Sendo apreciadora da teatralidade, Tella era a última pessoa a acusar alguém de estar a exagerar. Mas sentia que a sua irmã estava a aproximar-se desse ponto.
Esta era a primeira Grande Festa de Scarlett como imperatriz, e ela tinha começado os preparativos no início da Estação Fria.
Tudo começara quando dera ao seu palácio o novo nome de Castelo do Quebra-Nozes. Depois, mudara também os nomes de tudo o que estava no interior do castelo.
Era suposto os nomes relacionados com as festividades serem apenas temporários. Mas Tella teve dúvidas de que assim fosse quando chegou às duas portas duplas vermelhas que a levariam aos jardins reais.
Dois guardas, com uniformes festivos tão brilhantes como maçãs vermelhas caramelizadas, endireitaram-se um pouco mais quando ela se aproximou e abriram rapidamente as portas.
Lá fora, nos jardins do palácio, os flocos de neve não eram encantados. Não pararam antes de tocarem nos cabelos de Tella e de lhe humedecerem os ombros do manto azul-invernal.
Tinham-lhe dito que não nevava muito em Valenda; no entanto, a neve parecia não parar nas últimas duas semanas. Continuava a cair silenciosamente quando Tella passou por uma fileira de esculturas de gelo cintilantes.
Havia bailarinas congeladas com saias de flocos de neve. Árvores de gelo esculpidas e cheias de ornamentos cobertos de geada. Um conjunto de fofos coelhinhos da sorte com coroas congeladas. Um deslumbrante par de cavalos presos a um trenó de joias conduzido por um boneco de neve. Depois, havia o enorme relógio festivo, que parecia estar a fazer tiquetaque, contando os minutos até à noite do dia seguinte.
Nervosa, Tella tremia enquanto subia apressadamente os degraus para passar pela última escultura ao ar livre: uma estátua cintilante da Rainha Alegre, a Monarca da Grande Festa.
A Rainha Alegre tinha um manto de estrelas, uma coroa de raios de sol e a sua varinha dos desejos na mão, que parecia estar a meio do gesto de sacudir, apesar de constar que a verdadeira Rainha Alegre só agitava a sua varinha uma vez, exatamente à meia-noite da véspera da Grande Festa.
A história dizia que quem tivesse um coração puro e pedisse um desejo no momento exato em que a Rainha Alegre agitava a varinha veria o seu desejo realizado.
Nenhum desejo de Tella se realizara, mas isso não a incomodava, pois preferia não ter um coração demasiado puro.
No entanto, ao passar pela escultura de gelo da Rainha Alegre, Tella fez um desejo em silêncio — só para o caso de
a rainha das festas ser mais real do que mito e ter vontade de conceder um desejo a uma rapariga que provavelmente não o merecia.
Depois de passar pela Rainha Alegre, Tella entrou finalmente no Salão de Baile Holly Jolly. Ou seria o Salão de Baile Jolly Holly?
Tella não conseguia lembrar-se ao certo. Havia demasiadas mudanças de nomes na época festiva, e ela jurava que metade deles incluíam as palavras jolly (alegre) ou holly (azevinho).
Depois de entrar, Tella passou com todo o cuidado por entre bonecos de neve feitos de creme de marshmallow e escadas com criados que penduravam bandeirolas feitas de folhas brilhantes, bagas carmesim e paus de canela perfumados envoltos em fitas douradas.
Um menestrel cantava o clássico «Dança, Boneco de Gengibre» enquanto todos trabalhavam, dando a sensação de que a festa já tinha começado. Tella ouvia risos vindos do mezanino quando chegou ao centro do salão de baile, onde finalmente encontrou a irmã.
— Está absolutamente maravilhoso! — exclamou Scarlett, batendo palmas alegremente enquanto observava um escultor de gelo a acabar de esculpir uma rosa no grande carrossel de gelo que ela encomendara para o baile do dia seguinte.
O carrossel tinha quase dois andares de altura, repleto de cavalos e unicórnios saltitantes, grandes lobos de pelo fofo, veados orgulhosos com chifres cheios de estrelas, sereias e tritões, ursos com guizos, uma mão-cheia de trenós suficientemente grandes para famílias inteiras e muitas, muitas rosas. Todo o carrossel era de gelo branco e vermelho cintilante, rodeado por uma fila de elegantes rosas de gelo que brilhavam como diamantes quando o carrossel girava. Também havia rosas no topo do carrossel, nos postes e nos degraus que levavam à plataforma do mesmo.
Normalmente, os carrosséis não faziam parte da Grande Festa, mas Scarlett insistira que queria um. Disse que o carrossel era para as crianças que iriam participar na Spectacular.
Mas Tella não tinha a certeza se acreditava na irmã.
A Grande Festa sempre fora o dia do ano preferido de Scarlett. Em criança, preferia-o ao seu próprio aniversário, à Feira da Estação Quente, ao Festival da Estação do Crescimento e ao Mercado Noturno das Colheitas. Durante semanas, Scarlett fazia enfeites de papel para decorar o seu quarto e correntes de papel para contar os dias que faltavam.
Tella costumava pensar que a Grande Festa era a favorita de Scarlett porque o pai delas partia sempre de viagem nessa altura. Mas agora, olhando para todos os preparativos da irmã, era óbvio que Scarlett adorava verdadeiramente a festa em si. Além do carrossel de gelo, o salão de baile tinha inúmeros postos preparados para se pescarem presentes de tanques com a ajuda de grandes bengalas doces, barracas para fazer coroas festivas e colares de grinaldas, e tendas onde se podia cobrir o chocolate quente com todos os doces que se possa imaginar, desde montes de creme de caramelo a pauzinhos de algodão‑doce vermelho.
Não era propriamente o sonho de uma imperatriz, mas sim o sonho de uma criança — a criança que Scarlett nunca chegara a ser enquanto vivera sob o mesmo teto que o pai.
Tella estava feliz por ver a irmã conseguir finalmente dar vida a uma das suas fantasias de infância. E odiaria estragá-la.
Tella não queria destruir sonhos nem festas. Mas não tinha outra opção.
Se Scarlett não mudasse a data da Grande Festa, a vida de Tella ficaria arruinada. Acabada. Seria o fim. Uma confusão catastrófica, desastrosa, arrasadora.
Tella pigarreou.
Scarlett deu um salto e levou as mãos ao peito ao virar-se num turbilhão de saias mágicas. Hoje, o seu vestido era de um puro branco festivo, com uma pitada de flocos de neve vermelhos que caíam lentamente.
— Apanhaste-me de surpresa, Tella — disse, ofegante. — O que é que estás aqui a fazer? E… — Scarlett lançou um olhar por cima do ombro de Tella. — Onde estão os teus guardas?
— Não te preocupes com eles. Estão em perfeita segurança. Saí por uma das passagens secretas do meu quarto. Imagino que ainda estejam lá à porta, a pensar que passo demasiado tempo a dormir ou a arranjar-me, ou a fazer qualquer outra patetice que imaginam que as princesas fazem.
Scarlett carregou o sobrolho.
— Pensei que já tínhamos falado sobre isso.
— Pois falámos — confirmou Tella alegremente. — E continuo a não concordar que preciso de estar constantemente a ser vigiada. Nunca ninguém que tenha tentado matar-me foi bem-sucedido, e dou demasiado trabalho para ser raptada. — Tella agitou as sobrancelhas.
Scarlett não se mostrou zangada, mas os flocos de neve vermelhos no seu vestido branco começaram a cair um pouco mais depressa e ficaram com um tom acalorado que Tella teria descrito como «particularmente frustrado».
— Dar uma quantidade ridícula de trabalho não é o mesmo que ser invencível — ripostou Scarlett. — Amanhã é a véspera da Grande Festa. Pensa no belo presente que serias para um grupo de bandidos que te encontrasse a vaguear sozinha e decidisse fazer-te refém e ofececer-te ao seu líder.
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