O local da concentração, com início marcado para as 11:00, foi simbólico: a Rua Garret, no Chiado, onde em 10 de junho de 1995 o jovem Alcindo Monteiro - que naquela noite se deslocava até ao Bairro Alto para dançar - foi agredido por um grupo de ‘skinheads’, acabando por morrer.
“O objetivo [da ação] é, primeiro, homenagear as vítimas de racismo em Portugal, sobretudo as mortais, que começam pelo Alcindo, que morreu neste mesmo lugar onde estamos hoje, mas tantas outras vítimas que aconteceram nos últimos 30 anos”, disse à Lusa Henrique Chaves, dirigente da Associação Frente Anti-Racista.
Para Henrique Chaves, há “movimentos novos” que “estão nas esferas públicas, estão nas televisões e vão legitimando o discurso racista e xenófobo".
“É preciso que as leis que existem sejam cumpridas, que o princípio constitucional do Artigo 13 da igualdade seja efetivado, que as estruturas que existem, como a Comissão de Igualdade, tenham mais recursos para conseguir cumprir a sua função e que a lei também possa ser mais abrangente no combate ao racismo e que seja mesmo cumprida na prática, no dia a dia das polícias, entre outros”, argumenta.
À ação de luta contra ideias e práticas racistas e xenófobas, juntou-se o dirigente nacional do BE Fabian Figueiredo, que considera que “Portugal tem problemas de racismo, de integração das pessoas racializadas, das comunidades migrantes”.
“É deplorante e é urgente resolver o problema de precariedade habitacional em que tantas pessoas migrantes se encontram na cidade de Lisboa”, defendeu, acrescentando que os dados e estudos apontam para que “as pessoas negras em Portugal têm empregos mais precários, estão mais sujeitas às condições de pobreza, às condições de precariedade habitacional”.
Para o bloquista, “Portugal precisa de um sobressalto cívico, de um projeto de igualdade que permita que não haja cidadãos de primeira ou de segunda, que a pertença étnico-racial não signifique uma condição de discriminação, de pobreza, de sobre-exploração”.
Uma ideia também defendida pelo deputado do PCP Duarte Alves, que acredita que a luta antirracista assim como todas as formas de discriminação “deve mobilizar toda a sociedade”.
“Deve haver um combate claro ao racismo e à xenofobia. Isso deve ser assumido por parte das diferentes instituições do Estado e também do ponto de vista da prevenção, da educação, da formação”, disse, acrescentando que “continuam a existir formas de racismo, de xenofobia no trabalho”, já que “muitas vezes imigrantes continuam a ser expostos a formas de discriminação, de subexploração”.
Entre as centenas de pessoas que marcharam da Rua Garret até ao Convento do Carmo encontrava-se o ativista antirracista Mamadou Ba, que defendeu que “não há nenhuma democracia viável com o racismo e não há nenhuma maturidade democrática que possa acomodar a existência do fascismo e do racismo”.
“É dizer que se nós queremos uma sociedade, um futuro melhor, em que todas as pessoas, independentemente das suas origens étnico-raciais, as suas pertenças étnico-religiosas, as suas orientações sexuais, são cidadãs do corpo inteiro neste país, portanto, temos que estar envolvidas e envolvidos neste tipo de iniciativas”, afirmou.
Para Mamadou Ba, Alcindo Monteiro “é o marco de que o racismo mata”, ao passo que “o antirracismo nunca matou ninguém”.
Entre as centenas de manifestantes que gritaram palavras de ordem como “contra a discriminação, cumprir a Constituição”, “racismo em Portugal, vergonha nacional”, “contra a discriminação paz, pão e habitação” ou “por saúde de qualidade, tratemos todos com igualdade”, encontrava-se Pedro de Santarém que considera que “em todas as estruturas é necessário haver uma ação determinada para que haja medidas de combate ao racismo”.
“A legislação que está a ser agora aplicada não resolve o problema do racismo. É necessário também mexer na legislação, é necessário mexer nas questões jurídicas e é preciso de facto que quando haja um ato considerado racista, ele seja de facto punido. Caso contrário, não conseguimos banir o raciscmo”, argumentou.
Porta-voz da Vida Justa, Flávio "LBC" Almada, também diz bater-se pela ideia de que é “cada vez mais urgente fortalecer o combate e não dar espaço à extrema-direita e ao fascismo na rua”.
“O que tem acontecido nos últimos anos é uma higienização, em termos da memória, das mortes, das perseguições, das torturas, de um conjunto de coisas que acontecem, sobretudo também na periferia de Lisboa. É importante que estejamos cá, presentes, ocupar o espaço que é nosso e não dar margem”, afirmou.
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