Ivone Patrão trabalha lado a lado com famílias, sobretudo com crianças e jovens na área das dependências online. Pelo caminho publicou três livros sobre o tema — Dependências online: o poder da tecnologia (2016); Geração cordão: a geração que não desliga (2017) e Intervenção em ciberpsicologia (2019). Quando a desafiámos a pensar a solidão na era das redes sociais, os riscos da exposição constante, os novos ritmos do feedback, a adição, foi clara ao firmar que "a tecnologia é uma coisa boa" para a saúde mental, mas que nos cabe fazer uma "gestão saudável" da mesma. E sim, "ainda estamos a aprender".

Para início de conversa, Ivone diz-nos que muitas vezes olhamos para a saúde mental "muito com a lente da doença" e é preciso mudar o chip, abordar a questão mais na ótica da "promoção de comportamentos saudáveis. Fazemos isso para a alimentação, fazemos isso para o exercício físico, fazemos isso para a prevenção rodoviária, obviamente que temos de fazer isso para a nossa autoestima, para as nossas emoções, para aquilo que vamos sentindo no dia a dia".

Quanto introduzimos na equação o impacto da tecnologia na nossa saúde mental — e mais especificamente das redes sociais —, não cai na "rasteira". "Não tenho nada contra a tecnologia", diz prontamente, mas reconhece os riscos de uma socialização que se fica pelo digital — seja por conforto ou medo —, da falta de juízo crítico para analisar o que consumimos online — onde nem sempre existe mediador — e de comportamentos de dependência que atiram todos os outros aspectos da vida para segundo plano, até comer ou dormir. "A tecnologia veio para dar um bocadinho mais de trabalho aos pais", alerta.

"A nossa pergunta é: como é que nos estamos a tornar enquanto seres humanos ao lado da tecnologia?"

O mote para um olhar sobre a saúde das nossas cabeças a dez anos — a começar de pequenino.

Este ano, no âmbito do Orçamento do Estado para 2020 está prevista a abertura de 200 respostas em saúde mental, que se traduzem em pedidos de autonomização dos doentes e de apoio domiciliário.

Segundo dados da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e da Direção-Geral de Saúde, Portugal é o segundo país europeu com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas, sendo apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte.

Mais de de um quinto dos portugueses sofre alguma tipo de perturbação psiquiátrica (22,9%), sendo que as perturbações de ansiedade são as mais comuns (16,5%), seguidas pelas perturbações do humor (nas quais se inclui a depressão), com uma prevalência de 7,9%. Continuando a olhar para os números, 4% da população adulta apresenta uma perturbação mental grave, 11,6% uma perturbação moderada e 7,3% uma perturbação ligeira.

Em Portugal, "as perturbações mentais comuns são uma das principais causas de incapacidade para a atividade produtiva" e "somos, há anos, o maior consumidor europeu de benzodiazepinas (os tranquilizantes mais frequentes ou ansiolíticos), com valores também relevantes nos antidepressivos e nas bebidas alcoólicas", refere a DGS.



A questão da saúde mental, durante alguns anos, foi quase um tabu, não se falava quase sobre isso, mas o facto é que está cada vez mais na ordem do dia, estão até anunciados investimentos nesta área em 2020. Vamos falar mais sobre saúde mental nos próximos 10 anos?

Eu penso que sim e fico bastante agradada de ver os investimentos a serem feitos, tanto na área dos recursos humanos, que são uma necessidade já muito vista, como também no âmbito da investigação, para que se consiga dar às pessoas tratamentos mais eficazes que consigam melhorar a sua saúde mental. Mas eu diria que a saúde mental não começa na investigação ou na intervenção dos recursos humanos, começa logo desde pequenos, no núcleo familiar. Eu tenho uma formação muito mais sistémica enquanto terapeuta familiar e tenho esta preocupação de logo no desenvolvimento das crianças fazermos promoção da saúde mental. Muitas vezes olhamos para a doença mental muito com a lente da doença, e temos de facto, no meu ponto de vista, de olhar mais com a lente da promoção de comportamentos saudáveis. Fazemos isso para a alimentação, fazemos isso para o exercício físico, fazemos isso para a prevenção rodoviária, obviamente que temos de fazer isso para a nossa autoestima, para as nossas emoções, para aquilo que vamos sentindo no dia a dia.

20/30. 20 perguntas daqui até 2030

O que estamos dispostos a fazer por um futuro sustentável? Vamos ter serviço nacional de saúde daqui a dez anos? A tecnologia faz mal à nossa cabeça? Quando o tema é imigração, quem dita as regras? Vai Portugal perder o barco no 5G?

Este e só o início de uma série de perguntas que o SAPO24 decidiu colocar em cima da mesa para os próximos dez anos. 2020 convida-nos a pensar a década — como é que o mundo vai mudar e como é que nós mudamos com ele — e foi esse o desafio que colocámos a vários convidados nas conversas que serão publicadas em 24.sapo.pt

20/30. 20 perguntas daqui até 2030 é o nome da série em vídeo, texto e fotografia que vai abordar temas como o ambiente, as migrações, a inteligência artificial, o futuro da ciência, relacionamentos e violência, o mar, o 5G, o humor, o futebol, a televisão, o consumo, o Interior, a saúde mental, o Espaço, o Brexit, a educação (para a inovação), as startups o envelhecimento, as redes sociais ou as cidades de amanhã.

Veja aqui todas as entrevistas.

E você, se tivesse de lançar um tema para o debate, qual seria? Envie a pergunta para a década para 24@sapo.pt.

20/30 é um projeto com assinatura MadreMedia no SAPO24, que poderá também acompanhar em 24.sapo.pt, no portal SAPO (sapo.pt) e respectivas redes sociais. Siga-nos no FacebookTwitter e Instagram.

"A nossa preocupação aqui é quando as pessoas só fazem uma socialização digital"

A Ivone tem-se dedicado muito à área da ciberpsicologia, o que aliás vai ser o tema central da nossa conversa. Nós lidamos mal em estar sozinhos? Temos cada vez mais tecnologias, estamos cada vez mais ligados, mas lidamos mal com a solidão?

Eu assim de resposta rápida diria que sim, pela minha experiência enquanto investigadora e enquanto clínica diria que sim. Do ponto de vista da investigação, o que posso dizer é que quando avaliamos a solidão, sobretudo nos mais jovens, percebemos que se sentem sozinhos. Há algum isolamento social, mas não isolamento emocional, e realmente aqui as tecnologias vêm trazer isto: está-se sozinho em casa, mas rapidamente nos ligamos a alguém via a tecnologia. Percebemos também na investigação que, geralmente, estas pessoas têm um tal isolamento social que não têm muitos contactos presenciais e não têm interesse em desenvolvê-los. Desenvolvem mais contactos via online e assim se sentem bem. São pessoas que acabam por não ter relações amorosas ou muitas relações de amizade ou de interação com a família. A nossa pergunta é “como é que nos estamos a tornar enquanto seres humanos ao lado da tecnologia?” Alguns estão mesmo a ficar sozinhos com ela, e isso é preocupante, porque nós somos animais sociais e precisamos da socialização. Eu até costumo dizer que hoje em dia já temos uma socialização mista, portanto, presencial e digital, e já não nos livramos delas. Não estamos sempre com as pessoas presencialmente e vamos acompanhando a relação usando o digital. Contudo, a nossa preocupação aqui é quando as pessoas só fazem uma socialização digital.

As redes sociais trouxeram novas regras de comportamento na socialização?

Trouxeram. Eu não tenho nada contra a tecnologia, o meu discurso parece logo isso, estou sempre a falar dos riscos e vou estar muito aqui na nossa conversa, mas não tenho nada contra a tecnologia, uso-a e acho que todos devemos usar com conta peso e medida. Aqui a questão da socialização digital veio trazer o não respondermos logo, podemos esperar para responder. Isto não acontece do ponto de vista presencial. Eu estou aqui à conversa consigo e tenho de responder, não posso fazer um delay, ter um tempo de latência de um minuto ou dois ou dez para pensar no que vou responder. Então se pensarmos em situações difíceis, que envolvam emoções, posso responder só no dia a seguir, e assim vou-me defendendo ou vou-me controlando, e vou gerindo a relação com alguém. Isto é uma novidade muito importante. Nas pessoas mais vulneráveis acaba por lhes dar jeito, porque não se expõem tanto, porque estão mais tristes ou porque estão com baixa autoestima ou porque têm dificuldade nas competências sociais. Facilita o digital, mas por outro lado não estamos a ajudar, porque as pessoas ficam muitas vezes circunscritas e não experimentam o passo a seguir.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Por outro lado, há toda a questão do feedback: nós estamos cada vez mais expostos, porque estamos numa série de plataformas, e aí temos esta outra face da moeda que é a de estar sempre à espera daquela aprovação  — ou reprovação, o que pode também acontecer. Como é que lidamos com com isso?

A questão do feedback é mesmo muito importante — então se falarmos dos jovens é uma necessidade quase. Há um fator prévio que tem a ver com a fase do desenvolvimento: na adolescência queremos estar num grupo de pares e queremos fazer o que os amigos fazem. Portanto, se é para comunicar com as redes sociais e se há esta cultura dos likes e das visualizações, claro que isto depois é impresso no próprio grupo e na própria pessoa. Aqui a sensação que me dá é que sem pensarem, sem terem consciência de que estão muito vinculados aos tais likes e visualizações, acabam por entrar nesta onda e têm uma real necessidade de feedback a toda a hora — e muitas vezes até sem pensar no impacto que pode ter o feedback negativo e sobre como é que vão gerir essas emoções.

Depois também vejo uma outra linha de pessoas já adultas que embarcam no mesmo registo e aqui o que me parece, até do ponto de vista da investigação, é que há outras variáveis que têm a ver com a questão da ansiedade ou da tristeza ou das dificuldades laborais ou nas competências sociais. Mais uma vez, o conviver digitalmente nestes casos e ter este tipo de feedback conforta a alma e faz com que a pessoa tenha alguma autoestima. "Olha alguém gostou daquilo que eu escrevi, da fotografia que coloquei, do vídeo que escolhi, daquilo que filmei”. O risco é que isto pode não ser nada, se formos analisar profundamente a rede social daquela pessoa podem ser pessoas que nunca estiveram com ela, que nunca viu, que não conhece, que apenas trocam algumas mensagens que se perdem no tempo e no espaço, ainda que fiquem sempre na internet. Mas estas pessoas não estão realmente a falar deles próprios e do que lhes vai acontecendo no dia a dia, é assim uma visão bonita [do mundo]. A partilha são coisas é geralmente positiva, mas isso não é o dia a dia das pessoas.

"O que me preocupa enquanto investigadora e psicóloga é se estamos a formar crianças e jovens com um juízo crítico para tudo o que é colocado online"

Aliás essa é outra questão. A partilha é quase sempre selecionada e, portanto, quase sempre positiva. Logo, o espelho que temos da vida dos outros que consideramos pares é cheia de experiências positivas, de pensamentos positivos, de momentos bonitos. Como é que isso deforma a perceção que temos sobre nós e sobre a nossa vida? Todos sabemos que na vida nem tudo acontece num cenário perfeito, as coisas nem sempre correm bem.

Sim, é a imagem que as pessoas querem passar sobre si para os outros e muitas vezes até encaixar a vida para que aconteça só daquela forma. Mas que não é assim, existem sempre situações mais positivas e mais negativas com as quais temos de lidar no dia a dia. Nos mais jovens que, pela faixa etária, arriscam muito mais temos hoje os youtubers e os gammers, sendo que a imagem que eles constroem nem sempre corresponde à realidade. Depois temos bastantes seguidores que são influenciados por aqueles comportamentos, por aquilo que aquela pessoa está a dizer. O que me preocupa enquanto investigadora e psicóloga é se estamos a formar crianças e jovens com um juízo crítico para tudo o que é colocado online. As pessoas publicam o que quiserem, mas nós quando estamos deste lado, a visualizar, temos de ir desenvolvendo o nosso juízo crítico — o que é aceitável, o que não é aceitável, adequado ou não adequado visualizar. Isto varia consoante a faixa etária e os pais têm aqui um papel muito interessante a fazer. A tecnologia não veio para entreter as crianças. Eu costumo dizer que a tecnologia veio para dar um bocadinho mais de trabalho aos pais, porque vamos ter de nos sentar e falar sobre ela e sobre como é que se utiliza a tecnologia.

"Mas se não nos chatearmos [com regras], o que eu gostaria de dizer é que podemos entrar numa linha de risco, que é uma linha de dependência, e aí temos um problema mais sério e com necessidade de intervenção terapêutica"

Essa é uma questão bastante interessante, a do papel do mediador, porque muitas vezes o consumo destes conteúdos é feito individualmente. É diferente de ter uma televisão na sala de estar de casa, onde toda a família assiste a um mesmo programa e faz juízos de valor a esse respeito. O papel do mediador, no digital, acaba por desaparecer, e os pais aqui têm um papel central. 

Eu desenvolvi um jogo que é o Missão 2050 com um colega, Pedro Fernandes, exatamente porque comecei a ter esta preocupação. Como é que se oferece tanta tecnologia às crianças, no Natal, nos seus aniversários, e não se conversa sobre ela? Eu interrogo-me, quanto pais se sentaram para conversar – “olha agora vamos usar, vamos negociar” – e ista é uma conversa até simples e agradável de se ter. No caso dos jogos, podem até jogar em conjunto, que é uma das coisas que eu aconselho aos pais, porque é uma forma de conhecer mais os filhos através da tecnologia e é uma forma de ir imprimindo algumas regras de acordo com a idade.

Mas estava aqui a referir-me ao jogo que desenvolvemos, que é um jogo de tabuleiro, e que é um bom mote para começar a conversar sobre estas coisas, porque é um mundo em 2050 completamente tecnológico, com robôs e cheio de riscos. Em família, as crianças e jovens podem ir resolvendo esses desafios e trazê-los para a atualidade: “espera lá, se isto em 2050 já está muito grave, deixa ver se podemos fazer diferente agora para ir melhorando a nossa gestão da tecnologia”. E a partir do jogo pode encetar-se qualquer conversa. Eu aqui sou realmente direta: a tecnologia entretém muita criança e muito jovem e isso é ótimo. Portanto, porque é que nos vamos incomodar com regras? Mas se não nos chatearmos, o que eu gostaria de dizer é que podemos entrar numa linha de risco, que é uma linha de dependência, e aí temos um problema mais sério e com necessidade de intervenção terapêutica.

Quando falamos de dependência, tem-se muito esta ideia de que só se aplica a crianças ou jovens, começam a jogar videojogos quando são mais novos e a coisa escala a partir daí. Mas não é bem assim, pois não?

Não, isso é transversal a qualquer idade, aliás nós temos um estudo a decorrer agora no ISPA com idosos. É uma população que por si só já tem sofre de algum isolamento, pela perda de familiares, pela perda de amigos, pela perdas às vezes de algumas referências, como a sua própria casa quando passam para lares, por exemplo. Então há aqui uma data de circunstâncias em que o estar online e a tecnologia podem ser uma boa companhia. Pelo contrário, desenvolve aqui alguns comportamentos de ainda maior isolamento e depois até alguns comportamentos de risco online.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Quando falamos de dependências online, quais são os sinais de alerta?

Claramente há aqui um equívoco em que as pessoas pensam “está muitas horas online, está dependente”. Se formos a ver, todos nós no trabalho estamos muitas horas online e podemos não estar dependentes. Portanto, é importante que as pessoas reflitam se é um tempo útil, se é um tempo que foi acordado entre pais e filhos, se não está – e aqui é o ponto chave – a mudar o resto do dia a dia e a funcionalidade daquela pessoa, daquela criança e daquele jovem. Como é que nós vemos isto nos mais pequenos? Começamos logo por ver no rendimento escolar, nas questões do sono, nas questões da alimentação e na socialização, portanto, começamos a ver cada vez mais um interesse por estar online e o desinteresse de ir dormir, de comer, de estar com os amigos — então o estar com amigos é um bocadinho contranatura nos jovens. Portanto, esta questão de haver alterações nestas áreas da vida deve ser um sinal de alarme. Nós temos um estudo com uma representatividade nacional, que está em várias escolas do país e que avalia a dependência da internet e o comportamento alimentar, e temos dados preliminares que nos indicam que os jovens que têm alguma dependência da internet, seja dos jogos, seja das redes sociais, são aqueles que têm alterações no comportamento alimentar. Começámos a ver na clínica que havia algumas questões e partimos para a investigação. Percebemos que fazem snacks, portanto, não vão fazer as refeições com a família, saltam refeições... Estas alterações aqui são preocupantes, porque vamos ter jovens com um índice de massa corporal alterado e depois com mais dificuldade no rendimento escolar e por aí fora.

"Nem todos os pedidos de ajuda vêm a tempo e horas e nem todos dizem que há uma dependência online, muitas vezes vêm mascarados"

Como é que se quebra essa barreira e se recupera um equilíbrio saudável?

É muito importante a formação de professores, de pais e até dos próprios técnicos de saúde, que são a primeira linha, para que todos estejam alerta. Nem todos os pedidos de ajuda vêm a tempo e horas e nem todos dizem que há uma dependência online, muitas vezes vêm mascarados: [as crianças e jovens] estão mais irrequietos ou andam mais sonolentos, ou baixaram o rendimento escolar. Parece-me importante que todas as pessoas no terreno estejam atentas a estes sinais de alarme e consigam identificar o que é que aquele jovem está a fazer online. Às vezes não são só os jogos e não são só as redes sociais, temos outros comportamentos online, como as questões do cybersex, da pornografia, das compras, alguns comportamentos de risco desconhecidos até para as famílias. Eu hoje em dia ainda tenho pais que dizem que eles têm o computador e o telefone, que é ótimo, para estudar, e passam lá horas a estudar. Isto é um mito, é uma crença bastante errada, porque é de facto bom para eles estudarem, mas não estão só a estudar. E quando me diz “o que é que é preciso aqui fazer?” É muito apostar na promoção do uso saudável da tecnologia. No livro da Geração Cordão fui a uma sala de 5 anos — o livro já é de 2017, isto foi em 2016 — conversar sobre tecnologia e a educadora dizia-me “estamos super disponíveis, mas eu acho que eles não sabem nada”. A minha metodologia é que eles desenhem o que sabem sobre a tecnologia, eles desenharam o símbolo Facebook, do Instagram, desenharam todos os símbolos de tudo o que eles já tinham visto online e a educadora ficou “ah, então?”. Eles sabiam explicar as funções, sabiam tudo. Então se eles sabem, o melhor é que usem e o melhor é dar-lhes a tecnologia e explicar que tem regras de acordo com a sua idade.

Seria impensável nesta fase dizer “agora não podes ter o computador para estudar, porque é utilizado para outras coisas”, quando na realidade na progressão e no ensino é natural que se usem estas ferramentas.

Claro, vamos sempre usar a tecnologia, ela veio para ficar e a mesma coisa a Internet. O que nós podemos aprender é a autorregulação e competências que nos ajudem a lidar com os desafios que a tecnologia traz — sendo que a autorregulação é aqui um aspeto muito importante para não deixarmos que a tecnologia invada a nossa socialização por completo. Precisamos de estar em contacto uns com os outros, a tecnologia não pode substituir isso, pode ajudar, não deve substituir.

A tecnologia é uma coisa boa ou é uma coisa má para a nossa saúde mental?

Essa pergunta é daquelas perguntas de rasteira, mas eu o que vou dizer é que a tecnologia é uma coisa boa, até porque há muitos esforços feitos a partir da tecnologia para ajudar, por exemplo, no autismo: já há muitos anos que existem programas de estimulação online para crianças autistas, por exemplo. Portanto, tudo o que a tecnologia traz na área da saúde mental até agora pode ser utilizado — e tem sido utilizado — e tem frutos muito positivos. Estou-me a lembrar agora também das aplicações de literacia que existem em diferentes áreas da doença física, como por exemplo no cancro, que permitem às pessoas saber o que é uma cirurgia, quais os passos a seguir, tirar dúvidas que possam ter. Portanto, a tecnologia é um excelente mediador na psicoeducação e na estimulação de determinados comportamentos. O uso que se faz da tecnologia é que pode ser efetivamente negativo para o nosso desenvolvimento e para a nossa saúde mental. A tecnologia é uma coisa boa, nós é que temos de fazer uma gestão saudável para não nos prejudicarmos.

E ainda estamos a aprender?

Ainda estamos a aprender. Eu diria que ainda estamos a subir este consumo da tecnologia, sem muitas regras, sem muitos limites, sobretudo nas crianças e nos jovens, que é o que eu vou assistindo mais. Há de haver aqui um momento que isto tem um efeito de paragem e de reflexão, assim como aconteceu na alimentação.