Não falta muito para fazer dois anos desde que falaram ao SAPO24 sobre o seu humor que não impunha limites, mas que se deparava com fragilidades. A conversa aconteceu mais ou menos um mês depois da publicação do primeiro episódio ("Humoristas em Fuga") online e diga-se, sem rodeios, que se falou de tudo um pouco; pandas, margaritas, dildos, jihadistas. Como pano de fundo estava a sua história, como se conheceram, de onde vieram e de onde surgiu a vontade de criar uma série de comédia de sketches curtos, "filmada com a qualidade de um filme de ação e que tinha tudo alinhavado para ir parar à televisão — mas que não foi". Para reler aqui.
A primeira temporada de Falta de Chá gerou milhares de visualizações, comentários e elogios (e uns quantos pedidos de regresso) — pelo que não será de todo estranho dar conta de novos episódios. O humor sarcástico mantém-se, o estilo e os protagonistas também. No entanto, foi uma ausência morosa, se fizermos jus às opiniões que se encontram na caixa de comentários dos episódios. É que havia uma audiência pronta para mais sketches. A primeira contou com 10 episódios e a sua sucessora, que estreou no dia 8 de outubro, mantém o número. A série pode ser vista no canal de YouTube do Ricardo (não existe um oficial, nem com o nome Falta de Chá).
Sobre o sucesso da primeira temporada, Guilherme Duarte assume que é difícil traçá-lo sem ser "pelas visualizações". Porém, garante que tanto ele como Ricardo Cardoso tentam "não ir muito por aí" porque têm noção que "não é propriamente um produto viral", visto que "são episódios com vários sketches". Contudo, não esconde que esta experiência superou as expectativas de ambos "em termos de visualizações e especialmente de feedback", considerando "que se percebeu que o pessoal estava com fome de uma coisa assim do género e que valorizou o esforço envolvido".
Ricardo Cardoso fala sobre "a pressão" (que aumentou) no regresso da dupla de humoristas e que explica que a ausência prolongada se deveu a um problema de agenda das três partes envolvidas (os dois e a produtora Até Que Enfim Produções) que não "ganham nada com isto" e que o fazem "por gozo".
"Tivemos algumas dificuldades [para gravar a 2ª temporada] devido à agenda das três partes envolvidas, que tornaram a realização da série mais complicada. [E] para nós não foi tão agradável porque estávamos muito limitados em termos de tempo. Ok, se temos este dia, temos de gravar cinco sketchs. Assim já não vais com aquele espírito da primeira temporada — isto vai ser divertidíssimo. Temos muito mais pressão porque temos menos tempo, mas mais coisas para fazer e com sketchs maiores. E essa pressão tirou-nos algum prazer na parte de realização. Mas a parte escrita foi superdivertida. Não é que durante as gravações não fosse divertido, temos bloopers e quê, é giro. Mas no global foi mais difícil a parte de execução", confessa.
Para a nova temporada prepararam cerca de 80 sketches para comporem episódios que vão ter entre 12 a 15 minutos. Esta é uma novidade, já que na temporada de estreia o mais longo não ultrapassava os 7 minutos. Contudo, a essência e aquilo que os caracteriza mantém-se de pedra e cal.
"Os sketchs continuam a ser curtos, mas são mais por episódio. Temos é uns maiores que não tínhamos", começa por esclarecer Guilherme Duarte, antes de entrar no detalhe sobre aquilo que podemos esperar. "O mais complicado foi manter o ritmo. Ou seja, chegámos ao fim, montamos os sketchs e percebemos, este episódio tem 12 ou 13 minutos, pode estar maior, mas tem de estar com o mesmo ritmo a que habituámos as pessoas. Acho que tem de haver um equilíbrio entre sketchs curtos e sketchs mais longos. E foi [mais] esse exercício de montagem do produto final do que propriamente na escrita — que isso acabou ser um bocadinho igual — que diferiu da primeira [temporada]. Não houve assim muita diferença, foi só mesmo na montagem final".
Ricardo adianta também que a série se adaptou à realidade daquilo que é hoje a generalidade do consumo de conteúdos na Internet, mas em particular do vídeo. As regras do jogo mudaram e aquilo que era válido há dois anos, já não o é assim tanto hoje. Estes já não têm necessariamente de ser tão curtos, diz-nos, pois se o conteúdo for do agrado do consumidor, este vai sentar-se à beira do computador ou tablet e vai perder tempo com o conteúdo. Dá o exemplo dos podcasts, realçando a sua duração, dizendo que se tivermos interesse, mesmo que este seja de uma hora, ouvimos de início ao fim. E isto foi algo que também queriam explorar.
"Na temporada anterior tínhamos isso: [que] os sketchs não podiam ultrapassar um minuto. Era essa ideia: quanto mais curto, melhor. Ok, vais ali, mostras uma ideia, destorces o significado dessa ideia, sais desse sketch. Nesta segunda temporada, quisemos explorar outros caminhos", explica Ricardo. "Sem querer, alguns sketchs ficaram muito maiores do que estávamos à espera. Decidimos não mexer nessa parte criativa porque agora quase que o próprio YouTube te estimula a pôr vídeos com mais de 10 minutos. Portanto, a regra é não ser chato", continuou.
Guilherme Duarte acrescenta ainda que os episódios são maiores (rodam todos os 13, 14 minutos) porque "mudou também o paradigma do YouTube e da forma como as pessoas consomem o vídeo".
"Antes [considerava] que o vídeo curto era rei, [mas] acho que hoje em dia não. Hoje as pessoas sentam-se à frente do computador como se sentavam para ver televisão. E os algoritmos do próprio YouTube até privilegiam os vídeos com mais de 10 minutos. E nós como já íamos fazer uma temporada também aproveitamos essa oportunidade para fazer mais sketchs, e para ter mais liberdade", conta.
Ainda que só estejam disponíveis dois episódios desta nova temporada, o feedback já está a ser positivo — ainda que durante o período de gravação existisse algum receio por parte dos humoristas quanto a algum do seu conteúdo. Ricardo conta que tanto ele como Guilherme estão "estupefactos" porque no último episódio que saiu estão "a ter imensos comentários demasiado positivos», algo que não estavam nada «à espera". Ricardo aproveitou para contar que chegou a receber uma mensagem privada de um padre a dizer que tinha adorado "um dos Shark Tanks [dos Pastorinhos]".
Não Há Ideias Estúpidas, o segundo episódio da 2ª temporada, conta com a participação de António Raminhos — porque os novos episódios não estão apenas mais longos, também vão apresentar convidados especiais. Guilherme informa-nos que "Mário Daniel, o mágico, vai competir com Jesus Cristo para quem vai fazer o melhor truque de magia", e Ricardo conta que "vamos ter pessoal do YouTube, [como] o Diogo Sena e o Bernardo Almeida", que foram convidados na "onda do baza lá entrar num sketch". Ah! E também há um espacinho para Jel, dos Homens da Luta.
Sobre a decisão de terem convidados especiais, explicam que decidiram avançar porque não se queriam manter "fechados", para além de ser algo engraçado.
"Achámos que era giro trazer outras pessoas, não sermos só nós, fechados. Na primeira temporada queríamos muito dizer que éramos nós os dois que funcionávamos. Era o nosso principal objetivo: fazer uma coisa que não fosse suportada no convidado. [A intenção era que] as pessoas gostassem de ver o Falta de Chá porque a minha química [com o Guilherme] funciona e não porque [a série] tem um convidado muito importante. Porque se tiveres um convidado muito importante não percebes bem se gostam de ti ou se [estão a ver] pelo convidado. Nós tínhamos muito isto: a primeira [temporada] somos nós; e se funcionar, trazemos depois mais pessoas", conta Ricardo.
Guilherme confessa que a esmagadora maioria dos sketchs têm o aval de ambos e que isso é importante para que no final os vídeos "corram bem". Também encara com normalidade que existam algumas divergências nas escolhas. "Há uns que eu gosto e ele não gosta, outros que eu não gosto e ele gosta — foi mais fácil em relação à primeira temporada porque já confiamos mais naquilo que pode resultar". Existe ainda uma guerra saudável na altura da edição ("corta aqui"; "não, isto tem que se cortar é aqui") onde "umas vezes ganha ele, outras ganho eu", algo que considera que é "bom para o resultado final".
Ricardo Cardoso aprofunda a relação de confiança que se estendeu para além do Chá. E se é verdade que tudo começou num workshop de escrita criativa, agora a colaboração serve até noutros âmbitos profissionais.
"Eu sei que há ideias que ele não acredita muito, mas assim que diz vamos fazer, dá o melhor. Tal e qual eu dou o melhor, e por isso funciona. Nós confiamos muito um no outro. Quando um diz é porque aqui, o outro diz OK. Eu agora não estou a acreditar muito, mas se estás a acreditar tanto, vamos a isso. E isto acontece mesmo fora do Falta de Chá, acontece nos nossos outros projetos. Eu peço-lhe muitas opiniões, ele pede-me a mim. Somos comedy buddies [parceiros de comédia]".
Esta temporada podemos esperar aquela Falta de Chá do costume. "Eu ponho as minhas dores, ele [o Guilherme] põe as dores dele". No entanto, deixa a ressalva de que há espaço para "aqueles skechts em que é só claramente parvoíce e onde não tens ali nenhuma mensagem que possas esmiuçar".
Questionado sobre um momento para recordar desta 2.ª Temporada, Guilherme Duarte diz que há vários, mas que há um que teve mais piada que os outros (para ele, pelo menos). "Há um momento em que o Ricardo leva com projetor de luz na cabeça e fica com uma cicatriz na testa. Portanto, esse [momento] teve piada e está mais ou menos filmado. Esse teve alguma piada para mim, para ele não teve".
Ainda que a segunda temporada esteja no início, já há quem peça nos comentários a terceira e que os episódios se alonguem até aos 60 minutos. Porém, a dupla não tem a certeza se quer se vão existir novos episódios ou até mesmo uma terceira temporada. Pelo menos não nos moldes atuais, diz Guilherme Duarte.
"Não sei se haverá terceira temporada. Nestes moldes é muito difícil. Isto é, tanto para nós como para a produtora, correr por gosto não cansa, mas não paga as contas. Então fazer nestes moles é muito complicado. A ideia passará ou por mudar o formato para uma coisa semanal ou para uma coisa com um público ao vivo, que seja mais fácil meter uma marca, uma televisão".
Todavia, não quer isto dizer que se exclua a hipótese de "manter o mesmo formato com uma marca", porque a dupla não precisa "de ganhar dinheiro com a Falta de Chá", mas queria ter dinheiro para remunerar a produtora. E dá as razões para isso:
"Era mais justo para eles. Nós acabamos por lucrar com a visibilidade. [Gostaria que tivéssemos] dinheiro, para que, por exemplo, a produtora conseguisse alocar dois meses para nós e nós conseguíssemos gravar isto em dois meses em vez de dois anos. Portanto, passará sempre por aí. Nestes moldes é muito difícil fazer uma temporada. Vamos ver o que acontece", diz Guilherme. Ricardo acrescenta outra razão: "As pessoas que estão à frente disto [na altura de edição] odeiam-nos porque nós somos chatos".
Mas e uma última confissão Guilherme? "Tem havido pouca gente ofendida com esta Falta de Chá. Se calhar não estamos a fazer o trabalho tão bem feito".
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