A conversa com Papillon na íntegra:

O rapper aceitou o nosso convite e à boleia de uma boa conversa partiu-se para uma viagem entre o passado e o presente, em que se fez uma introspeção da sua carreira e da evolução da sua metamorfose. Falou-se da origem do seu nome artístico, discutiu-se o nível de "drip" (uma evolução do swag, mais ligado ao estilo e aparência) em Mem Martins (Sintra) e até se levantou um pouco o véu da separação e emancipação dos GROGNation.

Rui Pereira, assim é o seu nome de nascimento, recordou ainda as batalhas de rimas na Liga Knockout ("só lá fui parar por causa do 9 Miller, antes não tinha qualquer incentivo extra"), abordou as suas maiores influências (nacionais e internacionais) e contou-nos o crescimento e dor presentes em "Jony Driver", o seu último disco, e as diferenças deste para "Deepak Looper", o antecessor e o seu álbum de estreia a solo.

Mas nem só de música se fez este episódio, que permitiu conhecer um lado mais íntimo do rapper ao falar-se dos temas mais diversos. Contou-nos a história por trás da canção "Corre. da Morte", deu a sua opinião sobre a cancel culture ou racismo, fez questão de salientar a importância que a educação incutida pelos pais tem na sua maneira de ver e viver o mundo. E mais: explicou a lesão que o afastou do sonho do futebol ou até o gosto que nutre por anime (e deu recomendações e tudo!).

A origem do Papillon

Importa esclarecer: o nome artístico não vem do filme de 1973 com Dustin Hoffman e Steve McQueen — nem que seja porque Rui Pereira ainda não o viu. Realmente tem a ver com a borboleta, sim, mas não está relacionado com a tatuagem de Henri Charrière. Assim como o nome não foi pensado pelo próprio. O Papillon nasce durante os tempos de formação dos GROGNation e foi sugerido (e a modos que atribuído) pelo amigo de infância, Harold Tembe.

"A minha primeira impressão foi: isto não tem nada a ver com um rapper. Há aquela ideia de o rapper ser durão, e Borboleta não tem nada a ver com a imagem que um rapper quer passar. [Ainda pensei], mas aceitei [a sugestão] no dia. Queria que significasse um pouco mais do que a ideia de durão. Aliás, queria que representasse o contrário, talvez o lado frágil", conta. "Na realidade, o que me levou a ficar com o nome foi a teoria de que o bater das asas da borboleta pode causar um tornado. Gosto dessa ideia, de uma coisa pequena dar origem a uma coisa grande", afirma.

GROGNation: The End ao fim de 10 anos

Como explica a bio oficial, os GROGNation são "um coletivo originário de Mem Martins" composto por Harold, Nastyfactor, Prizko, Nec, e, claro, o nosso convidado Papillon. É um grupo de hip hop que tem um estilo muito próprio, cuja irreverência e distinção levou a que colaborassem com nomes bem conhecidos como DJ Ride e Sam The Kid (este último, aliás, produziu muitos dos seus trabalhos).

No entanto, há uns meses o grupo anunciou que a jornada tinha chegado ao fim. A notícia deixou muita gente apanhada de surpresa (o EP "Anatomia de GROG" é de março de 2022), visto que, apesar das suas carreiras a solo, eram vistos como um dos projetos mais impactantes do hip hop nacional da atualidade. Posto isto, perguntamos se Papillon considerava que os GROGNation tiveram a atenção que mereciam.

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Partindo do "princípio básico" de "estou grato por tudo o que aconteceu", o rapper admite que o grupo se afastou da mesma forma que acontece num grupo de amigos comum. Com o passar dos anos, constituem-se famílias, conhecem-se novas pessoas, estabelecem-se novas dinâmicas e há um crescimento profissional a nível individual. E se num período em que tudo corre bem as "incompatibilidades se esquecem", quando as coisas correm menos bem, "isso já é muito mais palpável".

"Acho que a decisão [de chegar ao fim] foi tomada na ótica de preservar tudo o que fizemos de bom. Não houve bifes nem nada disso", conta, antes de adiantar que é um bocado "mais teimoso" do que os restantes membros do grupo e que a decisão ainda lhe custa. Por ele, tinha tentado "até não dar mais", mas nos GROGNation sempre primou a vontade coletiva em detrimento do desejo individual.

"Eu não queria. Todos os grupos têm as suas dinâmicas, não têm de terminar. A minha cena é essa. As coisas não têm de acabar. Eu não acabo com os meus irmãos — eu aqui nem queria meter essa pressão, mas eu não acabo com os irmãos. Estás a ter a tua fase, vais para a faculdade, vejo-te daqui a três anos, mas quando te voltar a ver somos irmãos à mesma", esclarece.

Influências & referências

Quem escutar o seu trabalho mais recente ("Jony Driver"), lançado no final do ano passado, vai reparar que algumas citações do ator galardoado Denzel Washington e do comediante Dave Chappelle fazem parte de algumas faixas. Papillon explica-nos o porquê: são "influências de formação". Pela maneira como conduziram as suas carreiras, pelo modo como otimizaram o seu percurso sem comprometer a sua integridade enquanto artistas.

Na música, também tem várias referências. Kanye West, Kendrick Lamar, Frank Ocean, Slow J, J. Cole ou Adele são outros artistas que admira e referências nas quais se inspira. Mas o trio predileto e que está num pedestal diferente é português e é composto por Valete, Sam the Kid e Boss AC.

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Quando perguntamos se sente que já está no seu patamar, Papillon ri. "Não, estou na escola com eles. Eles são os meus professores, estou a aprender com eles", explica.

Porque ser equivalente ou par de Valete? "Nem consigo conceber". Num futuro, com mais trabalho e já a passar a sua tocha a outra geração — como estão a fazer com ele —, talvez. Por agora, são apenas referências e professores.

No entanto, a sua maior referência é o pai, que faleceu antes de gravar "Jony Driver" — a quem, aliás, dedica o disco. Em que sentido? Em todos. "De ser humano, de educação, de tudo aquilo que eu sou, de todas as coisas boas que me chamam; veio daquele homem", conta. 

A importância da educação

Muito de "Jony Driver" tem que ver com a questão parental e da educação. Especialmente esta última, que Papillon sublinha ser "fundamental". A conversa começa por causa da canção "Corre. da Morte", na qual o rapper fala e dedica "ao Mister Bolota", polícia e ex-treinador de futebol, que o ajudou numa situação em que tinha sido falsamente acusado por outros polícias de, numa festa, ter assaltado e esfaqueado um jovem.

"A minha educação de alguma maneira salvou-me a vida, o facto de eu ser bem educado. As pessoas saberem que sou bem educado e [dizerem] não, nem faz sentido, ele é bom miúdo", conta.

Em "Corre. da Morte", quis mostrar o outro lado da história da violência policial e do racismo. Porque é como tudo na vida: há bons e maus polícias. E Papillon quis revelar que o Mister Bolota é um polícia bom. Ou seja, em vez de se focar somente naquilo que o grupo de polícias lhe fez, preferiu focar-se na boa ação do polícia e em contar como este o ajudou (que precisamente por ser polícia "sabia" e "tinha noção" que Papillon ia ser acusado de um crime que não cometeu) por acreditar na inocência. Lá está, a boa educação foi aqui um fator. 

"Eu digo isso no som. O meu pai educou-me de uma maneira em que a polícia é para mim aquilo que é para outro miúdo qualquer. Se apanhas o polícia num dia mau pode ser péssimo para ti. Isto é algo que fez parte da minha educação. Todo o trilho é este. É a educação. E é assim porque o meu pai me disse: se vierem falar contigo, fala desta maneira, faz as coisas desta maneira. Porque se és mal educado, se corres ou tens uma postura mais agressiva, isso pode ser motivo para que te façam mal", lembra.

Esta entrevista está disponível na íntegra no podcast Acho Que Vais Gostar Disto, disponível nas plataformas habituais.

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