Porque estão as revistas de economia interessadas na transfusão de sangue? Apesar do potencial económico deste novo negócio, a razão deve-se às declarações de Peter Thiel sobre uma técnica que tem mais de 150 anos. O bilionário que ditou, na semana que passou, o fim do site Gawke, e que lidera vários investimentos no sector da tecnologia, tem aplicado "milhões de dólares em startups que trabalham em medicina anti-envelhecimento", segundo a revista Inc., mas o que o cativa actualmente é a introdução do sangue de jovens nas veias dos idosos, através de um processo denominado de parabiose.
Esta ideia de "fonte da juventude" é uma técnica com mais de 150 anos, teve interessados na Rússia e na Europa no século passado, foi praticamente abandonada nos anos 70 mas, mais recentemente, ressurgiu na Califórnia, na China ou na Coreia do Sul.
Uma das empresas envolvidas nestes testes é a Ambrosia, com os pacientes acima de 35 anos a terem de pagar 8000 dólares para conseguirem acesso a sangue de menores entre os 16 e os 25 anos. Na explicação dos testes, que devem estar terminados em Julho de 2018, a empresa afirma querer 600 interessados.
Liderada pelo médico Jesse Karmazin, este afirma que "os mecanismos em jogo não são totalmente percebidos" mas "o sangue dos organismos jovens não apenas contém todos os tipos de proteínas que melhoram a função celular como, de alguma forma, também induz o corpo dos recipientes a aumentar a sua produção dessas proteínas", com efeitos alegadamente permanentes.
Thiel contactou directamente a Ambrosia, através do seu "director pessoal de saúde" (e também de "outros proeminentes líderes de negócio e investidores de Silicon Valley") Jason Camm, que é igualmente o responsável do sector médico da Thiel Capital. O empresário explicou estar interessado na parabiose mais como um tratamento pessoal do que como uma oportunidade de negócio, salientando que o tratamento nem sequer precisa de ser autorizado por entidades como a Food and Drug Administration (FDA) por se tratarem "apenas de transfusões de sangue".
No entanto, e como o sangue humano não está disponível facilmente, é a FDA quem "regula a recolha e fabrico de sangue e de componentes de sangue", no sentido de garantir a sua segurança. As empresas também podem ter alguma dificuldade em obtê-lo de bancos de sangue não-lucrativos. Karmazin concorda e nota que "o plasma é relativamente abundante e tem uma duração de dois anos". Mas existe o potencial para um mercado paralelo ou mesmo ilegal de venda de sangue jovem.
Interesse milionário
No ano passado, a revista Forbes também analisou esta técnica, lembrando a incerteza de saber se ela prolonga a vida, desde que um estudo na Universidade da Califórnia, em 1972, com ratos em laboratório, lhes permitiu viver mais quatro a cinco meses relativamente a um grupo de controlo, que não receberam quaisquer transfusões. Aparentemente, os efeitos funcionam para neurónios, músculos, ossos e células nervosas.
Outra empresa, a Alkahest, acredita que o tratamento possa ser eficaz em doenças como a demência. Fundada por Tony Wyss-Coray e Karoly Nikolich, este responsável da empresa explicou à revista científica Nature, em Janeiro do ano passado, entender "os problemas de segurança, mas enfatiza que milhões de transfusões de sangue e plasma [já] foram efectuadas de forma segura em humanos".
Wyss-Coray explica que não é necessário mudar todo o sangue para aumentar níveis de aprendizagem e da memória. Este investigador interessou-se pelo assunto em Agosto de 2008, após ouvir o seu estudante Saul Villeda a falar em público sobre estudos efectuados na transfusão de sangue jovem de ratos para outros mais idosos, segundo o The Guardian.
Entre céptico e admirado, Wyss-Coray percebeu que podia ser algo "surpreendente". "Não acreditámos que isto funcionava", tal como sucedeu com revistas científicas a quem apresentaram o estudo, depois repetido durante um ano "num outro local, com diferentes equipa, instrumentos e ferramentas" para validar as conclusões. Os resultados foram semelhantes. Agora, "estou convencido que funciona", disse Wyss-Coray à Nature.
A investigação de Villeda apenas foi publicada em 2011 mas, no ano seguinte, a Nature rejeitou o estudo. Este acabou por ser aceite pela publicação Nature Medicine em Maio de 2014.
O trabalho chamou a atenção de vários milionários, incluindo da família do falecido chinês Chen Din-hwa. A sua família, com um historial de doença de Alzheimer, teve reuniões com Nikolich sobre o trabalho de Wyss-Coray e acabou a financiar a Alkahest, cujos testes com a Universidade de Stanford, iniciados em Setembro de 2014 em 18 pessoas com demência, devem ter resultados conhecidos nos próximos meses.
Wyss-Coray, que começou por estudar a demência relacionada com o HIV e depois com o Alzheimer (tendo criado a empresa Satoris para comercializar a investigação sobre a detecção precoce nesta última doença), assume que não faz transfusões de sangue jovem em si próprio.
John Hardy, investigador da doença de Alzheimer no University College de Londres, considera o trabalho de Wyss-Coray "interessante", mas é igualmente cauteloso, por outra razão: o plasma pode funcionar em ratos mas não em humanos, que "vivem mais tempo e em ambientes mais variados".
De fonte da juventude a marmelada de sangue
A aposta de Wyss-Coray na parabiose parece ser relativamente simples: "quando nascemos, o nosso sangue está repleto de proteínas que ajudam os tecidos a crescer e a curarem-se. Na idade adulta, os níveis dessas proteínas diminui. Os tecidos que as segregam podem produzir menos, porque envelhecem e se desgastam, ou os níveis podem ser suprimidos por um programa genético activo. De qualquer forma, dado que estas proteínas pró-juventude desaparecem do sangue, os tecidos no corpo começam a deteriorar-se. O corpo responde libertando proteínas pró-inflamatórias, que se acumulam no sangue, causando a inflamação crónica que danifica as células e acelera o envelhecimento". Assim, ao agir junto de um orgão, como o cérebro, percebe-se que este não está petrificado, mas é "maleável" ao longo da idade.
É assim que o conceito da parabiose parece fazer sentido, há séculos.
Em 1615, o alemão Andreas Libavius propôs ligar as artérias sanguíneas de velhos e novos para gerar uma "fonte da juventude". Em 1668, o viajante inglês Edward Browne assistiu em Viena (Áustria) a uma execução capital de um criminoso e, para seu espanto, um homem dirigiu-se ao executado com um recipiente, recolheu o sangue que lhe saía do pescoço decapitado e depois bebeu-o, contava a The Daily Beast.
Browne não se mostrou espantado, até porque aparentemente já ouvira falar do mesmo na Alemanha, como prática entre os mais pobres, sem dinheiro para pagarem a médicos.
Robert Boyle, um dos fundadores da Royal Society, criada em Londres em 1660, registou uma lista de projectos científicos a efectuar, sendo um deles "o prolongamento da vida" que, esperava ele, passava "pela substituição de velho sangue por novo", diz o The Guardian. "Sem conhecimento de grupos sanguíneos ou factores de coagulação, as experiências iniciais de transfusão foram mortais", sendo banidas em França e depois em Inglaterra, a que se seguiu uma decisão papal no mesmo sentido em 1679 - ano em que um texto de um farmacêutico franciscano já "providenciava instruções para fazer marmelada de sangue".
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A parabiose, na sua forma mais moderna, iniciou-se em 1864 pelo francês Paul Bert, quando despelou dois ratos para criar um sistema circulatório conjunto, constatando que o sangue circulava realmente entre os dois animais, recorda a Nature. O trabalho científico de Bert pode ter estado na origem do livro "A Ilha do Dr. Moreau", de H. G. Wells, publicado em 1896 e onde se referem experiências científicas de fusão entre diversas criaturas.
O interesse na técnica chegou à Rússia, onde Alexander Bogdanov, "o pioneiro esquecido da transfusão de sangue", criou em 1926 um instituto para demonstrar como essa transfusão podia ser uma terapia e um "estimulante corporal". No caso dele, acabou por morrer após receber uma transfusão de um estudante que tinha sangue com vestígios de tuberculose e malária.
Três décadas depois, Clive McCay, gerontólogo na Universidade de Cornell em Nova Iorque (EUA), aplicou a técnica ao estudo do envelhecimento em ratos. Deste teste, em 1956, alguns morreram e deram origem à chamada doença parabiótica. Seguiu-se o estudo em 1972, na Universidade da Califórnia, que "sugeriu pela primeira vez que a circulação de sangue jovem pode afectar a longevidade".
Após um período de aparente desinteresse, uma investigação revelada em 2005 por Thomas Rando, do Stanford Center on Longevity, tentou dissipar a dúvida sobre a razão porque os tecidos num corpo envelhecem em simultâneo. A parabiose funcionou e alguns ratos mais velhos conseguiram melhorias ao nível dos músculos, fígado e células cerebrais. Wyss-Coray trabalhava então com Rando, após ser contratado por este em 2002.
Em 2014, a investigadora Amy Wagers, do Harvard Stem Cell Institute, registou que o sangue de ratos novos melhorava os músculos, coração e funções cerebrais em ratos mais velhos, dinamizando um novo interesse na parabiose, dizia a Technology Review, salientando que investigadores da farmacêutica Novartis tinham "contestado" o estudo de Wagers, seguindo-se outras contestações por parte de cientistas da GlaxoSmithKline ou da Five Prime Therapeutics. No entanto, para a revista, a investigação de Wagers "sugere que há algo no sangue jovem a promover o rejuvenescimento".
Desconfortável, demorada mas com demografia a favor
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Na entrevista à Inc., Thiel reconhece o "desconforto" por esta prática na sociedade actual, mas há pressões demográficas que podem alterar o panorama. "Em 2030, 56 países terão mais pessoas com ou acima dos 65 anos do que menores de 15 anos", antecipa um ex-responsável de demografia das Nações Unidas. E "em 2050, dois mil milhões de pessoas terão 60 ou mais anos, quase duplicando o número actual", segundo o The Guardian.
Para Rando, a técnica não visa prolongar a existência de uma pessoa, mas proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida. A Nature apontava no mesmo sentido, em Janeiro de 2015, dizendo que, "por enquanto, quaisquer alegações de que sangue jovem ou plasma vão prolongar a vida são falsas: os dados simplesmente não existem", com qualquer experiência a ter de demorar mais de seis anos - o tempo dos ratos envelhecerem, morrerem e os dados serem analisados e publicados.
Mesmo o objectivo da Alkahest – "identificar as proteínas principais no plasma que rejuvenescem ou envelhecem os tecidos humanos", para depois criar um produto substituto - só deve estar concluído entre "10 a 15 anos", diz o The Guardian.
Perante a criação de empresas a oferecerem este tipo de serviços antes da investigação estar totalmente considerada segura, Sergio Della Sala, da Universidade de Edimburgo, clarifica a situação: "a ciência deve entender primeiro e depois vender", e não o inverso.
David Glass, director executivo da investigação de envelhecimento na Novartis, considera que os pacientes da Ambrosia não vão ter qualquer grupo de controlo, pelo que "será impossível decifrar quaisquer benefícios".
No início de Agosto, também a revista científica Science questionou os testes da Ambrosia, nomeadamente por se tratar de uma investigação em que 600 participantes pagam do seu bolso 8.000 dólares, um tipo de ligação entre resultados científicos e dinheiro "que tem levantado preocupações éticas".
Karmazin assegura estar a cumprir todas as regras éticas, mas um crítico especial declara "não existir qualquer prova clínica" do tratamento poder ser ou não benéfico, e que se "está a abusar da crença das pessoas e da excitação pública" sobre esta técnica. Esse crítico é Wyss-Coray.
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