Nascido de pesquisas realizadas em 2017 em cidades como Porto, Loulé e Barcelona, “Turismo” é um projeto mais direcionado para a “gentrificação”, que está a atingir quase toda a Europa, com proporções “desmedidas” em Lisboa e Porto, disse à agência Lusa Tiago Correia, que também assina a encenação.
“Todos os dias ouvia falar de pessoas que iam ser despejadas, ouvia falar da Airbnb, da Ryanair, dos ‘tróleis’, dos aviões, dos prédios que estavam a ser demolidos ao lado de minha casa”, observou Tiago Correia, sublinhando que o texto foi escrito enquanto, ao lado do local onde trabalha, um prédio ia sendo mandado abaixo. Foi esta vivência que Tiago Correia pretendeu colocar no espetáculo.
Foi esta “pressão imobiliária e este turismo como um ‘background’ um pouco apocalíptico para as relações humanas que se desenvolvem nesta cidade” que Tiago Correia disse ter colocado no espetáculo para o qual, em julho de 2019, se reuniu com a equipa artística de A Turma, companhia que fundou há 12 anos e de que é diretor artístico há quase dois, para reunir premissas para a construção do texto que agora sobe a palco.
Sem qualquer papel de “teórico, político ou sociólogo”, Tiago Correia frisou tratar-se de um espetáculo “que não tem nada de panfletário, no sentido em que [na peça] — já editada em livro pelas Edições Húmus — estamos perante teatro psicológico assumido em que as personagens agem segundo as circunstâncias em que se encontram”, sublinhou.
Mediante essas circunstâncias, “tomam as suas escolhas, escolhas difíceis em que prejudicam os outros e em que a única forma de não se prejudicarem a si mesmas é a de crucificarem os outros”, enfatizou.
Cada personagem tem os seus motivos para as ações que pratica, “e é neste pântano que o drama se vai desenvolvendo”, observou.
Uma jovem que pretende ser atriz e que arrenda uma casa no centro da cidade, na tentativa de cumprir o sonho, e um homem de meia-idade e sua mãe, proprietários da casa onde aquela reside, são as personagens centrais da trama.
O elevado custo do aluguer da casa obriga a jovem a desistir do curso e a arranjar dois trabalhos, assim como, de forma pontual, e às escondidas da senhoria, a alugar a casa a turistas. Estes dão outros ingredientes do drama que se vive em “Turismo”, acrescentou Tiago Correia.
A juntar à ausência de qualquer apoio familiar que ajude a jovem a concretizar o sonho, está também a realidade da dona da casa e de seu filho, que antes foram obrigados a abandonar o local onde sempre viveram e a mudar-se para os subúrbios, para que o filho conseguisse custear as despesas de saúde da mãe com a mais-valia que o aluguer da casa no centro lhes proporcionava.
A mãe, em fase terminal de doença de Alzheimer, e o filho, polícia, foram as primeiras vítimas de “gentrificação” em “Turismo”, um drama de uma “cidade ferida no coração”.
Apesar do carinho que a senhoria – uma senhora ligada às artes — e o filho, polícia, nutrem pela jovem, estes acabam por não a conseguir ajudar, já que não resistem a uma proposta milionária para a venda da casa, acabando por aceitá-la e despejarem a jovem.
Um jovem turista, que mais tarde acaba por se perceber tratar-se de um repórter fotográfico que veio com um trauma do Mediterrâneo, é outra das personagens da obra.
Todas as personagens têm uma vida completa, sem representarem apenas uma caricatura de um tipo social, disse Tiago Correia, sublinhando que em “Turismo” “não há bons nem maus”.
“E é neste sentido que aqui tentamos não escolher lados, mas perceber que é tão legítimo a rapariga estar a tentar lutar pela sua sobrevivência na cidade, como é legítimo que o senhorio naquele momento da sua vida se veja com a tentação de a despejar, como é legítimo que sejamos todos nós turistas um dia”, ressalvou.
“Tourists go home” foi uma frase lida por Tiago Correia em várias paredes do Porto que o despertou para este espetáculo, falado em francês e português, com legendagem em português, que aborda igualmente o “capitalismo selvagem” e “os investidores estrangeiros que não veem senão o lucro com a a especulação imobiliária”.
Outro dos “grandes impulsos” para a construção deste trabalho foi “um incêndio ocorrido em março do ano passado, no Bolhão”, que fez um morto, “e que poderá ter tido origem criminosa, já que foi o segundo no mesmo local no espaço de uma semana, depois de ameaças aos moradores”, frisou o autor e encenador.
A memória, a dignidade, a justiça, o medo e a pujança e a fragilidade das relações humanas são também temas do espetáculo, que repete no sábado, e que tem Regina Guimarães na consultoria artística e na tradução.
Interpretado por André Júlio Teixeira, Cláudia Lázaro, Inês Curado, José Eduardo Silva, Paulo Lages e Romi Soares, “Turismo” tem cenografia de Ana Gromicho, desenho de luz de Rui Monteiro e Teresa Antunes, e desenho de som e música original de Rui Lima e Sérgio Martins.
Os figurinos são de Sara Miro, o vídeo e fotografia, de Francisco Lobo, e o design gráfico, de Francisco Ribeiro.
“Turismo” é coproduzido pelo Teatro Municipal do Porto, e pelo Cineteatro Louletano, em Loulé, onde será representado em 05 e 06 de junho, disse Tiago Correia à Lusa.
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