“Os partidos dominantes na Guiné, em Angola, em Moçambique quiseram fazer passar a ideia de que eles tinham tido um bocadinho o monopólio da luta armada, que tinham sido eles os que deram os primeiros tiros na luta de independência nacional e as coisas não são exatamente assim”, afirmou.

“As coisas são um bocadinho mais complicadas. Nós procuramos corrigir um bocadinho no livro esta história feita a partir do ponto de vista dos vencedores”, acrescentou.

Coordenada por Pedro Aires Oliveira e pelo major-general João Vieira Borges, a obra, editada pela Bertrand e lançada quinta-feira ao fim da tarde em Lisboa, conta com textos de 37 autores de várias instituições universitárias portuguesas e estrangeiras e ainda de especialistas reconhecidos na área da história, da estratégia, das ciências militares, da sociedade e da economia.

João Vieira Borges disse à Lusa que, 50 anos depois do 25 de Abril, “há feridas” e que o livro “visa sarar algumas das feridas, mas não consegue sarar tudo porque são profundas”.

“Foram demasiado profundas para aqueles que perderam a vida, são profundas para aqueles que viveram a guerra e a descolonização. Este livro não quis de maneira alguma recriar uma história institucional”, defendeu.

Para João Vieira Borges, presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, “era importante ir ao encontro das últimas investigações (...), a vários níveis, trazer uma obra diferente".

"Talvez contribua para sarar alguma destas feridas. Não vai sarar certamente todas, mas é o nosso contributo. É o nosso contributo pela diversidade de autores, pela diversidade de temas, pela diversidade de opiniões, algumas associadas a ideologias”, declarou.

Trata-se de uma publicação científica, porque, explicou, “não são artigos de opinião".

"São artigos científicos, têm que ser fundamentados. Mandámos todos para trás, porque quando punham observações que não estavam fundamentadas, achávamos que, a bem da verdade, era bom alterarem. Ou fundamentavam ou tiravam”, disse.

Para Pedro Aires Oliveira, professor no Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, os 50 anos que marcam a distância temporal entre a descolonização e a atualidade “dão um recurso suficiente para se examinar este período com algum rigor e com informação diversificada e múltiplas fontes”.

“Eu acho que um aspeto interessante do livro, se me permite, é [que] nós não nos podemos substituir aos historiadores dos países de língua oficial portuguesa que alcançaram a sua independência no contexto destas guerras de libertação nacional, na escrita da história da luta independentista. Mas a obra, de alguma maneira, na sua estrutura, procura oferecer ao leitor os dois pontos de vista”, salientou.

Os dois coordenadores fizeram apenas uma recomendação aos autores: “na medida do possível darem os dois lados da questão”.

“Há uma série de capítulos, digamos assim, que acabam talvez por revestir-se de um sentido mais inovador, na medida em que espelham o avanço da investigação, por exemplo, no papel das mulheres nas lutas independentistas dos países africanos. Isso é objeto de um capítulo à parte. O próprio envolvimento das mulheres da sociedade portuguesa em diferentes facetas também da guerra colonial, também a questão dos prisioneiros de guerra era uma questão muito pouco tratada na historiografia”, destacou.

Pedro Aires Oliveira destacou ainda o capítulo, do lado dos movimentos de libertação, sobre os esforços desenvolvidos no domínio da propaganda e da comunicação.

“Por exemplo, a maneira como a literatura que foi produzida sobretudo depois das independências tratou da questão da guerra também tem dois capítulos autónomos”, com um capítulo sobre as contribuições das representações literárias da guerra por autores portugueses, de Margarida Calafate Ribeiro, e outro de Alexandra Dias Santos, que aborda especificamente a literatura dos autores africanos.

Pedro Aires Oliveira referiu ainda o capítulo do suíço Eric Morier-Genoud, da Queen’s University Belfast, que trata especificamente da maneira como também os países africanos procuraram construir narrativas de legitimação da sua luta.