Esta será a estreia de Pedro Pinho no Festival de Cinema de Cannes, no programa paralelo Quinzena dos Realizadores, que começa na quinta-feira. “A fábrica de nada” será exibido em estreia mundial, em Cannes, nos dias 25 e 26.
Pedro Pinho assina a realização, mas o filme de ficção foi construído em conjunto com Luísa Homem, Leonor Noivo, Tiago Hespanha, a partir de uma ideia de Jorge Silva Melo e da peça de teatro “A fábrica de nada”, de Judith Herzberg e por ele encenada.
O filme, interpretado por atores e não atores, segue a vida de um grupo de operários que tentam segurar os postos de trabalho, através de uma solução de auto-gestão coletiva, e evitar, assim, o encerramento de uma fábrica.
Pedro Pinho explicou que o filme não tem uma linha narrativa simples sobre os operários que veem a fábrica fechar. Houve uma intenção coletiva de criar várias camadas de leitura que dão outra profundidade ao filme e que espelham a realidade, a crise económica, o papel da Europa e a importância do trabalho.
“Essencialmente esta questão, esta espécie de perdição que todos sentimos ao longo destes anos em relação ao que se estava a passar no mundo, a incapacidade que tínhamos de encontrar um discurso válido para lidar com esta situação, alternativas, perspetivas, explicações, teorias. A partir desse sentimento de impotência de desnorte quisemos construir o filme”, explicou o realizador.
“A fábrica de nada” tem três horas, é uma ficção embebida na realidade e conta com um momento musical encenado e com um outro momento de reflexão, protagonizado por vários intelectuais em redor de uma mesa de jantar.
“O que eu acho que o filme conseguiu fazer foi reunir um conjunto de visões antagónicas e contraditórias sobre o que se está a passar, nas quais eu consigo rever-me, compreender e aceitar quase todas. Esse é que é o dilema deste momento, não se percebe bem qual é a saída, qual a chave de leitura para o que se está a passar. O filme tenta pôr em questão e abrir numa mesa, num ecrã, os vários caminhos, possibilidade de saída”, opinou o cineasta.
Pedro Pinho é realizador e cofundador da produtora Terratreme. Da filmografia fazem parte, por exemplo, o documentário “Bab Sebta”, correalizado com Frederico Lobo, e “Um fim do mundo”, primeira média-metragem de ficção.
Com a selecção para a Quinzena dos Realizadores, Pedro Pinho já conseguiu um distribuidor francês e outro internacional para “A fábrica de nada”. “Gerou-se um interesse generalizado à volta do filme fora de Portugal e para nós é ótimo”, disse.
Em Portugal, Pedro Pinho negoceia ainda uma hipótese de estreia e lamenta a existência de “um monopólio de exibição” e “muito poucas empresas de distribuição e exibição independentes”.
“Produzem-se muitos filmes de muito boa qualidade. A presença de filmes portugueses em festivais de primeira linha é completamente anormal. É incrível comparado com Espanha, por exemplo. Proporcionalmente há mais filmes portugueses em festivais, mas depois não circulam cá e isso é um drama”, disse.
Além disso, Pedro Pinho fala num momento difícil para se fazer cinema em Portugal, numa referência à “ausência de poder total” no Instituto do Cinema e do Audiovisual.
“Faz com que os júris estejam a ser manipulados e escolhidos pelos principais interessados na seleção de filmes. Vai começar a haver um afunilamento para filmes que tenham uma tendência para se dirigir ao mercado”.
A Quinzena de Realizadores começa na quinta-feira, um dia depois do arranque do Festival de Cinema de Cannes.
Além de “Fábrica de nada”, para a Quinzena de Realizadores foram selecionadas as curtas-metragens portuguesas “Farpões, baldios”, primeirra obra de Marta Mateus, e “Água mole”, animação de Laura Gonçalves e Xá.
Na Semana da Crítica, outro dos programas paralelos de Cannes, estará exibida a curta-metragem “Coelho mau”, de Carlos Conceição.
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