Frente-a-frente estão Mariana Cabral, a anfitriã do RESET, e Salvador Sobral. No fim da conversa, Mariana diz: “Gostei imenso das tuas histórias todas, mas, se eu tivesse de resumir, não sei”. (Valha-nos este artigo de resumo.) O entrevistado tem desculpa, confessa ser meio “aluado” e dar muitas voltas para contar coisas simples. No início, disse estar com “um bocadinho de medo”, ou não fosse o objetivo deste podcast falar de fracasso. Mas fez o trabalho de casa e escreveu na agenda uma série de falhanços para partilhar.
Comecemos pelo amor, que Salvador Sobral sente até às entranhas. Da rapariga a quem deu o primeiro beijo no Algarve e que o deixou pendurado no Jardim da Estrela, à nega de Carolina Deslandes enquanto colegas de liceu, sem esquecer a namorada da Califórnia que o fez voltar para casa sozinho a pé à noite. “Eu sofria muito de amor desde criança”, diz ele, na mesma conversa que recorda a improviso de resolver problemas de última hora no dia do próprio casamento, porque nem no clímax de uma história de romance a sorte podia ser certeira e descomplicada.
O casamento, com aquela que é a sua namorada, mas que não sabe bem se é sua mulher, era, também ele, forma de “celebrar a vida”, por ter acontecido depois do transplante de coração do músico. Um coração que - usemos o eufemismo com a mesma leveza com que foi feita a conversa - o obrigou a estar isolado num quarto de hospital durante o aniversário, o Natal e o Ano Novo a comer refeições insípidas enquanto via Fugiram de Casa de Seus Pais. Hoje, com um órgão novo, Salvador Sobral até já consegue jogar à bola, depois de ter passado “anos sem conseguir subir escadas”.
E que enorme coração, em tamanho, diziam os médicos, e em capacidade de “Amar Pelos Dois”. A associação da letra do tema vencedor da Eurovisão de 2017 à doença pela qual passou Salvador Sobral é comum e chegou até a ser alvo de várias piadas pela internet fora. Mas na altura da atuação onde um foco de luz foi quanto bastou para iluminar os trejeitos das mãos e do rosto de um intérprete irrepreensível, Salvador Sobral estava numa das fases mais críticas do seu problema de saúde. À época, ganhar o concurso “foi a coisa mais avassaladora do mundo, juntamente com a doença”. Na chegada ao aeroporto de Lisboa, a euforia do público recebia alguém que, do dia para a noite, se tinha tornado numa espécie de herói nacional, mas que sentia uma apatia plena e tinha a sensação de que o público gostava de si não pela música, “mas por carneirada”.
Depois, seguiu-se o período de maior vulnerabilidade, onde a coscuvilhice dos paparazzis quase arrombava as portas do hospital pela “fome do sangue e da desgraça alheia”. Doente ou não, com isto nunca lidou bem Salvador Sobral. Não suporta a expressão “figura pública”, até porque considera o seu “eu privado”. “A música que eu faço é que é pública”, remata, música que interpreta com uma facilidade quase despreocupada, mas que compõe matematicamente, quando as ideias causam insónias e o obrigam a escrever tudo de uma vez, num processo que confessa ser “racional” e sem rasgos de inspiração. O trabalho é engenhoso e delicado, por isso é desconcertante dar entrevistas a quem não sabe disfarçar o facto de não ter ouvido o seu disco, conta o músico.
Estudante de psicologia, Salvador Sobral considera-se “viciado em pessoas”. Durante o curso que nunca chegou a acabar, fez Erasmus em Maiorca, onde a única cadeira que concluiu foi Psicologia da Arte, porque cantou Blowin’ in The Wind, de Bob Dylan. Nos palcos desde cedo, está habituado ao calor humano. Tentou fazer uma espécie de exercício da solidão numa estada na Suécia, mas fez amigos logo na viagem do aeroporto à cidade. Talvez por ter estado tanto tempo isolado, não gosta de estar sozinho.
Nota importante:
Salvador Sobral foi o quinto de oito convidados, um por cada episódio da primeira temporada do RESET, cujos episódios estão disponíveis em formato de áudio no Spotify e em vídeo no canal de Youtube, onde poderá ver também as entrevistas a Ricardo Araújo Pereira, Carolina Deslandes, Rui Maria Pêgo e Gisela João. O próximo convidado, como sempre, é surpresa.
De destacar ainda que este podcast têm também um objetivo solidário, uma vez que a Delta Q doa 500 euros a cada uma das causas escolhidas pelos entrevistados. Salvador Sobral escolheu a Associação Coragem, que apoia crianças que sofrem, tal como o músico, de problemas de coração.
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