Nove segundos e cinquenta e oito centésimos precisou o ser humano mais rápido do mundo para percorrer cem metros.
Há oito anos que ninguém demora menos de vinte e dois segundos e vinte e duas centésimas a fazer duas piscinas de bruços.
Dois metros e quarenta e seis centímetros é o que alguém precisa de saltar em altura para poder ouvir uma orquestra tocar o hino do seu país.
Quarenta e cinco minutos demorei eu só a escrever estes primeiros quatro parágrafos.
Há qualquer coisa que me deixa inquieto com a pressa dos Jogos Olímpicos.
Passei a vida a ouvir os outros dizer-me que, para fazer as coisas bem, era preciso deixá-las respirar, dar tempo ao tempo, mas a nenhum atleta de alto rendimento é permitida essa maturação. Que atleta do salto em comprimento, na busca incessante por aquele milímetro que lhe dará um novo recorde pessoal, se atreve a fazer uma pausa durante dois meses para se dedicar a um novo projeto, sei lá, ao tiro de carabina deitado?
Há qualquer coisa tortuosa nesta vontade de acumular enormes sacrifícios ao longo de quatro anos para no fim ganhar poucos centésimos a um adversário. Compensará deixar de pedir um McRoyal Bacon para não comprometer a dieta que dali a dois anos levará a uma medalha de ouro? O que faz com que alguém esteja disposto a depilar os genitais apenas para ganhar meio centésimo na estafeta de costas?
O desporto de competição, ainda mais nas modalidades que não abrem jornais, pode ser cruel. Neste anúncio da Under Armour vemos esses sacrifícios com alguma maquilhagem. Durante um minuto e meio lá está Michael Phelps a cortar a piscina quando o sol ainda dorme, de expressão sofrida num banho de gelo, contrariado a fazer uma refeição reforçada, tudo isto entre insónias que terminam com o eco do público a aplaudi-lo. “É o que fazes no escuro que te põe na luz”, assina a campanha. Com a música certa, um bom diretor de fotografia e alguns jumpcuts a imprimir velocidade à narrativa, aquele minuto e meio tem alguma poesia que será mais difícil de encontrar na linha temporal dos quatro anos até aos Olímpicos. De onde virá esta força de vontade que leva alguém a querer levantar-se às cinco da manhã para treinar mariposa antes da piscina acumular pessoas a fazer hidroginástica com chouriços?
Que pressa é esta, a de querer cortar a meta antes dos outros?
O canal de YouTube oficial dos Jogos é uma ótima viagem no tempo, onde estão documentados alguns momentos importantes do desporto olímpico, que pode ajudar a dar a resposta.
Começo em 1976, em Montreal, com a ginasta Nadia Comaneci a fazer parecer tudo fácil na trave olímpica, e vou até 2012 quando Usain Bolt, em dez segundos, arrumou a concorrência e levou para casa a medalha de ouro nos Jogos de Londres. Os penáltis que deram ao Brasil a vitória em futebol nos Jogos do Rio também lá estão e sofri a vê-los como se estivesse em 2016. Numa tarde com tempo, vi o filme oficial da última vez que os Jogos passaram precisamente em Tóquio, corria o ano de 1964. A filmagem é tão crua que parece que lá estamos a ver ao vivo os 100 metros barreiras (na altura fazia-se em 80). No meio de tantos documentários fictícios baseados em factos reais que abusam do grão para recriar os anos sessenta, aqui está uma relíquia real que documenta o péssimo gosto para cabelos daquela geração e a pouca relevância que a aerodinâmica tinha na concepção dos fatos olímpicos naquele tempo.
Se o algoritmo do YouTube vos for afastando do que interessa, vão até à Netflix onde está "Rising Phoenix", um documentário que dá a merecida atenção aos Jogos Paralímpicos, injustamente vistos como um evento satélite dos Olímpicos. O documentário recua até à génese do movimento paralímpico, pensado por um neurologista alemão que acreditava no desporto enquanto meio de reabilitação física, e documenta essa ideia com as histórias de nove super-atletas para quem não há impossíveis.
Falta ainda os habituais filmes biográficos de superação pessoal, aqueles onde o protagonista é o underdog contra quem estão até as probabilidades menos conservadoras, mas que as supera sem importar como, navegando entre a ambição e a obsessão, ou como bem gostam de escrever os argumentistas nas sinopses da Netflix: “entre a luz e as trevas”.
É o caso de "I, Tonya", o filme que me contou a história de Tonya Harding, uma patinadora artística em busca do sonho olímpico que nunca encaixou no status quo, a primeira patinadora americana a fazer uma manobra complexa com um nome que agora não me lembro (e que poderia consultar na internet, mas por vezes mais vale ser sincero) e que se viu embrulhada na justiça por causa de um ataque a uma patinadora rival.
Para fechar, "Eddie the Eagle" contraria um bocadinho a ideia de que as biografias desportivas têm de ter um tom misterioso, com o grading no espetro do azul petróleo, e entrega-nos um filme feel good sobre o saltador de esqui olímpico Michael Edwards. Eddie é um desses senhores que pouco amor tem à vida e que salta de um escorrega com dois paus presos nos pés para chuva em estado sólido.
Não deixem apagar a chama olímpica e usem estas recomendações para bater o vosso recorde pessoal de procrastinação.
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