“As ‘Três Graças’ interessam-me porque atravessam a história da arte europeia desde a antiguidade clássica grega. Resistiram a todas as erosões, todas as diferenças de pensamento, processos históricos, mudanças de paradigmas políticos, ideológicos, revoluções”, afirma, em entrevista à agência Lusa.
Estas figuras “vêm lá do fundo, muito antes da democracia ateniense, passam pelo Império Romano, chegam à Idade Média, têm um momento de brilho ainda mais acentuado no Renascimento, voltam a reaparecer no século XVII e XVIII com Rubens, e chegam até à modernidade com Picasso, Matisse, e tudo isso”, detalha.
As três esculturas nascem a convite do Museu Louvre, em Paris, e serão expostas de 13 de fevereiro a meados de junho.
Quando recebeu o repto, a ideia veio “de imediato”, conta, não só porque sempre se quis debruçar sobre estas figuras, mas também porque lhe interessou “a colocação num espaço público”.
“Começo por fazer umas pequenas maquetes, a partir de figuras, daquelas que se vendem, ‘kitsch’, os santinhos e santinhas de toda a qualidade, e a partir dessas figuras trabalho. Corto-as, recolo-as, transformo, aglutino fragmentos de diversas figuras que ganham depois uma autonomia e presença abstrata e não localizável do ponto de vista de iconografia. Não se sabe se é um Santo António ou uma Nossa Senhora da Conceição. É apenas um conjunto de objetos em pedra ou em gesso aglutinados”, relata.
Essas maquetes foram depois enviadas para uma empresa “faz maquinação robótica” e “passam aquilo para um programa vetorial em computador que dá ordens a um braço robótico”.
Foi esse braço robótico que esculpiu os blocos criados pela Corticeira Amorim, juntando “cortiça com outras matérias que, não hipotecando a ecologia e sustentabilidade, dão-lhe uma resistência que permite estar, como estas vão estar”, ao ar livre.
Cada peça tem cerca de 4,50 metros e pesa aproximadamente 500 quilos, a que se somam os 400 quilos da base que as sustenta.
São quatro fragmentos ‘cortados’ por “blocos de matéria-prima” não trabalhada que “aparecem integrados na escultura, e com isso dilatam o tempo de entendimento da escultura”.
“Ao mesmo tempo temos o princípio e o fim dentro da mesma peça”, insiste.
O artista conta que essa “intenção” veio “aumentar, acentuar, a desconstrução do corpo”.
Para Cabrita Reis, os três corpos femininos, que são representados ao longo da história, interessam não pelo corpo, mas pela sua persistência na história.
“Desde logo, é um corpo. Há uma imagem antropomórfica que não é preciso fazer um grande esforço para se entender, ou melhor ainda, para se subentender, um corpo por ali”.
Para saber que é feminino, “recorremos então ao tema”.
“As ‘Três Graças’ são três figuras femininas entrelaçadas entre si, três irmãs que nunca se afastam. Em toda a História da Arte, as Três Graças foram sempre representadas naquilo que se convencionou ser a forma de representação — uma de costas e duas de frente, todas entrelaçadas, abraçadas entre si, mas nunca, jamais, em tempo algum, separadas”.
As esculturas que vão ocupar o Jardim das Tulherias “estão conceptualmente unidas, não estão fisicamente unidas”, explica.
“Não se prendem, não são reféns de uma interpretação literal e retórica de um modelo original”.
Essa distância “faz expandir o espaço, e, ao expandir o espaço, elas ganham outra movimentação, mesmo que não se mexam, mas tendo mais vazio entre elas, elas expandem a sua presença”, considera.
Com estas esculturas, quer também debater “a questão da monumentalidade”.
“Há quem defenda a ideia de que os monumentos são manifestações obsoletas. Monumentos a generais que se distinguiram em guerras de massacre colonial são obsoletos, claro que são. Agora o conceito de monumento, a sociedade sempre definiu que um monumento celebrava qualquer coisa. As classes dominantes sempre se celebraram a si próprias através de figuras. Provavelmente, o que é preciso rever é qual é a matéria da representação. Não é o monumento em si. (…) O que se transforma é o que se faz, a maneira como se olha, as preocupações”.
O artista defende que “os monumentos não estão obsoletos, o que está é o uso deles sob determinados prismas históricos”.
Apesar da sua resistência, a cortiça mantém uma “fragilidade interessante”, adianta.
“Porque nada é para sempre. E é bom conviver-se, viver-se e perceber-se e aceitar-se, justamente, a morte. Faz parte. É outra forma de vida. Esta destruição não é uma intenção de aniquilar nada, é apenas a natural passagem do tempo”.
As “Três Graças” de Cabrita Reis ficam e exibição no Jardim das Tulherias, a convite do vizinho Museu do Louvre, no âmbito da Temporada Cruzada França-Portugal 2022, de 13 de fevereiro até meados de junho.
Depois disso, tem “uma intenção bastante consolidada de fazer uma outra versão disto, provavelmente com algumas alterações formais, mas em bronze”.
“Um dia, se calhar, encontro um jardim, ou no meio do campo, lá para a serra do Algarve, onde moro, e ponho-as lá no meio das alfarrobeiras”, remata.
Nascido em Lisboa, em 1956, Pedro Cabrita Reis fez formação académica em pintura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, em 1983, e da sua trajetória destacam-se exposições individuais como “Work Always in Progress”, no Centro Galego de Arte Contemporânea (CGAC), Santiago de Compostela, também em Espanha (2019), “La Casa di Roma”, um trabalho realizado especificamente para o museu Maxxi, em Roma, Itália (2015), e “A Linha do Vulcão”, no Museu Tamayo Arte Contemporânea, no México (2009).
Foi o representante de Portugal na Bienal de Arte de Veneza, em 2003.
A sua obra está representada em coleções de instituições internacionais como a Tate Modern, em Londres, a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a Hamburger Kunsthalle, em Hamburgo, e a Fundação de Serralves, no Porto.
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