INTRODUÇÃO

O que é possível

A minha mãe, o meu irmão, as minhas irmãs e eu temos cada um uma recordação diferente do momento em que o nosso pai abandonou a nossa família, pouco antes do Dia de Ação de Graças.

A minha mãe estava a empacotar as caixas da mudança quando o meu pai lhe disse que não iria connosco para a casa nova, nos arredores de Chicago, porque já não a amava. O meu irmão mais novo, Joe, chorou quando soube que o pai não ia viver connosco. Aos 14 anos, qualquer esperança que Joe tivesse de que o homem que nunca aparecia nos seus jogos de basebol se tornasse, de repente, um pai a sério, foi destruída. Annette, a mais velha das minhas duas irmãs mais novas, pensou que o pai estava a desistir dela, que ela não era suficientemente importante para que o pai ficasse. Tinha apenas oito anos. Darlene tinha apenas cinco anos e lembra-se de se sentar ao meu colo, a chorar quando ouviu a palavra divórcio, apesar de não fazer ideia do que significava.

A minha memória é específica. Eu tinha 16 anos quando entrei na garagem da nossa casa nova e ouvi a minha mãe dizer ao meu pai que precisava desesperadamente de dinheiro.

— Não estás a pagar nada, Nick — acusava ela, com a voz a ecoar nas paredes de cimento. — Precisamos de comer e pagar a hipoteca.

O que o meu pai disse a seguir abalou tudo para nós, e para mim: — Nunca te vou dar nada. Por mim, podes ir trabalhar para a rua. Depois foi-se embora, deixando a minha mãe sem dinheiro, sem estudos, além do liceu, e sem experiência de trabalho fora de casa. Aos 34 anos, estava de coração partido e cheia de medo. Além disso, tinha quatro filhos que se deparavam com um mundo incerto e que precisavam da mãe para lidar com a situação.

A partida do meu pai colocou a nossa família numa encruzilhada. O caminho que a minha mãe escolheu — frequentar aulas na faculdade comunitária para poder arranjar um emprego para sustentar a família — mostrou-me que, por mais desesperada que seja a situação, cada um de nós tem o poder de criar oportunidades para si e para os outros. É uma lição que tentei aplicar na minha própria vida e no meu trabalho. Enquanto a nossa mãe ia à escola e trabalhava em dois empregos, eu ajudei a tomar conta dos meus irmãos até terminar o liceu e me tornar a segunda pessoa da minha família a frequentar um curso superior de quatro anos.

Em 1981, comecei a trabalhar como engenheira de sistemas de nível básico na International Business Machines (IBM), na altura uma das empresas mais duradouras e icónicas dos Estados Unidos. Após três décadas a aprender e a liderar, em 2012 tornei-me a nona diretora executiva da IBM e a primeira mulher a ocupar este cargo nos cem anos de história da empresa. Reformei-me da IBM em 2020, depois de liderar um período de reinvenção necessário e tumultuoso.

O meu percurso deu-me um lugar na primeira fila, de onde assisti a cinco décadas de mudanças tecnológicas e sociais, e hoje tento fazer o que a minha mãe me ensinou através do seu exemplo — trabalhar para criar melhores oportunidades para mais pessoas, em parte através da escrita deste livro.

Se o leitor estiver a perguntar-se se este livro será essencialmente sobre conselhos de liderança para mulheres, baseados na minha experiência enquanto mulher no mundo dos negócios, a resposta é não. É verdade que desenvolvi a minha carreira numa indústria tecnológica dominada pelos homens, e sim, quebrei tetos de vidro, mas isso é apenas uma faceta de uma narrativa mais vasta e de um conjunto mais amplo de lições de liderança. Da mesma forma, este não é um livro sobre tecnologia ou sobre a IBM, uma empresa que adoro e para a qual tive a honra de trabalhar — embora, tal como o meu género, a IBM esteja entrelaçada com as minhas histórias e reflexões.

Em vez disso, penso que a melhor forma de descrever o que escrevi é como um livro de memórias com um objetivo, porque escrevo sobre as minhas experiências através da lente de uma ideia muito mais impor- tante do que eu e a minha vida, uma ideia que se relaciona com todos nós: como podemos impulsionar mudanças significativas de forma positiva para nós próprios, para as nossas organizações e para muitos, não apenas para alguns. É um conceito a que chamo bom poder.

Descobrir o bom poder

Não era o meu intento inicial escrever sobre poder, mas foi o que acabou por emergir.

À medida que fui relacionando os vários aspectos da minha histó- ria, apercebi-me de que grande parte da minha energia foi canalizada para tentar melhorar alguma coisa, resolvendo um problema ou traba- lhando para alcançar qualquer missão que estivesse à minha frente num determinado momento. Isto começou por ser verdade para mim e para a minha família, mais tarde para os clientes e pessoas com quem traba- lhava, depois para a empresa onde trabalhava e para as comunidades mais alargadas.

Em retrospetiva, vejo que cresci a acreditar que tinha dentro de mim a capacidade de mudar as coisas para melhor. Com trabalho árduo e o apoio das pessoas à minha volta, podia influenciar os resultados. Até mesmo transformar o statu quo. Essencialmente, acreditava que tinha «poder», mesmo que nunca usasse essa palavra. Não o poder num sentido estereotipado e negativo — egoísta, agressivo, hierárquico.

Aprendi por experiência própria que o poder não tem de ser mau para ser potente. Existe uma coisa chamada poder bom.

Constatei que o poder pode ser bom quando é exercido com res- peito. Quando une as pessoas por um objetivo comum e as motiva a serem a melhor versão de si mesmas. O poder pode ser bom quando procura maximizar os impactos benéficos e evitar, em vez de ignorar, as consequências prejudiciais. O poder pode ser bom quando é inclu- sivo, partilhado e distribuído.

Há outra coisa sobre o poder em que reparei ao examinar o meu passado. A resolução de problemas acontece quando as pessoas, imbuídas do espírito de ultrapassar as suas diferenças, aceitam as tensões que surgem de forças opostas. As respostas a questões complexas raramente ou nunca são «certas ou erradas», «sim ou não», «isto ou aquilo». Em vez de insistir em «ou X ou Y», tenho visto como se consegue muito mais quando consideramos «X e Y», aceitando que a melhor resolução pode ser uma terceira via. É tentador fugir do conflito, mas é mais eficaz enfrentá-lo. Há anos que digo que o crescimento e o conforto nunca coexistem. Isto é verdade para as pessoas, para as organizações e para os países. Se quisermos consertar o que está estragado, temos de passar pelo desconforto, e não faz mal.

Mais uma verdade que aprendi sobre o poder: para que o poder tenha algum valor real, tem de proporcionar um progresso tangível. Isso significa que os resultados que procuramos são alcançados, no todo ou em parte. Algo ou alguém tem de beneficiar. A intenção sem progresso é infrutífera.

Essencialmente, escrever este livro ajudou-me a esclarecer que o poder é necessário para mudar as coisas para melhor, e que o poder pode ser bom quando é exercido com respeito, quando navega pelas tensões e quando almeja o progresso em vez de uma ideia que alguém possa ter de perfeição. Respeito. Tensão. Progresso. Verá estas ideias interligadas ao longo do livro, porque estiveram interligadas nas minhas experiências. Espero que elas emerjam para si como emergiram para mim, como chaves para influenciar mudanças significativas de forma positiva.

Escrever um livro em três partes: Eu, Nós, Todos

A nossa capacidade de induzir mudanças positivas cresce em âmbito e potência à medida que as nossas esferas de influência se alargam.

Quando somos jovens, estamos mais centrados no «eu». A nossa missão durante a escolaridade e ao iniciarmos a nossa vida profissional é crescer até à idade adulta adotando valores fundamentais e traços de carácter. À medida que assumimos mais responsabilidades, a nossa missão torna-se menos «eu» e mais «nós». As nossas decisões têm consequências para outros, como os nossos parceiros, filhos e as pessoas e organizações com quem trabalhamos. A dada altura, encontramo-nos em posição de efetuar mudanças positivas a uma escala real e a nossa missão expande-se para tornar «todos nós» melhores — grupos, sociedades e países desamparados, o ambiente, o mundo que partilhamos.

Estas esferas de influência — «eu, nós, todos» — correspondem ao meu próprio percurso e levaram-me a escrever este livro em três secções distintas. As partes I, II e III partilham histórias do meu passado, mas cada uma delas difere em termos de estrutura e objetivo.

Na primeira parte, «O poder do eu: Mudar uma vida», irá conhecer os marcos formativos da minha infância e do início da minha carreira. Lutas e triunfos familiares. Problemas e vitórias financeiros. Aulas na faculdade, a sabedoria de mentores. Estes anos ensinaram-me que eu tinha o poder de fazer a diferença para mim e para aqueles de quem gostava. Partilho estes anos em pormenor porque acredito que dedicar algum tempo a refletir sobre o nosso passado nos ajuda a saber quem somos e o que é importante para nós, e porquê, enquanto pessoas e também enquanto líderes.

Na segunda parte, «O poder do Nós: Mudar o trabalho», reflito sobre ideias que, com o benefício da retrospetiva, emergiram como aquilo a que chamo os cinco princípios do bom poder. Estes são o «como» de um bom poder, e os capítulos incluem ferramentas práticas e ideias, ilustradas com histórias.

Cada capítulo centra-se num princípio:

Estar ao serviço. Este princípio é o objetivo fundamental do bom poder, a sua intenção é ajudar a melhorar alguém ou alguma coisa, satisfazendo as suas necessidades, o que, consequentemente, nos permite satisfazer as nossas próprias necessidades. Chamo a este princípio a alma do bom poder, e alimentou a forma como eu me relacionava com clientes e colegas de trabalho e fundamentou os meus esforços de ativismo anos mais tarde.

Desenvolver a confiança. Este princípio é o coração do bom poder, porque podemos optar por inspirar, e não forçar, as pessoas a aceitarem de bom grado a mudança e a participarem na sua criação. Mais do que uma vez, exercer a minha influência versus autoridade ajudou a convencer os outros a aceitar uma nova realidade.

Saber o que tem de mudar, e o que é para manter. Qualquer mudança, seja ela qual for, requer pensamento crítico, criatividade ousada e escolhas muito difíceis. Este é o cérebro do bom poder. Recorri a este princípio e às suas práticas para ajudar a reinventar a empresa.

Gerir boa tecnologia. Mesmo que não estejamos na área da tecnologia, todos nós usamos tecnologia. Este princípio tem como objetivo promover a confiança e a inclusão na nossa era digital, de modo que a tecnologia aumente a nossa humanidade. A gestão da boa tecnologia é o músculo do bom poder porque é preciso força para fazer o que é correto a longo prazo, defender as nossas opiniões e lutar pelos outros.

Ser resiliente. A mudança requer tempo e perseverança. As relações e atitudes corretas dão-nos perspetiva e ajudam-nos a ultrapassar obstáculos, mantendo a convicção em nós próprios e na nossa missão. Este é o espírito inabalável do bom poder.

Os cinco princípios oferecem uma forma conceptual de pensar sobre o bom poder. Considero-os úteis para construir relações de respeito mútuo, ultrapassar diferenças e viabilizar o progresso.

Na terceira parte, «O poder de Todos: Mudar o nosso mundo», conto a história da minha viagem de vários anos no sentido de impulsionar a mudança social, o que exigiu repensar os sistemas disfuncionais. Reinventamos peças ou desmantelamos tudo? É aqui que os princípios do «aumentar a escala do bom poder» podem ajudar a navegar as tensões da oposição para congregar as pessoas e criar soluções. Nestes capítulos, partilho o trabalho em curso para aumentar o acesso a bons empregos para mais pessoas, fazendo com que os empregadores recrutem e promovam com base nas competências dos indivíduos e não apenas nos seus diplomas e credenciais de ensino superior. A esta abordagem estimulante e emergente da contratação e promoção chamo SkillsFirst [competências primeiro]. A minha própria experiência a defender o SkillsFirst é apenas um exemplo de como o bom poder pode ser utilizado para expandir grandes ideias. Espero que o encoraje a utilizar o seu bom poder de formas que sejam importantes para si e que façam uma diferença significativa no nosso mundo.

Escolher o nosso caminho em frente

As suas próprias experiências, desafios e crenças irão, naturalmente, afetar a forma como interpreta estas páginas.

Talvez me veja como alguém que venceu circunstâncias infelizes e conseguiu viver o sonho americano. Ou talvez como uma jovem mulher que aproveitou os privilégios que lhe foram concedidos ou com os quais nasceu. Nenhuma das perspetivas é certa ou errada. Como verá, eu tive acesso a recursos que outros não tiveram, e a minha família não teve acesso a recursos que muitos outros tiveram.

Não dou nada por garantido e sinto-me grata pelas oportunidades que me foram dadas e pelos caminhos que escolhi seguir.

Se o leitor é um trabalhador da IBM, saiba que tentei escrever com grande respeito e honestidade sobre a nossa empresa. Embora esta não seja a história da IBM, ou mesmo a minha história com- pleta, é um livro de histórias e lições, muitas das quais provenientes dos meus anos na IBM, porque foi lá que trabalhei toda a minha vida. O que partilho é a minha perspetiva, bem como a minha gratidão pelas 350 000 pessoas com quem trabalhei lado a lado como CEO, e muitas das quais continuam a desenvolver o seu legado de 112 anos. Considerarei sempre os trabalhadores da IBM como uma família.

Duas décadas após o início do século XXI, parece que o nosso mundo se encontra numa nova encruzilhada. Temos de escolher como proceder. Podemos sentir-nos impotentes, ou podemos descobrir o bom poder que temos dentro de nós e exercê-lo de formas grandes e pequenas para promover mudanças significativas. É uma escolha disponível para todos nós, porque o bom poder não está reservado a pessoas com grandes títulos, dinheiro ou a voz mais alta na sala. A minha mãe tinha poder mesmo quando pouco mais do que isso tinha, e a questão é essa. Depois de o nosso pai ter partido e colocado a nossa família numa encruzilhada, as escolhas que a minha mãe fez ajudaram-nos a deixar de receber senhas de alimentação, a salvar a nossa casa e a aproximarmo-nos da autossuficiência financeira, ao mesmo tempo que recuperávamos alguma dignidade. As ações dela influenciaram as minhas. Talvez o seu bom poder também influencie o do leitor.

Obrigada por ler,
Ginni

PRIMEIRA PARTE

O poder do eu

Mudar uma vida

As pessoas e os acontecimentos da nossa juventude influenciam a forma como trabalhamos e lideramos. É por isso que estes primeiros capítulos contam a história da minha infância e do início da minha carreira. Estes são os rostos e os lugares que vejo quando fecho os olhos. A loja de candeeiros da minha avó. As minhas irmãs à mesa da cozinha. Um primeiro encontro junto a um lago. Ser a única mulher em muitas salas. Da família aos amigos, passando pelos primeiros chefes, as pessoas que conheci desempenharam um papel enorme na formação do meu carácter, valores e hábitos. Sou quem sou, em parte, por causa delas.

Esses anos também plantaram três crenças fundamentais, mesmo que só as tenha conseguido articular muito mais tarde. Primeira: o acesso a oportunidades como a educação e o emprego pode despertar o nosso potencial. Segunda: a propensão para aprender novas competências em todas as fases da vida é um recurso inestimável. E terceira: cada um de nós tem dentro de si o poder de criar mudanças positivas nas nossas vidas.

Todos nós temos o «poder do eu» — a escolha de ativar os nossos talentos, sonhos e vontade. Não temos de aceitar o statu quo como um destino. Em vez disso, com este tipo de poder, podemos erguer-nos contra os obstáculos que enfrentamos com graça e coragem. É isso que espero que conclua da primeira parte.

Espero também que as páginas o inspirem a refletir sobre a forma como o seu passado moldou a forma como trabalha e lidera. Que momentos o comoveram? Que valores lhe ficaram gravados? Quem é que vê quando fecha os olhos?