Em Espinho a participar no FEST – Festival Novos Realizadores Novo Cinema, o cineasta de 46 anos, autor dos premiados "Uma Separação" (2012) e "O Vendedor" (2016), ambos galardoados com Óscares de Melhor Filme Estrangeiro, tem estado a apresentar o novo filme, “Todos lo saben”, com Penélope Cruz, Ricardo Darín e Javier Bardém a liderar o elenco.
Segundo Farhadi, que esteve em Espanha 13 meses para rodar o novo filme, além de várias viagens, há um “tabu” sobre “quando um realizador vai trabalhar com outras culturas e outras línguas”, mas quis desafiar-se e “testar o gosto e as capacidades”.
Começar a trabalhar noutra cultura “foi difícil, no início”, mas o amor por Espanha e “a espera pela oportunidade de ir e conhecer as pessoas e a cultura” acabaram por resolver as dificuldades que foram surgindo.
“Ao início é muito difícil. Não é a tua língua, a tua cultura, mas depois, ao conectar-me com as pessoas, ao trabalhar com a minha equipa e a andar pela cidade, percebi que este foi um desafio, mas não um grande problema, a linguagem e a cultura são um desafio e não um problema”, acrescentou.
As diferenças culturais e semelhanças entre povos são, considerou, propagadas pelos ‘media’ e “fomentam diferenças entre culturas”, porque não se sentem no que é “a conexão entre as pessoas, quando se estão a conhecer”.
“Imaginamos as pessoas por todo o mundo como todas diferentes, mas, ao estares com elas, percebes que são muito parecidas. O movimento, muito importante no cinema, é o mesmo em todo o lado”, acrescentou.
O sentimento entre “um casal, mãe e filho, sentir amor ou sentir ódio, é o mesmo em todo o lado, mas a forma de o expressar é diferente”, e Farhadi encontrou, até, semelhanças entre Espanha e Irão, “em coisas como o respeito pela família, a música ou a comida”, o que o deixou “confortável” para trabalhar uma cultura que abraçou.
“Como iraniano, vir do Oriente para o Ocidente fazer um filme é sempre um teste. Mas estou muito feliz. Em Cannes, os espanhóis presentes aceitaram-no e identificaram-se”, revelou.
Quando um filme aborda um grupo de pessoas ou “a sociedade”, algo recorrente nas obras de Farhadi, que confrontam recorrentemente pessoas com mal-entendidos de comunicação, dificuldades ou situações inesperadas para os fazer confrontar com a sua própria humanidade ou as relações interpessoais, isso leva sempre a “uma imagem de aspeto político por detrás”.
O principal objetivo que tem ao filmar é fazer pensar, permitir que a plateia leve “algo para pensar, um sentimento que fica para a vida toda”, e não filmar com o objetivo de usar a arte como arma política.
O realizador considerou que existe pressão sobre realizadores do Médio Oriente para fazer filmes com teor político, e que essa pressão pode ser “muito irritante”, uma vez que a arte toma parte secundária no apelo do objeto em si.
“Em Espanha, ou aqui, não tanto, mas em países como a França, os países escandinavos ou os Estados Unidos, quando um cineasta é do Médio Oriente, procuram alguém que faça filmes para lhes dar informações. Mas eu faço filmes porque amo cinema. Para informação podes usar o Google. É muito irritante”, resumiu.
Por outro lado, a informação que procuram é uma que “confirme a informação que recebem dos ‘media’”, disse Farhadi, apontando o dedo ao “cliché” sobre a região, que leva a que críticos e público “pensem que têm de se informar sobre o país” ou a região.
“Quando faço um filme no meu país, nos festivais, pedem-me muito para falar do meu país, o que é aborrecido. Agora, com ‘Todos lo Saben’, toda a gente falou comigo sobre cinema, e é isso que quero”, acrescentou.
Farhadi apontou ainda o dedo ao efeito que os meios de comunicação em massa e de comunicação social podem ter na transmissão de ideias que “criam medo”, ao abordar “as diferenças entre culturas em vez das semelhanças”, o que leva à criação de estereótipos e a um aumento do receio de outros povos.
“A arte pode falar de semelhanças, enquanto a política e os ‘media’ falam de diferenças. (...) Se crias inimigos, é assim que ficas com o Trump. Ele quer poder dizer ‘eu estou aqui e defendo-vos, porque estão ali os outros para atacar’”, referiu.
Questionado sobre se marcaria presença na cerimónia dos Óscares em caso de nova nomeação, desta feita para “Todos lo Saben”, que abriu a mais recente edição do festival de Cannes, Farhadi diz ainda não ter tomado uma decisão.
Em 2016, o iraniano recusou-se a comparecer na 89.ª gala da Academia de Hollywood, para receber o seu segundo Óscar, devido ao então recente anúncio de uma ordem executiva por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que visava impedir a entrada de cidadãos de países do Médio Oriente, entre os quais o Irão, medida entretanto revogada e substituída pela administração norte-americana.
“Não pensei muito nisso, mas acho que depende do que estiver a acontecer lá. Este tipo [Donald Trump] muda de ideias muitas vezes. A todo o segundo, ele faz qualquer coisa”, atirou.
Sobre a censura de que é alvo o cinema iraniano, o realizador destacou a ironia de o corpo governamental designado para aprovar filmes incluir “realizadores que trabalham em cinema, alguns bons realizadores”, e confessou que já se sentiu afetado, “até por auto censura, o que é uma questão importante”. Mas o Irão ainda consegue produzir “muitos bons filmes por ano”, sublinhou.
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