Nesta investigação o jornalista Martin Bailey traçou o percurso de um quadro desaparecido na batalha de Maqdala, em 1868, e que foi saqueado por um agente do Museu Britânico, Richard Holmes, enviado para trazer manuscritos e antiguidades deste país.
Ao contrário de outras obras, Holmes não entregou este quadro ao museu e manteve-o em segredo sem que o espaço museológico o tivesse manuseado. Mais tarde, o herdeiro vendeu o quadro à famosa casa de leilões Christie's, em 1917.
Este jornal internacional conseguiu localizar esta pintura, com o nome, "Kwer'ata Re'esu", em 1998, quando se encontrava num cofre de um banco português (cujo nome não é conhecido). Neste momento, o autor do artigo teve oportunidade de conhecer a proprietária da obra, Isabel Reis Santos, residente em Coimbra e herdeira do historiador de arte português Luis Reis Santos.
"Quando viajei para ver o "Kwer'ata Re'esu", o quadro estava embalado e ainda na caixa de madeira em que tinha sido enviado de Londres. Mantida num cofre de banco, a pintura foi embrulhada num exemplar de 20 de abril de 1950 do London Evening News", conta o jornalista da publicação.
O jornal terá obtido o nome da proprietária através de registos no Diário da República português.
Sobre este quadro, sabe-se que foi pintado na Europa, por volta de 1520, na Península Ibérica ou na Flandres, e foi provavelmente enviado pouco depois para a Etiópia, onde foi acrescentada uma inscrição religiosa numa antiga língua litúrgica.
Já neste país, tornou-se um ícone sagrado de sucessivos imperadores etíopes e foi levado para a batalha quando as forças cristãs lutavam contra os muçulmanos.
O "Kwer'ata Re'esu" é uma representação da bênção de Cristo, com uma coroa de espinhos e com sangue a pingar. Foi pintado por um artista europeu no estilo flamengo ou possivelmente até por um pintor português que trabalhava na Etiópia, segundo o jornal.
Como o quadro chegou à Etiópia é também um caso de estudo, podendo ter sido trazido por missionários jesuítas ou apresentado a uma missão diplomática etíope em visita a Portugal.
Quanto a Holmes, que terá saqueado o quadro, sabe-se que foi enviado pelo Museu Britânico 13 de abril de 1868 para a Maqdala (ou Magdala), onde se encontrou com o imperador Tewodros II, poucos minutos depois de este ter cometido suicídio com uma pistola. Ainda com o corpo do governante quente, o agente museológico reparou que este quadro estava em cima da cama e saqueou-o antes que chegassem tropas britânicas.
Poucos dias depois, Holmes partiu para Londres com o seu espólio roubado: dezenas de antiguidades, incluindo o "Kwer'ata Re'esu", que guardou para si. Dois anos depois, foi nomeado pela Rainha Vitória como bibliotecário real.
Holmes morreu em 1911 e seis anos depois a obra apareceu na Christie's.
Não foi identificado como vindo da Etiópia, mas sim como da “Escola de Bruges”, e foi vendido por 420 libras, ficando na posse de um comprador londrino, Martin Reid. Em 1950, o herdeiro de Reid vendeu o quadro, novamente na Christie's, desta vez como pintado por Ysenbrandt.
A licitação mais alta foi de 131 libras, o que ficou abaixo das expetativas, e acabou por ser vendida a Luis Reis Santos, um historiador de arte português que publicou um artigo sobre o "Kwer'ata Re'esu" na edição de julho de 1941 da revista 'The Burlington Magazine'. A pintura passou posteriormente para a viúva, Isabel Reis Santos.
Para piorar toda esta história controversa, no dia 16 de fevereiro de 2002, o Ministério da Cultura, na altura dirigido por Augusto Santos Silva, publicou um despacho no Diário da República que onde determina que a pintura não pode ser exportada sem permissão do Executivo português.
Num desenvolvimento mais recente, a Fundação Scheherazade, liderada por Tahir Shah, tem feito uma campanha pela restituição dos tesouros de Maqdala, e a 21 de setembro conseguiu a devolução de uma tábua sagrada e de uma mecha de cabelo do Príncipe Alemayehu, filho de Tewodros.
Neste momento, de acordo com o 'Art Newspaper', querem o mesmo para "Kwer'ata Re'esu", neste caso, que seja devolvido à Etiópia: “Roubado pelas forças britânicas em Maqdala, foi adquirido por Richard Holmes, o homem do Museu Britânico no local. É apenas uma questão de tempo até que chegue à Etiópia, com celebração jubilosa”, refere a Fundação citada pelo meio internacional.
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