Trabalham no setor das artes performativas e deixaram há pouco o centro da capital para comprar casa em Carnaxide, nos arredores da capital.
“Nenhuma de nós tinha pensado alguma vez casar”, contou à agência Lusa Ana Rita Osório.
O desfecho de outras histórias menos felizes fê-las dar esse passo, depois de verem pessoas que “viviam juntas há bastante tempo e ficaram desprotegidas”, quando uma delas morreu, contou Rita Rio Sousa.
Num dos casos, quando um dos elementos do casal adoeceu, o outro não pôde visitá-lo no hospital por não ser da família, chegando mesmo a haver litígio com os familiares.
“Foi uma forma de nos protegermos uma à outra, a partir do momento em que estamos a construir uma vida em conjunto. Além da questão romântica, claro!, que também é importante”, assumiu a companheira.
Mantêm uma boa relação com a família, têm sobrinhos em idade escolar, que acompanham, mas até ao casamento a família encarava a relação como um namoro, “uma coisa que ia passar”, apesar de assumirem o compromisso e viverem juntas como hoje.
“Agora deparamo-nos com outras questões”, confessou Ana Rita: “Trocámos de casa há cerca de um ano e as pessoas tendem a pensar que somos amigas, irmãs, nunca assumem que somos um casal”.
Vivem num prédio de 10 andares e em todos eles há uma família, com um pai, uma mãe e um filho.
“Quando viajamos existe a necessidade de perguntar qual é o vínculo familiar. No hotel ou quando chegamos a algum sítio pedem desculpa por ser uma cama de casal que nos está atribuída quando foi isso que pedimos. Isto tem sido uma constante”, afirmou Rita Rio.
Todos os meses têm “uma história qualquer”, associada à relação. “Perguntam sempre se somos irmãs, apesar de não sermos nada parecidas” (risos).
Não sentem discriminação, mas notam que existe “pouco à vontade para falar” sobre a questão.
“Enquanto adulta nunca senti discriminação, na escola alguma”, referiu Ana Rita Osório, 40 anos, diretora executiva do Teatro São Luiz, que confessou ter uma vida “bastante protegida”.
No meio em que trabalham (cinema e teatro), a opção que fizeram é uma “não questão”. Consideram mesmo que são “muito protegidas”.
“Trabalho numa empresa municipal. No meu trabalho confrontei pela primeira vez a senhora dos Recursos Humanos. Falei da minha mulher, da minha casa. Ela ficou surpresa, mas contente. Foi agradável”, recordou.
Rita Rio Sousa, 36 anos, gosta de ir buscar o sobrinho de 6 anos à escola e de responder às perguntas que vai fazendo sobre o facto de ter duas tias que são casadas como o pai e a mãe.
A adoção é uma possibilidade ainda em avaliação. “Para mim, a adoção é sobretudo dar uma oportunidade, que eu também tive e tenho uma vida ótima. Às vezes pensamos nisso, mas ainda não decidimos”.
Face à evolução da sociedade portuguesa na última década, Ana Rita Osório não tem dúvidas. “Sinto uma diferença gigantesca. Quando era adolescente conhecia meia dúzia de atrizes, aliás eu nem conhecia meia dúzia de atrizes, sabia que três atrizes eram lésbicas. Eu nem sabia muito bem o que era”.
“É uma diferença gigantesca desde que o casamento foi aprovado”, declarou, considerando que “já é um não assunto em alguns casos”.
No entanto, fora dos grandes centros urbanos, no interior do país, ainda é “muito complicado”.
“Ser gay em Viseu não é o mesmo que ser gay em Lisboa e ser casado em Lisboa também não é a mesma coisa que ser casado em Viseu”, resumiu.
“No meio em que vivemos é tudo muito mais fácil”, concordaram.
O parlamento português aprovou a 08 de janeiro de 2010, com 126 votos a favor, 97 contra e sete abstenções, o acesso ao casamento civil por pessoas do mesmo sexo, um dia que a ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo) Portugal consideraria histórico, embora deixando a ressalva de que seria ainda preciso lutar pelos direitos de parentalidade.
A lei que permitiu o casamento foi publicada em 31 de maio e entrou em vigor cinco dias depois.
*Por Ana Mendes Henriques, da agência Lusa
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