O Grupo VITA divulgou o seu primeiro Relatório de Atividades, com dados entre 22 de maio e 30 de novembro de 2023. Nestes seis meses de funcionamento, "foram recebidas 278 chamadas telefónicas relativas a situações de violência sexual no contexto da Igreja, e outras formas de violência, bem como outras ocorrências não relacionadas com a missão do Grupo VITA". De realçar que a maior preponderância de contactos se registou em maio (25%) e a menor em novembro (10%).
"Dos contactos recebidos através da linha telefónica e do formulário do site, bem como do e-mail geral@grupovita.pt, foram identificadas 64 vítimas de violência sexual e uma pessoa (leigo) que cometeu crimes sexuais no contexto da Igreja", é referido. No que diz respeito a esta última situação, o caso já tinha sido sinalizado "às entidades competentes (penais e canónicas). Esta pessoa foi encaminhada para apoio psicológico para um profissional da Bolsa do Grupo VITA".
O grupo explica ainda que, "destes pedidos de ajuda, realizaram-se 42 atendimentos (presenciais ou online) com vítimas de violência sexual". Destas pessoas, três eram adultos "que não preenchiam os critérios de adulto vulnerável [pessoa com 18 ou mais anos que por doença ou deficiência vê limitada a sua capacidade de entender, querer ou resistir à ofensa], à data da situação", pelo que, "neste contexto, estas situações foram entendidas como uma violação do 6.º Mandamento do Decálogo [que remete para a importância de guardar castidade nas palavras e obras] e sinalizadas diretamente aos respetivos Bispos Diocesanos".
De realçar ainda que, "no universo de chamadas telefónicas, 16 diziam respeito a situações de violência não relacionadas com a missão do Grupo VITA (e.g., abuso sexual intrafamiliar, violência doméstica), que foram encaminhadas para outras entidades (e.g., APAV, GNR, Câmaras Municipais, estruturas de atendimento a vítimas de violência sexual, ACT)".
Nestas situações de abuso, o Grupo VITA "comunica à PGR e à PJ as denúncias de violência sexual no contexto da Igreja, exceto nas situações em que o denunciado tenha falecido ou quando tenha já decorrido, ou esteja a decorrer, processo judicial de natureza criminal".
"Paralelamente, comunica às estruturas da Igreja, em função da natureza da situação e da identidade do denunciado, nomeadamente, às Dioceses, às Comissões Diocesanas, aos Institutos de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica ou à Nunciatura", é descrito.
Assim, "durante este primeiro período de atuação, procedeu-se em conformidade, tendo sido sinalizadas às estruturas eclesiásticas um total de 45 situações, e à PGR/PJ, 16".
Relativamente à diferente entre estes números, o Grupo VITA explica que "a discrepância entre as situações sinalizadas a estruturas eclesiásticas e à PGR/PJ relaciona-se com o facto de alguns suspeitos terem já falecido e, noutras situações, ter já decorrido (ou estar a decorrer) um processo judicial de natureza criminal".
Pontos essenciais do relatório:
1. Qual a caracterização das vítimas?
2. Quando e como aconteceram os abusos?
3. Qual a caracterização dos abusadores?
4. Qual o impacto das situações abusivas nas vítimas?
1. Qual a caracterização das vítimas?
Das vítimas identificas, o Grupo VITA fez um "atendimento individualizado (presencial ou online), para recolha detalhada de informação, com uma duração média de 2h30 minutos" a 39 pessoas. "Apenas 30.8% destas situações foram sinalizadas previamente à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa", é apontado.
"Em termos de caracterização sociodemográfica, destaca-se que a maioria das vítimas é do sexo masculino (56.4%) e todas elas possuem nacionalidade portuguesa. Relativamente à idade atual, esta varia entre os 19 e os 74 anos, sendo a média de idades de 53.7 anos", pode ler-se no relatório.
É ainda frisado que "a maioria das vítimas encontra-se divorciada ou separada (41.4%), cerca de 31% é solteira e cerca de um quarto encontra-se numa relação (casamento/união de facto)". Por sua vez, "a maioria das vítimas vive sozinha (41.0%), cerca de 67% refere ter filhos, sendo mais frequentemente mencionado um filho (30.8%) ou dois (20.5%)".
"Considerando o nível de escolaridade, a maior parte das vítimas tem o ensino secundário concluído (30.8%), ou o 9.º ano (28.2%); cerca de 23% tem uma licenciatura (pré-Bolonha)". Quanto à profissão,"cerca de 40% das vítimas trabalha em setores profissionais distintos (mais frequentes: Especialistas das atividades científicas e intelectuais – professores –; Técnicos e profissões de nível intermédio como, por exemplo, engenheiros) e aproximadamente 26% encontra-se reformada; três são estudantes. Cerca de 20% encontra-se desempregado ou sem ocupação".
O relatório evidencia também que, "no que à religião diz respeito, mais de metade das vítimas (59.0%) considera-se católico. Em termos de frequência, cerca de 23% refere participar frequentemente em atos religiosos ('todos os dias'; 'mais do que uma vez por semana' ou 'uma vez por semana), 20.5% fá-lo de forma ocasional (e.g., 'apenas em dias santos'). Ainda, 12.8% refere nunca participar em atividades religiosas".
"Em termos de idade em que ocorreu a primeira situação de violência sexual, esta varia entre os seis e os 25 anos, sendo a idade mais prevalente a dos sete anos, seguida dos 10 e dos 11 anos", é explicado.
Na altura dos alegados abusos, "a grande maioria das vítimas (71.8%) vivia com a família nuclear e cerca de 18% em instituição (cinco vítimas em seminário, uma em colégio de ordem religiosa e uma em casa de saúde). Das vítimas que referem ter irmãos, cerca de 10% refere que estes também foram vítimas, apesar da maioria (59%) responder negativamente a essa questão".
2. Quando e como aconteceram os abusos?
De acordo com as conclusões do Grupo VITA, "em termos de período temporal da vitimização e antiguidade da respetiva situação, existe uma grande variação – entre o ano de 1960 e o de 2023 –, sendo a média em cerca de 42 anos", é descrito. Além disso, "cerca de metade das vítimas (51.3%) só agora revelou e 28.2% revelou pela primeira vez ao Grupo VITA". Por sua vez, "na sua grande maioria (84.6%) não foi apresentada denúncia pela vítima ou outra pessoa às estruturas da Igreja, nem aos Órgãos de Polícia Criminal/Ministério Público (82.1%)".
Em resumo, há 12 situações abusivas que ocorreram nos anos 60 e dez nos anos 80. Nos anos 70 são identificadas 7 situações e nos anos 90 outras cinco. A partir dos anos 2000 até ao presente surgem cinco casos.
"Relativamente à frequência e duração da situação abusiva, cerca de 46% não consegue precisar essa frequência, nem a sua duração (20%). Um quarto das vítimas (25.6%) refere ter ocorrido algumas vezes, e cerca de 21% uma vez. Apenas três vítimas mencionam ter ocorrido duas vezes", é descrito.
Depois, "em termos de duração, seis vítimas referem que a situação abusiva aconteceu durante três, quatro ou cinco anos, cinco indicam dois anos e quatro mencionam um ano. Para três das vítimas a duração da vitimização situou-se entre seis e nove anos".
Quanto ao contexto onde conheceram a pessoa que cometeu o abuso sexual, "a quase totalidade das vítimas (97.4%) refere tê-la conhecida no contexto da Igreja".
"A(s) situação(ões) abusiva(s) ocorreu(ram) 38.5% no contexto da Igreja e 20.5% em instituição. A maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram sobretudo no confessionário, seguindo-se a sacristia. Umas das vítimas refere o gabinete do padre. Para oito vítimas, a(s) situação(ões) abusiva(s) ocorreu(am) na casa do padre, na casa de férias do padre ou na casa paroquial. Para seis vítimas os factos ocorreram no Seminário e em quatro situações no carro do agressor", pode também ler-se no documento hoje disponibilizado.
São referidos no relatório vários "comportamentos sexualmente abusivos", sobretudo "exercidos pela pessoa que cometeu o abuso sexual para com a vítima", entre eles:
- toques/carícias em outras zonas erógenas do corpo, que não os órgãos sexuais, e/ou beijos nas mesmas zonas (56.4%);
- manipulação dos órgãos genitais da vítima por parte da pessoa que cometeu o abuso (33.3%);
- a pessoa que cometeu o abuso teve conversas com conteúdo sexualizado (23.1%)
- a pessoa que cometeu o abuso pediu à vítima para que esta também o masturbassem (20.5%);
- foi reportado por seis vítimas sexo oral, anal ou vaginal por parte da pessoa que cometeu o abuso para com a vítima.
O relatório nota ainda que "a maior parte denunciam abusos ocorridos em contextos da Igreja na zona norte e centro do país, o que segue, de algum modo, a prevalência do número de católicos na população e de contextos associados à Igreja Católica em Portugal (segundo as estatísticas dos Censos 2021)".
3. Qual a caracterização dos abusadores?
"No que diz respeito à pessoa que cometeu o abuso sexual, são todas do sexo masculino", com 35 das vítimas (89.7%) a referir que "o agressor foi um sacerdote". Por outro lado, "apenas quatro vítimas mencionaram ser um leigo (por e.g., catequista, seminarista)".
Neste grupo de vítimas, 30 (82.1%) identificam o agressor e referem "uma idade aproximada que varia entre os 21 e os 65 anos", mas "as restantes vítimas não conseguiram precisar a idade da pessoa que cometeu o abuso".
É ainda explicado que "na quase totalidade das situações (94.9%), a pessoa que cometeu o abuso não reconheceu a agressão. Em duas situações a pessoa agressora pediu desculpa. Numa das situações o pedido ocorreu em sequência de uma decisão judicial e, na outra situação, a pessoa que cometeu o abuso procurou justificar o seu comportamento com experiências passadas".
"Em termos de estratégias da pessoa que cometeu o abuso sexual, em todas as situações reportadas as vítimas identificam que houve 'abuso de autoridade' resultante do estatuto do agressor; a'“confiança e familiaridade' é reportada por mais de metade das vítimas (66.7%), bem como o recurso a estratégias de 'engano, confusão, surpresa' (56.4%)", é descrito. "De forma menos expressiva, oito vítimas referem os 'comportamentos de duplo significado' e sete mencionam o 'aliciamento com recompensas' (afetivas, materiais ou outras)".
4. Qual o impacto das situações abusivas nas vítimas?
Segundo o Grupo VITA, "em termos de impacto a curto, médio e longo prazos, é possível identificar um conjunto de alterações físicas ou psicossomáticas, cognitivas, emocionais e comportamentais", entre elas:
- alterações nos padrões do sono;
- dificuldades/disfunções sexuais;
- alteração ao nível das crenças religiosas;
- surgimento de pensamentos ruminantes/intrusivos;
- irritabilidade/raiva, vergonha;
- medo, tristeza, culpa, nojo;
- desamparo e desconfiança;
- isolamento;
- evitamento de situações/locais/pessoas/atividades/temas;
- agressividade e tentativas de suicídio.
"Globalmente, os dados parecem apontar para um maior número de impactos em situações em que a vivência abusiva decorreu mais do que uma vez", é frisado.
O grupo nota ainda que a necessidade mais frequente das vítimas é o "apoio psicológico (em 71.8% das vítimas), sendo que mais de metade das vítimas nunca teve acompanhamento psicológico, e 33.3% teve esse apoio no passado".
"Um pouco mais de metade (53.8%) teve/tem apoio psiquiátrico, sendo cerca de um quinto as que referem beneficiar atualmente desse apoio. Das vítimas que mencionaram ter ou já ter tido apoio psiquiátrico, na sua maioria foi com medicação psiquiátrica (61.5%)", pode ler-se.
O relatório diz ainda que "para nove das vítimas a toma de medicação ocorre atualmente, e sete mantêm a medicação que começou a ser tomada no passado".
Atualmente, "as consultas de Psicologia e de Psiquiatria estão a ser asseguradas pela Bolsa de Profissionais constituída pelo Grupo VITA e estes custos estão a ser suportados pela Igreja".
Até ao momento, "foram encaminhadas três situações para a APAV, ao abrigo do protocolo existente entre esta entidade e a Diocese de Lisboa. Destas, apenas uma se mantém ainda em acompanhamento, na medida em que as restantes vieram a solicitar acompanhamento psicológico por parte dos profissionais da Bolsa do Grupo VITA. Numa situação concreta, e devido à ideação homicida e, posteriormente, suicida, foi necessário articular com o INEM", é também apontado.
Quanto às indemnizações, "apenas quatro vítimas indicaram, numa fase inicial, a vontade de ser indemnizadas. À data atual, em que este relatório é apresentado, algumas vítimas reportaram ter a intenção de analisar a possibilidade de pedir uma indemnização".
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