música. A prová-lo está o momento de cantoria deste podcast, em que Joana explicou que esteve para enveredar pelo caminho de atriz, mas depois de ver o programa do Conservatório e de saber que tinha de cantar o "Milho Verde", desistiu da ideia. (Ainda que o facto de "não ir ao teatro também tenha contribuído para a decisão".)

O que os outros pensam

Interpelada a comentar sobre aquilo que os outros - e a família - pensam dos temas que aborda (fala abertamente e sem tabus sobre sexualidade ou do tema do aborto, por exemplo) e do que escreve, a radialista diz que as pessoas é que tem de lidar com isso — e não ela.

"Porque é que uma pessoa tem de estar num sítio onde se tem que limitar, onde tem de estar sempre a pisar ovos?", diz, explicando que, mesmo nesses casos em que toca em assuntos mais pessoais e se isso vai ter repercussão na vida dos seus, fá-lo de uma maneira que se perceba que está a brincar.

"Quando brinco com situações da minha filha, quando digo que estragou a minha vida, sei dizê-lo de maneira a que se perceba que estou a gozar. Confio nela, na sua inteligência e no seu espírito crítico, para perceber, já hoje, o que é uma graça", conta.

Exposição e vergonha

Para a radialista, tem a ver com a qualidade da exposição. "Eu exponho-me muito porque não me levo muito a sério", diz, uma vez que pensa que ninguém quer saber muito disso.

"Se estiver a falar da minha adolescência, de problemas que tenha tido com a minha família, toda a gente tem. Se calhar é patológico, mas eu não percebo muito a questão da privacidade. Qual é o problema?", questiona, afirmando que "se tens vergonha de alguma coisa, não faças".

"Eu não tenho vergonha das coisas. Porque é que hei-de ter? Se não fiz por mal?", remata.

O novo vs velho

Sobre a diferença do stand-up estabelecido "dos grandes e internacionais" para o atual, Joana Gama acredita que é apenas diferente. Não se atreve a dizer se é melhor ou pior, pois isso "é uma coisa que vai depender dos gostos", mas acredita que o stand-up se está a distanciar cada vez mais do teatro — e com menos foco no texto e na qualidade deste.

"Hoje em dia existe uma descomplicação de processos e da profundidade das coisas, que assenta mais na cabeça e na entrega das pessoas. Tu vês que agora muitos espetáculos dos comediantes são podcasts e coisas do género. Acho que a qualidade de trabalho não diminuiu, simplesmente estamos a criar uma relação em que a quarta parede está cada vez menos presente", diz.

A sabotagem

O que leva à questão do seu trabalho, do processo deste, e de como talvez esteja no meio de uma autosabotagem para não chegar a outro patamar de notoriedade.

"Ainda estou muito nesse dilema. Será que me estou a autosabotar por não ter escrito nada ou simplesmente estou a respeitar o meu processo criativo?", confessa, ainda que sinta que o facto de trabalhar como trabalha está a respeitar a sua maneira de ser. "Há coisas que eu penso, mas que não sei se são para me autojustificar ou se são realmente verdade".

Contudo, apesar desta dúvida bastante humana e que todos sentimos em determinado ponto das nossas vidas, tem uma certeza. Não quer fazer coisas "de fora para dentro".

"Não quero estar a fazer coisas que sei que vão bater. Eu não quero pensar em como é que isto chega a mais pessoas. Tenho sorte de ter descoberto uma das coisas que eu mais gosto de fazer. E se eu começar a encará-la como um emprego das 9 às 5, acho que fico com ansiedade de performance. Isso vai matar a minha criatividade", afirma, fazendo uma pausa, antes de terminar. "Se isto é desculpa para a minha autosabotagem? Não sei".