Mas comecemos pelo início. Mark vive assombrado pela dor provocada pela morte da mulher e o esquecimento parece ser o único apaziguador para o negrume enviuvado que lhe entorpe a alma. Acontece, pois, que é neste despojo emocional que decide ir trabalhar para uma empresa misteriosa chamada "Lumon". E por misteriosa, entenda-se que faz uma intervenção cerebral aos seus funcionários chamada "severance", que literalmente separa os seus egos pessoais dos profissionais.
O que significa isto? Significa que enquanto estão no trabalho não se lembram de quem são ou do que fazem no "mundo cá fora". E quando estão em casa, não fazem a mínima ideia do que fizeram durante as oito horas anteriores. No fundo, sabem singelamente para quem trabalham, onde fica o parque de estacionamento do seu emprego, mas é só. Tudo o resto? Fica nos segredos do patrão. Amizades, colegas de trabalho, relações? É para esquecer – literalmente. Exatamente aquilo que Mark pretende. (Ou será que não?)
É também sem grande surpresa que "Severance" é comparada a "The Office". Afinal, a ação decorre em torno de cubículos e tem como pano de fundo os meandros do trabalho rotineiro daqueles que alimentam grandes corporações. Porém, para lá da superfície, é muito mais "Brazil", "The Matrix" ou ainda "The Truman Show" — em que as firmas empregadoras escondem segredos tenebrosos e as mais altas questões éticas e morais se levantam.
Com Ben Stiller a realizar a maioria dos episódios e a conseguir de forma muito sólida tocar no charco emocional que é a ligação entre indivíduos, "Severance" é muito mais do que uma mera série sobre a discussão vivida em torno da dicotomia "trabalho-vida pessoal". Extrapola muito essa barreira, pois abraça as várias camadas da extensa conversa que o livre-arbítrio implica por si só e aquilo que, enfim, faz de nós, nós: a memória e as vivências. E tudo o que elas implicam e nos tornam especiais. Ou seja, humanos.
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