Como mencionámos na Parte I, este foi um ano peculiar para o cinema, marcado por vários desafios, mas também por histórias que mexeram connosco – quer pelos seus aspetos técnicos, quer pelas personagens que nos prenderam ao ecrã. Se as posições 10 a 6 já incluíram alguns filmes que nos fizeram refletir, rir ou até chorar, os filmes que ocupam os primeiros lugares são aqueles que, para nós, definiram 2024 – tanto pela forma como foram recebidos como pelo impacto que tiveram.

Antes de avançarmos, lembramos que a nossa lista inclui apenas filmes que estrearam em Portugal em 2024, seja nos cinemas ou nas plataformas de streaming. Por isso, alguns dos títulos mais falados internacionalmente, como “Nosferatu”, “Brutalista” e “A Verdadeira Dor”, não constam desta lista (pelo menos, para já).

Posto isto, é altura de desvendar os cinco filmes que, na nossa opinião, merecem o lugar cimeiro deste ranking. Prontos para descobrir quem ocupa o topo?

5# - Juror #2 (já disponível na Max)

A maioria de nós imagina a reforma aos 60 anos, mas Clint Eastwood, prestes a completar 95 em maio de 2025, continua a desafiar as expectativas e a desconstruir a ideia de “abrandamento”. Com quase um século de vida, aplica a sua reconhecida eficiência como cineasta e, segundo vozes bem mais sábias do que nós nesta coisa dos filmes, tem aqui um dos seus melhores trabalhos dos últimos anos — que foi, no entanto, recambiado diretamente para o streaming.

Numa era dominada por sequelas e franquias moldadas para o sucesso de bilheteira, “Juror #2” segue exatamente na direção oposta. Este é um tributo aos dramas jurídicos de outros tempos, com uma abordagem clássica que recupera o charme, cada vez mais raro, das produções de médio orçamento dos anos 90. Contudo, não se trata de um simples apelo à nostalgia. É uma história inteligente e bem estruturada, onde o conflito interno da personagem principal, interpretada por Nicholas Hoult, e a sua culpa no banco do júri, se destacam tanto quanto a mestria do homem que está ao leme.

4# - “Tudo o que Imaginamos como Luz” (Cinema)

Estreado perto do final do ano, “Tudo o que Imaginamos como Luz” destacou-se como uma das produções mais elogiadas de 2024. No entanto, é também daqueles filmes que, provavelmente, se encaixa na categoria de “percebo o apelo e porque os críticos gostaram muito, só não é o meu estilo”. Um pouco como o primeiro episódio da 3.ª temporada de “The Bear”. Há quem o adore e há quem simplesmente reconheça o lado artístico e poético, mas sinta que “não é para mim”. Por aqui, acreditamos que “Tudo o que Imaginamos como Luz” se insere nessa categoria devido ao cunho único da sua realizadora, que combina géneros como documentário, narrativo e experimental, habitando na fronteira entre realidade e sonho.

Mas, afinal, o que nos conta “Tudo o que Imaginamos como Luz”? Passada em Bombaim, a história segue Prabha, uma enfermeira cuja rotina é abalada por um presente inesperado enviado pelo marido emigrado. Ao mesmo tempo, a sua colega de quarto, Anu, luta para encontrar um espaço na cidade onde possa estar com o namorado. O que se segue é um festim para os sentidos, explorando os desejos e a amizade destas duas mulheres num quotidiano marcado pela introspeção e pela cumplicidade feminina. Por outras palavras, e indo diretamente ao assunto: é um daqueles que vale a pena descobrir.

3# - “Dune: Parte Dois” (Max)

Com “Dune: Parte Dois”, Denis Villeneuve continua a saga de Paul Atreides (Timothée Chalamet) no enigmático e implacável planeta Arrakis. O filme é um verdadeiro espetáculo visual, com cenários deslumbrantes que nos transportam diretamente para as vastas dunas de especiaria e para o coração do deserto de Duna. O primeiro filme foi uma excelente introdução ao universo de Frank Herbert, mas neste segundo capítulo o par amoroso formado por Chalamet e Zendaya (no papel de Chani, filha de Liet-Kynes) eleva a narrativa a outro nível, explorando profundamente a complexidade da figura messiânica de Paul e os dilemas que ela envolve, tanto positivos como destrutivos. A banda sonora de Hans Zimmer complementa de forma impecável (mais uma vez) a atmosfera épica do filme, intensificando a emoção nos momentos cruciais, seja no monólogo de Atreides sobre o destino dos Fremen, seja na batalha final que antecede o confronto com Feyd-Rautha Harkonnen (Austin Butler).

Em termos de bilheteira, “Dune: Parte Dois” foi um sucesso esmagador, ultrapassando os 700 milhões de dólares em receitas globais e consolidando-se como um dos maiores êxitos de 2024. Para os fãs, é mais um passo no caminho de Muad’Dib rumo à profecia. Para nós, é um deslumbramento que nos faz lembrar uma tela a vibrar ao ritmo de um thumper. Aliás, não vale a pena repetir-nos. Basta ouvir ou voltar ao episódio do nosso podcast.

2# - “Anora” (Cinema)

O novo filme de Sean Baker é bem mais do que um simples conto de fadas moderno. Depois de “The Florida Project” e “Tangerine”, Baker traz-nos “Anora”, onde volta a contar uma história sobre pessoas que, mesmo nos piores momentos e tomando decisões duvidosas, nos fazem sentir uma proximidade inegável. Neste caso, a responsabilidade por isso recai inteiramente sobre Mikey Madison, a protagonista que dá vida à stripper que empresta o nome ao título do filme. Anora é uma personagem cheia de camadas, que Madison interpreta com uma subtileza tal que sentimos cada dúvida e cada escolha como se fossem nossas. Tanto que, quando não está em cena, sentimos a sua ausência. E vamos sentir também a sua falta se o nome de Madison não aparecer entre as nomeadas aos Óscares.

Mas o que torna “Anora” especial é a forma como equilibra tristeza e esperança (porque, basicamente, são dois filmes num só). Mesmo com um final que nos atinge como um murro no estômago, o filme deixa uma mensagem de resiliência. Baker tem o dom de tratar estas histórias com ternura e atenção ao detalhe, mostrando sempre o lado humano das suas personagens. E embora este filme não seja perfeito, nem necessariamente melhor do que “The Florida Project”, é uma daquelas experiências que nos tocam e mexem connosco. No fundo, é isso que queremos de um filme, não é? Algo que nos faça pensar e sentir. E, neste, sentimos muita coisa, com a adenda de que vamos torcer e fazer figas para que Anora, a nossa princesa deste “Pretty Woman” dos nossos tempos, consiga superar os pedregulhos que a vida insiste em atirar-lhe.

#1 - “Guerra Civil” (nas plataformas VOD - Vídeo On Demand)

Nas palavras do realizador Alex Garland, “Guerra Civil” é “uma carta de amor ao jornalismo e aos repórteres de guerra”. E como sublinha o The Guardian, é também um exercício intelectual: um olhar lúcido sobre os horrores da guerra e do trauma, onde os jornalistas assumem o papel de heróis desprovidos de sentimentalismo. Mas o impacto de “Guerra Civil” vai muito além do seu enredo plausível. É a sensação que nos acompanha ao sair da sala de cinema que nos levou a colocá-lo no topo da nossa lista: a intensidade, o realismo e a imersão quase insuportável de estar numa zona de guerra tornam este filme uma experiência impossível de esquecer.

O filme narra a história de um grupo de jornalistas numa missão perigosa – e possivelmente suicida – durante os últimos dias de uma guerra civil americana num futuro próximo. O que torna tudo tão desconcertante é o cenário desta jornada: explosões, pilhas de corpos, execuções a torto e a direito, e uma humanidade em colapso. A fotografia, simultaneamente deslumbrante e brutal, é a cereja no topo de um bolo técnico irrepreensível, colocando-nos diretamente no coração do caos. O “problema” é que tudo isto provoca uma sensação de desconforto que persiste muito depois de o filme terminar.

Garland opta por não explicar como a América chegou àquele estado ou como se formaram as alianças que vemos em confronto – e isso pode frustrar alguns. No entanto, a sua execução é tão poderosa que essas omissões parecem secundárias, especialmente face ao final arrebatador e ao impacto que deixa nas personagens que acompanhamos ao longo de quase duas horas.

Intenso, feroz, mas espetacular, “Guerra Civil” recusa ser esquecido e cimenta-se como uma das experiências mais marcantes do ano. Sim, tem as suas falhas, mas é inegável que nos faz sair da sala de cinema a ver o mundo com outros olhos. E, por isso, merece o lugar #1.