Com Portugal como convidado de honra, a Feira do Livro de Guadalajara arrancou com muita pompa e circunstância, com vários discursos políticos sobre a importância do livro e da cultura, sobre o valor económico da língua portuguesa e os milhões de falantes no mundo.
Na abertura, nomeando Luís Vaz de Camões, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes e José Saramago, o presidente da feira, Raúl Padilla López, resumia essa ligação cultural entre México e Portugal: “Obrigada por escreverem um poema connosco”.
Já nos concorridos encontros com os leitores mexicanos, no pequeno auditório do Pavilhão de Portugal, Gonçalo M. Tavares e Ricardo Araújo Pereira fizeram essa aproximação cultural optando por falar quase sempre em espanhol, num esforço de entendimento com a audiência.
“Porque é que escreve?”, perguntou um leitor a Gonçalo M. Tavares, que tem várias obras editadas no México. “Se não escrevo fico muito irritado, como se estivesse esfomeado. Escrevo para não estar só. Exijo ter quatro horas só para mim para escrever”, respondeu.
Prolífico autor, que terá várias obras a apresentar em Guadalajara, Gonçalo M. Tavares admitiu que sente alguma tranquilidade em relação à escrita, porque tem “muitos, muitos livros” que ainda não editou.
Numa outra sessão no primeiro dia da feira, e aproveitando-se do título de um romance de Nuno Bragança — “A noite e o riso” — o humorista e autor Ricardo Araújo Pereira quase foi às lágrimas para explicar a matéria pela qual é conhecido.
“O sentido de humor é uma estratégia para lidar com a dureza das coisas. Eu refugio-me cobardemente nesse truque. É para isso que serve o riso, para lidar com as coisas más”, como a morte, disse.
A 32ª. edição da Feira do Livro de Guadalajara, que apresenta um programa com centenas de atividades, contará com mais de 20 mil profissionais ligados ao setor do livro. A cobertura noticiosa é feita por cerca de três mil jornalistas.
Da programação deste primeiro dia sobressaíram ainda a poeta uruguaia Ida Vitale, de 96 anos, distinguida com o prémio máximo da feira e recebida com um entusiasmo efusivo e dois prémios Nobel da Literatura: o turco Orhan Pamuk e, numa evocação, o português José Saramago.
Num encontro com jornalistas, Orhan Pamuk — que está em Guadalajara à boleia do romance “A mulher de cabelo ruivo” — citou Juan Rulfo e Jorge Luis Borges como referências literárias e acrescentou-lhes o apreço pela obra de José Saramago, em particular pela “atmosfera europeia” do romance “O ano da morte de Ricardo Reis”.
Pamuk, que vê o processo de escrita como se fosse um jogo com dez mil níveis para ultrapassar, não se esquivou a falar dos fluxos migratórios na Europa, África e na América Latina, apelando à tolerância e ao respeito pelos migrantes, e da “espécie de democracia” que se vive na Turquia, onde “não há liberdade de expressão e onde só os jornalistas corajosos se atrevem a falar”.
Vinte anos depois de ter recebido o Nobel da Literatura, José Saramago voltou a ser falado na Feira de Guadalajara num debate com Pilar del Río, companheira e tradutora, de Marisol Schulz, diretora da feira e antiga editora de Saramago no México, e pelos escritores Sealtiel Alatriste e Hermann Bellinghausen.
O primeiro dia da feira terminou com um concerto da cantora portuguesa Ana Bacalhau, num ciclo de atuações diárias programadas por Portugal. Nos dias seguintes atuarão, entre outros, Capicua, com Sara Tavares e Eva Rap Diva, os Moonspell, Camané e os Dead Combo.
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