A cinco minutos da hora indicada nas cartolinas, no website do festival e nas credenciais dos jornalistas, é possível vislumbrar uma vasta multidão a deslocar-se em passo apressado rumo ao Palco NOS, oriunda dos concertos secundários, da zona de restauração ou das várias lojas oferecendo e vendendo bugigangas diversas. Essa era a hora dos Arctic Monkeys, de regresso a Portugal com álbum novo na bagagem (“Tranquility Base Hotel & Casino”), numa altura das suas carreiras em que a sua influência incide já sobre duas gerações diferentes.

Isto porque, e será seguro dizê-lo, quem se tornou fã dos Arctic Monkeys em 2006 difere em muito de quem se tornou fã dos Arctic Monkeys em 2018, ou até mesmo em 2013, aquando do lançamento de “AM”, trabalho de cariz mais radiofónico e “casa” para duas das canções mais aplaudidas da noite: 'Do I Wanna Know?' e 'R U Mine?', esta última a fechar um espetáculo de pouco mais de hora e meia, já no encore. Foi durante estes dois temas que mais telemóveis se ergueram no ar, procurando captar cada nuance dos gestos de Alex Turner, estrela do indie rock do século XXI transformada num crooner à séria – tanto, que quase se arrisca dizer que hoje em dia os Arctic Monkeys mais não são que Turner e companhia.

Para trás ficaram os tempos mais inocentes e juvenis, a velocidade trocada pela calmaria. Os Arctic Monkeys já não querem fazer depressa e bem; agrada-lhes fazer apenas bem, sem necessidade de transformar o mundo à paulada. Cresceram. Amadureceram. Sabem que os mundos não se transformam à paulada e sim conversando, entendendo, procurando chegar a consenso. Não são já os putos com sangue na guelra à procura de safar mais uma conquista sexual pela calada da noite, mas sim os poetas românticos que mais depressa cantam preliminares que penetração.

“Tranquility Base Hotel & Casino” é disso exemplo. O punk rock e o sonho de um dia chegar a soar a Strokes já não moram nas cabeças do grupo britânico; neste novo álbum, os Artic Monkeys parecem querer ser alguém como Serge Gainsbourg, capazes de fazer canções lânguidas com versos entre a paixão, a branda luxúria e algum humor. E, talvez por isso mesmo, se tenha ouvido “Jane B.” a tocar bem alto no PA, pouco antes de entrarem em palco. Uma vez lá, todos os olhos se viram para Turner: é ele o mestre de cerimónias, impecavelmente vestido, cabelo puxado para trás, homem do jazz cantando para boémios em bares de gin.

Mesmo os temas mais antigos dos Arctic Monkeys parecem ter ganho, devido a “Tranquility Base Hotel & Casino” ou em virtude dele, uma nova aura. 'Brianstorm' e aquela bateria furiosa ainda colocam alguns copos de cerveja a voar por cima do público, mas há todo um novo charme, de odor almíscarado, em temas como 'Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair', 'Crying Lightning' ou mesmo '505', onde a rapariga da imaginação de Turner, de mão entre as pernas, faz de facto alguma coisa com essa mesma mão. Mesmo que, em tom auto-depreciativo, o vocalista diga a dada altura que “esta canção significava muito pouco quando a escrevemos, e esta noite significa ainda menos”, referindo-se a 'I Bet You Look Good On The Dancefloor', o que é certo é que a música dos Arctic Monkeys cada vez significa mais – em especial para quem os acompanhou ao longo da sua vida, e que não é capaz de conter uma lágrima de orgulho ao ver aquilo em que se tornaram. Agora que somos todos adultos, talvez possamos compreender a vida a sério.

Quem parece não querer ser adulto é Trent Reznor. O homem forte dos Nine Inch Nails continua a gritar e a esbracejar em palco como um eterno adolescente, entregando a um público algo mortiço (salvo os fãs mais acérrimos) uma mão cheia de clássicos antigos, onde o diário de um jovem depressivo de 15 anos é verso versátil. Num concerto que só pecou por escasso e que, pelo menos para quem estava o mais próximo possível do palco, não teve a melhor qualidade sonora possível, bastou a Reznor e aos Nine Inch Nails abrir com 'Wish' para de imediato nos fazer regressar até àquele momento no liceu em que, do alto do nosso pedantismo, chegamos à mesma conclusão de Sartre: o inferno são os outros. You know me: I hate everyone...

Num espetáculo que serviu sobretudo para mostrar, ao vivo, os temas dos seus EPs mais recentes (“Not The Actual Events”, 2016, “Add Violence”, 2017 e “Bad Witch”, deste ano, e que a banda considera ser um álbum de pleno direito), foram temas como 'Closer', 'March Of The Pigs' ou 'I'm Afraid Of Americans', “repescada” a David Bowie, os que mais fizeram as delícias dos presentes. Para o final, como de costume, estava reservado o grande momento dos concertos dos Nine Inch Nails: a introspetiva 'Hurt', imortalizada para sempre pelo falecido Johnny Cash, entoada a plenos pulmões até por quem provavelmente não sabe que, sim, 'Hurt' é um original dos Nine Inch Nails. Será pedir muito um concerto em nome próprio, urgentemente?

Alheio a discussões sobre o que é ser-se jovem e amadurecer, Bryan Ferry mostrou-se em palco com a mesma sensualidade do antigamente, camisa desabotoada, grooves suaves e uma inigualável classe. A sua voz é que, e naturalmente, já não é o que era; os agudos são esquecidos e dão lugar a algo mais próximo de um Tom Waits que de um Prince. Ainda assim, poder ouvir canções como 'Don't Stop The Dance', 'Casanova', 'Slave To Love' ou 'Re-Make/Re-Model', grande clássico dos Roxy Music, é um privilégio. Assim como é um privilégio tê-lo tido connosco naquele que foi, provavelmente, o dia mais esquizofrénico de sempre de um festival: pelo mesmo palco e em poucas horas passaram Bryan Ferry, Nine Inch Nails e Arctic Monkeys. Podia ter sido um conflito geracional, mas foi só um serão de boa música.

A mesma boa música interpretada por nomes como os quartoquarto, a quem coube a abertura do Palco Clubbing, com um pop/rock em bom português e alicerçado nos poemas-canções de João Vidigueira, que se vai contorcendo em palco e cantando em berro. Uma das frases que ficou e nos dá vontade de que chegue depressa o novo álbum: o nosso querer é animal... Tal como os D'Alva são animais de palco, procurando fazer com que toda a gente dance, do mais alto ao mais baixo, do mais estiloso ao mais desengonçado. Ser a banda que fez um tema pop tão delicioso quanto '#LLS' também ajuda. E ainda houve espaço para apresentar temas novos e alguns convidados – como Sir Scratch, que se juntou à banda em 'Amor Missão'.

O NOS Alive prossegue esta sexta-feira, com concertos de Japandroids, Eels, Yo La Tengo, The National e Queens of the Stone Age. Os bilhetes, esses, há muito que estão esgotados.


Texto de Paulo André Cecílio com fotografias de Rita Sousa Vieira