"Nós sabemos, claro, que a saúde mental é importante. Mas até há pouco tempo focava-se esse aspeto só na pessoa: a saúde mental em cada um de nós. A ideia aqui é que não é só em cada um de nós, a nossa saúde mental também interfere nos outros, nomeadamente nos nossos filhos e na nossa família", explica Joaquim Cerejeira, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), especialista em psiquiatria e coordenador do projeto em Portugal, ao SAPO24.
"Quando um dos elementos da família tem problemas de saúde mental, os outros membros também têm maior risco de os ter. E, portanto, aqui é que é, penso eu, a grande inovação. A saúde mental não é só um problema pessoal, individual, é também algo que influencia a saúde mental dos outros", acrescenta, explicando que é uma questão estudada há pouco tempo.
É sobre a evidência de que "se atuarmos nas crianças, vamos ter benefícios nas futuras gerações", que surge o projeto europeu "Let's Talk About Children" [Vamos falar de crianças], que pretende promover a saúde mental de crianças oriundas de contextos familiares vulneráveis, seja famílias com casos de doença mental, carências económicas ou dificuldades na integração social.
O projeto vai envolver professores e outros profissionais de educação e de saúde, de modo a adquirirem novas competências para trabalhar com as famílias em prol do bem-estar das crianças.
"Este projeto já foi implementado há vários anos na Finlândia", explica o coordenador, acrescentando que o seu sucesso foi o que conduziu ao financiamento da Comissão Europeia no sentido de ampliar o projeto pela Europa. "É uma excelente oportunidade", diz Joaquim Cerejeira, "para nós e também para os outros países".
Em Portugal, é a Universidade de Coimbra que coordena este projeto, contando também com a participação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). A metodologia do projeto passa por treinar profissionais que lidam com famílias, para que consigam reconhecer precocemente as suas necessidades psicossociais, conforme explica comunicado enviado às redações.
A primeira fase, de auscultação das entidades que prestam apoio a famílias em situação de vulnerabilidade, como é o caso das escolas, autarquias, serviços de saúde e associações, já está em curso, e "a resposta e o interesse tem sido grande", diz o coordenador. A próxima fase passa pelo início da capacitação dos profissionais.
"Penso que é um tema socialmente importante, as pessoas preocupam-se com a saúde mental das crianças. Percebem que, realmente, a saúde mental das crianças não é só delas, também se vai repercutir quando se tornarem adultas, e depois nas futuras gerações", explica, confiante de que, atuando, será possível "melhorar bastante o que vai acontecer no futuro".
Joaquim Cerejeira acredita que existem "algumas dúvidas do que é a saúde mental e do que é a doença mental". Admite que, por vezes, existe alguma normalização ou associação de certos sintomas a "falta de vontade" ou a "características" da pessoa. "Eu acho que é aí que temos de melhorar a informação e a maneira como as pessoas lidam com isto", uma vez que a falta de reconhecimento pode levar a que "não sejam encaminhadas para os serviços de saúde".
O projeto vai ser implementado em escolas de 1º e 2º ciclo da região de Coimbra e em serviços de psiquiatria e saúde mental para crianças e adultos a nível nacional, centrando-se na criança e na família, com o objetivo de prevenir a transmissão de problemas de saúde mental de geração para geração.
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
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