Chama-se Projeto Gemini, mas em nada se aproxima da exploração espacial da NASA nos anos 60. "Gemini Man" (em inglês) é uma longa-metragem de ação de Ang Lee, passada num futuro nada distante. O cineasta já arrecadou dois Óscares de Melhor Realizador com os filmes A Vida de Pi (2012) e O Segredo de Brokeback Mountain (2005), mas esta é a prova de que nem todos os tiros são certeiros. Ao contrário da missão da NASA, Projeto Gemini não transporta ninguém para as estrelas, se bem que a personagem principal, Henry Brogan (interpretado por Will Smith), trata de mandar várias pessoas para o céu (ou para o inferno) ao longo de quase duas horas.
Henry Brogan é uma metralhadora humana de elite com 51 anos, que trabalha para o Governo norte-americano e que todos dizem ser o melhor assassino contratado. No total, conta com 72 vítimas, entre as quais terroristas e grandes ameaças para a humanidade. Os anos passam, e está na altura de deixar de lado a carnificina, mas há vários fantasmas dos quais nem o melhor dos melhores consegue fugir.
Conseguimos prever o final de uma guerra em que as batalhas são contra nós próprios? Não, não se trata de um cliché básico que reflete uma crise interior de um homem de meia-idade. Ao descobrir algo que não devia, Henry Brogan é perseguido e atacado por alguém que consegue prever todos os seus movimentos, uma figura misteriosa que não é, nada mais, nada menos, do que um clone seu com 25 anos. Responsável pela cópia de Henry Brogan, Clay Verris, interpretado pelo britânico Clive Owen, trabalha no Governo norte-americano e é o vilão da história, responsável pelo secreto Projeto Gemini.
A grande estrela do filme é o ator Will Smith, que nos presenteia em dose dupla (enquanto Henry, o "original", e Junior, o clone) e com mais de 20 anos de diferença. Ao assassino de elite em fuga junta-se a agente secreta Danny Zakarweski (interpretada por Mary Elizabeth Winstead) e o amigo de longa data Baron (Benedict Wong).
Apesar dos avanços cinematográficos que o filme marca, os críticos não estão a ser particularmente fãs da obra de Ang Lee, e não é difícil perceber porquê. Das perseguições nas ruas de Cartagena aos confrontos num museu de Budapeste, a narrativa da longa-metragem é pouco mais do que uma compilação de tiroteios e lutas corpo a corpo que nos transporta um pouco por todo o mundo.
Muitos efeitos para um filme nada de especial
Corria o ano de 1997 quando surgiu a ideia inicial de Projeto Gemini. O original foi apresentado pelo argumentista Daren Lemke, mas a produção acabou por ser adiada tendo em conta a dimensão do desafio e a falta de desenvolvimento nas técnicas cinematográficas de rejuvenescimento. O filme passou por várias fases e esteve para ser feito por diferentes realizadores, como Tony Scott ou Curtis Hanson, por exemplo. Ao longo de mais de duas décadas, houve várias propostas para interpretar a personagem principal, Henry Brogan. Hipóteses como Harrison Ford, Mel Gibson, Clint Eastwood e Sean Connery estiveram em cima da mesa, mas acabou por ser o norte-americano Will Smith - que ganhou popularidade com a série de televisão The Fresh Prince of Bel-Air - a abraçar o desafio. A escolha foi feita em 2017, ano em que o realizador Ang Lee pegou no projeto.
Agora, em 2019, pelas mãos da produtora Paramount, Projeto Gemini chega às salas de cinema de todo o mundo, tudo graças aos avanços tecnológicos que tornaram a produção mais credível e fiel à ideia do argumento. Não foi tarefa fácil, mas o casamento entre cinema e tecnologia permitiu fazer um filme com várias cenas em que Will Smith com 51 anos e Will Smith com 25 aparecem na mesma cena e lutam um contra o outro e que marca uma nova era no mundo do cinema.
O filme foi gravado em 120 fps (frames por segundo), o que permite uma dinâmica completamente diferente nas cenas de ação. Mais detalhes e uma melhor qualidade fazem os 22 anos de espera valerem visualmente a pena, ainda que algumas cenas estejam longe do credível. É certo que o objetivo é transparecer as capacidades físicas quase desumanas de um alguém que esteve nos Marines [Fuzileiros] e foi treinado para ser uma máquina mortífera. Mas várias vezes damos por nós a pensar se estaremos a ver um filme de Ang Lee com um assassino de elite em ação ou a mais recente live action do Action Man.
Saltos arrepiantes, murros e costelas partidas à parte, a verdade é que, se por um lado, os efeitos especiais e a ação são o ponto forte de filme, o desenvolvimento da história fica muito aquém das expectativas. Os diálogos são simplórios e pouco aprofundados, e há várias pontas soltas no enredo. Apesar de ser visualmente interessante, a longa-metragem não cativa o espetador com uma história-base aprofundada. As próprias personagens tornam-se ligeiramente vazias e não fazem muito mais do que matar ou tentar não morrer.
O filme tem exibição em 3D, mas isso de pouco ou nada vale. O principal objetivo seria fazer com que a experiência do espetador fosse mais imersiva, como se, por exemplo, estivéssemos todos no meio das perseguições frenéticas. De facto, de vez em quando há uma explosão ou uma bala que parece mesmo que vem quase na nossa direção, mas, vindo de alguém que não é particularmente fã do cinema a 3D, na maior parte do tempo do filme os óculos servem para pouco mais do que acessório - e, provavelmente, a versão normal (2D) passará exatamente a mesma mensagem.
Um cenário que não está assim tão longe
Aquilo que une Projeto Gemini à realidade é muito mais do que aquilo que o separa - e não se trata só da idade de Henry Brogan, a personagem principal de Will Smith, que é exatamente a mesma do que a do ator (51 anos). Há algumas referências históricas no filme, nomeadamente no que diz respeito aos primórdios da clonagem.
Se costuma haver a dúvida sobre quem veio primeiro, a galinha ou o ovo, na longa-metragem de Ang Lee é feita a referência de que Junior (o clone de Henry) foi criado um ano antes da ovelha Dolly, o primeiro mamífero a ser clonado em 1996. No mundo real, a ciência evoluiu, mas, ao contrário do que acontece no filme, ainda não há conhecimento público de um exército de snipers quase perfeitos que estejam a ser treinados para ser máquinas de guerra.
Ainda assim, se há algum tema relevante na longa-metragem de Ang Lee, e que pode suscitar algum tipo de discussão, esse aparece quando se põe a clonagem numa perspetiva mais prática. Se criar cópias idênticas ou versões melhoradas de humanos fosse parte da nossa realidade, qual seria o melhor uso deste avanço científico? Quem seriam as pessoas certas ou erradas para clonar?
Há uma frase de Henry Brogan durante o filme, que também aparece no trailer, que é particularmente curiosa. “If they could clone a person, they could’ve cloned Nelson Mandela” (“Se podiam clonar uma pessoa deviam ter clonado Nelson Mandela”, numa tradução livre para português). E a verdade é que, se os argumentistas tivessem tomado a decisão de clonar o ex-Presidente da África do Sul, o filme, muito provavelmente, teria sido mais interessante.
Suposições à parte, chegamos à conclusão de que o filme Projeto Gemini é um marco de grandes avanços tecnológicos e cinematográficos, mas dá-nos pouco mais do que umas cenas de ação e uma volta ao mundo em 80 mil tiros (mais coisa menos coisa). É um grande avanço para o cinema de ação e ficção científica, mas foram dados poucos passos para chegar a uma boa história.
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