A conversa com Andreas Kraemer aconteceu em Berlim, cidade onde está sediado do Instituto Ecologic, que fundou em 1995, um think tank académico vocacionado para as questões do ambiente.
“Entreguei as rédeas, reformei-me há quatro anos e está a minha sucessora à frente da Ecologic. Ela [Camilla Bausch] é 15 anos mais nova, advogada, tem um doutoramento, é melhor que eu em todos os aspetos (risos). Desde então eu tenho um portfólio de atividades e ainda trabalho com institutos ecológicos em algumas atividades — e, entre essas atividades, sou um dos diretores da Fundação Oceano Azul, em Lisboa, onde vou regularmente. Todos os outros administradores são portugueses e todos conseguem referir-se a um peixe pelo seu nome latino, mesmo quando está cozinhado num prato. São todos biólogos marinhos. Eu sou o único que não consegue fazer isso. Mas eu sei como fazer organizações sem fins lucrativos funcionar e crescer, e foi por isso que me chamaram”, conta.
Nascido em Dortmund, Andreas Kraemer estudou gestão industrial, mais especificamente da indústria petroquímica, antes de se dedicar à engenharia e ciência ambiental. A nossa conversa tem lugar no âmbito da iniciativa Cop by Electric Car — uma viagem que arrancou de Lisboa rumo a Katowice, cidade polaca de recebe a 24.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP24). Promovida pela Get2C, esta iniciativa visa abordar temas como sustentabilidade, mobilidade elétrica e estilos de vida. São 3200 km, 7 países em oito dias, que o SAPO24 está a acompanhar, quilómetro a quilómetro, no especial Missão Katowice.
De olhos postos nesta cimeira do ambiente, Andreas diz-se otimista com os avanços técnicos que possam vir a ter lugar para a implementação do Acordo de Paris, mas não acredita que se verá um aumento de ambição por parte dos países em relação às metas climáticas. Considera que a política serve para moldar o futuro, mas lamenta que muitos políticos estejam a olhar para o passado. Quando lhe perguntamos por presidente dos Estados Unidos, a resposta é pronta: Donald Trump não é um líder. E quando lhe falamos sobre a desconfiança que existe quanto às alterações climáticas, responde-nos que só não vê quem não quer ver.
Gostava de começar a nossa conversa pelos oceanos. A questão das alterações climáticas está na ordem do dia. Desde o domingo [2 de dezembro] que Katowice recebe a 24.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas. Qual é o papel dos oceanos neste futuro sustentável que se pretende construir?
Antes de mais, o oceano já nos deu e dá tanto. Quando olhamos para toda a emissão de dióxido de carbono (CO2) desde o início da revolução industrial, toda a energia que foi libertada através da queima de petróleo, carvão e gás; quando olhamos para todo o calor que foi preso pelo efeito de estufa e que existe adicionalmente do planeta por causa dessa revolução industrial… a maior parte disso está nos oceanos. Se os oceanos não tivessem absorvido tudo isso nos últimos 150 anos a atmosfera seria muito mais quente do que já é hoje. Portanto, antes de mais, devemos todos agradecer ao oceano por aquilo que já fez no passado: alimentou-nos, forneceu-nos proteína, garante que o nosso planeta é habitável.
E o oceano vai continuar a desempenhar esse papel, mas como dizem as pessoas que vivem junto à costa: o aquecimento da terra deixou o oceano zangado. Temos tempestades mais violentas, temos um aumento do nível do mar mais abrupto, a energia das ondas é maior. O oceano está zangado. Agora, ele continuará, no futuro, a absorver calor, mas poderá também libertar mais dióxido de carbono porque a água fica mais quente e logo liberta mais. No entanto, também devemos olhar para o oceano porque é um bom armazenador de carbono, já que tem ecossistemas capazes de absorver carbono — o ecossistema manguezal, os prados marinhos em as áreas rasas, as florestas de algas. Devemos é ajudar o oceano a fazer o seu trabalho e não destruí-lo.
E que papel pode ser o de Portugal?
A área marítima de Portugal é cerca de 40 vezes o seu tamanho [com a extensão da plataforma continental que está a ser negociada]. Se pensarmos nisso, a maior parte de Portugal [cerca de 97%] está debaixo de água. Já Alemanha tem uma área de mar muito pequena — claro que a Alemanha tem capacidade tecnológica, mas mentalmente não é um país que olha para o mar. Em Portugal as pessoas das ilhas vivem rodeadas de mar, e grande parte das pessoas em Portugal pode ver o oceano do local onde vive e entende o seu papel. Então, Portugal tem muito mais oportunidades para colher o que o oceano nos dá em recursos, e não estou a falar apenas de peixe, mas também de energia das ondas, energia das correntes, energia eólica offshore, a diversidade biológica e a informação genética da qual podemos, por exemplo, criar medicamentos. Há tantas possibilidades, há tanto que Portugal pode fazer cujo potencial não foi ainda totalmente explorado. O oceano é uma herança e o futuro, e penso que é importante entendê-lo não apenas no sentido físico e biológico, mas também no sentido espiritual. O oceano contém uma paisagem cultural submersa. Pensem nisso assim e é absolutamente belo. E é aí que o futuro de Portugal está.
"Há espaço para aumentar a ambição, mas acho que não será em Katowice"
O Andreas fundou a Ecologic há 23 anos. Quais são as suas expectativas em relação à COP24?
A COP24 é, por um lado, uma reunião técnica. Muito trabalho de preparação foi investido a negociar documentos que são muito detalhados e [Katowice] é onde as coisas têm de ficar definidas para que seja colocado em prática o processo de implementação do Acordo de Paris. Desse ponto de vista mais técnico estou bastante otimista. Mas, ao mesmo tempo, há alguma expectativa de que Katowice produza uma nova ambição climática e um novo entendimento que aumente a colaboração entre países no desenvolvimento de soluções para o desafio climático. E aí não estou tão confiante porque há muitos países que estão a resistir à ideia. Isto quando, paralelamente, vemos que há cada vez mais estudos que nos dizem duas coisas: a primeira que as alterações climáticas vão surgir mais depressa e serão pior do que esperávamos; a segunda é que mudar o nosso estilo de vida está a tornar-se cada vez mais barato. Portanto, há espaço para aumentar a ambição, mas acho que não será em Katowice.
Esta conferência do clima acontece num país [Polónia] cujo perfil energético é ainda muito assente num combustível fóssil, o carvão…
A Polónia tem dois desafios, um é proteger a sua segurança energética da interferência da Rússia. Porque a Polónia não gosta da ideia de estar dependente da Rússia para a importação de gás ou de carvão, não confia dessa forma nos seus vizinhos. Além disso, a Polónia não está suficientemente integrada no sistema energético europeu ocidental para sentir a segurança de saber que o país terá sempre um fornecimento de energia. Se quisessem fazer face a esse desafio deviam claramente investir em energia eólica e solar e biomassa, só que não estão a fazer isso. O segundo desafio tem a ver com o enquadramento mental dos líderes polacos que acreditam no carvão quase de forma religiosa. Eles não entendem que hoje é mais barato montar turbinas eólicas do que por exemplo manter centrais a carvão a funcionar. Estão presos no seu enquadramento ideológico e não estão considerar sequer os aspetos económicos.
"Porque é que alguém ao dia de hoje quereria desenvolver o seu país com tecnologia do século XIX?"
Mas os países têm direito à sua segurança energética e inclusivamente ao seu desenvolvimento. É aliás um argumento muitas vezes utilizado.
Mas quem disse que o desenvolvimento só é possível explorando carvão ou nuclear? É na verdade mais barato, mais rápido e mais benéfico para a sociedade como um todo apostar no desenvolvimento com energia solar, eólica, com armazenamento em redes inteligentes. Porque é que alguém ao dia de hoje quereria desenvolver o seu país com tecnologia do século XIX?
Isso pergunto-lhe eu. Qual é o entrave para a mudança?
Não lhe consigo dizer o que vai na mente dos líderes polacos. Eu assumo sempre que há pessoas que não conseguiram perceber a nova dinâmica dos tempos, as novas tecnologias e a sua eficiência. Mas também sinto que isto tem a ver com as estruturas de poder instaladas. A economia do carvão na Polónia é muito poderosa, é muito bem relacionada politicamente, há pessoas que têm benefícios deste status quo e resistem à mudança em benefício pessoal.
E neste contexto como é que vê líderes políticos como Donald Trump e o seu posicionamento relativamente às alterações climáticas?
Donald Trump não é um líder. Ele é motivado por uma ideologia que é em parte sua e em parte das pessoas que o apoiam financeiramente e politicamente. E o facto de eles negarem as alterações climáticas mostra o quão fraco é o seu argumento. Eles não estão a usar argumentos racionais, não estão a utilizar argumentos com base no custo, não estão a utilizar argumentos sensatos sobre a velocidade de transição, sobre as opções tecnológicas, sobre ciclos de investimento e coisas afins. Eles estão a criar um argumento ideológico porque com base em argumentos razoáveis não conseguem vencer a discussão. Têm uma posição ideológica que em última instância é indefensável.
O que diria a quem olham efetivamente para a questão das alterações climáticas como algo que lhes está a ser imposto, que não têm essa urgência toda, para quem sente que está a ser forçado a mudar o seu estilo de vida por algo que não é palpável?
Bem, as pessoas não têm de forçosamente mudar de vida. Não tens de mudar a tua vida se passares de um carro a combustão para um carro elétrico. Nada muda na tua vida, exceto o facto de que se torna mais barato, limpo e silencioso. E o carro até tem um melhor desempenho (risos).
Ainda assim há toda a questão dos carregamentos, por exemplo, e isso causa desconforto.
Sim, as pessoas têm de esperar que os carros carreguem, mas as baterias estão a evoluir, os carregadores estão a evoluir.
Então, diria que estamos num período de transição?
Estamos num momento de transição e a maioria das pessoas usa os seus carros para conduzir distâncias de menos de 20, 30 ou 50 quilómetros por dia. É raro viajarmos distâncias em que temos de usar toda a bateria de um carro e reabastecer. Mas ainda assim, depois de se conduzir durante três horas, talvez seja saudável fazer uma pausa de meia hora.
"A política é sobre moldar o futuro, mas muitos políticos estão a olhar para o passado."
Se há uma oportunidade económica nesta transição verde, que oportunidade será essa? E, mais uma vez, qual é o entrave?
O cientista político em mim diz simplesmente que as pessoas estão sempre mais ligadas ao que têm hoje. A indústria do carvão, os fabricantes de carros com motores de combustão… todos estão a fazer dinheiro hoje, estão bem financeiramente e bem conectados com o sistema político, o que lhes dá influência. Os novos empreendedores, as pessoas que criam tecnologia, as pessoas que constroem os Tesla e os postos de carregamento para veículos elétricos, eles são empreendedores, têm novos negócios e estão ocupados a construir esses negócios. Não tiveram tempo de criar alianças com o sistema político. Assim, quando chegamos aos legisladores, eles estão sempre mais focados nos interesses dos poderes instalados em vez de olhar para o futuro. A política é sobre moldar o futuro, mas muitos políticos estão a olhar para o passado.
Alguém sugeriu ao longo desta viagem que talvez sejam necessários novos rostos que advoguem por esta transição para uma sociedade mais sustentável, rostos que não tenham ligações políticas. Pode ser um caminho para envolver mais as pessoas?
Nós precisamos sempre de novos rostos, e rostos diferentes. Pessoas diferentes alcançam comunidades diferentes, seja por idade, género, nacionalidade, interesse... pessoas que vivem junto ao mar dão ouvidos a pessoas diferentes do que aquelas que vivem nas montanhas. Então, sim, precisamos que as pessoas falem de forma positiva sobre o futuro, que vivam dando o exemplo, mas que também falem sobre esse exemplo.
"Tens de querer não ver para ainda fingir que as alterações climáticas não estão a acontecer."
Mas as coisas não parecem encaminhadas. Recentemente, um relatório nas Nações Unidas concluiu que os países se estão a desviar da meta firmada em Paris de limitar o aumento da temperatura global a 2ºC ou, preferencialmente, ao 1,5ºC.
Há três questões a referir: A primeira é que, pela sua natureza, o processo de negociações internacional é muito lento, porque estamos sempre à procura de consensos, de criar acordos que são aceites por quase 200 países. Esse é um processo necessariamente longo por causa do número de países envolvidos e por causa da complexidade do tema. Não podemos acelerar muito isso. No entanto, paralelamente, também vemos cada vez mais estudos a dizer que as alterações climáticas estão a acontecer e a impactar a nossa economia, a nossa vida, a nossa segurança, estão a induzir e emigração, estão a destruir o modo de vida das pessoas. Tudo isto está a acontecer e a acontecer mais rápido do que pensávamos e o impacto é maior do que pensámos também. O terceiro aspeto é que quando olhamos para o custo das energias renováveis e para o custo de redes inteligentes de energia, ou para a mobilidade elétrica, esses custos estão a cair, e a cair mais rápido do que qualquer um poderia prever. A Agência Internacional de Energia estima o quão rápido as energias renováveis vão crescer e o quanto vão custar, e todos os anos eles revêm essa estimativa porque está a crescer mais depressa e a ficar mais barata mais rápido. Então há três mensagens a considerar: a primeira é que o sistema é lento, a segunda é que a urgência está a aumentar e, em terceiro lugar, e está é a mensagem de esperança, a mudança está a ficar mais barata todas as semanas.
Quando diz que a mudança é urgente, as pessoas podem pensar: não no meu caso, não vivo nas ilhas do Pacífico, pode ser urgente para si mas não para mim.
Mas quando vives nas montanhas, como resultado da mudança do clima, tens temperaturas mais altas. Há incêndios florestais graves como em Portugal ou na Califórnia, há quebras na agricultura em algumas partes do mundo. Não há ninguém em nenhuma parte do mundo que não seja de alguma forma já afetado pelas alterações climáticas, do Ártico aos Trópicos, sofremos os efeitos em todo o lado. Tens de querer não ver para ainda fingir que as alterações climáticas não estão a acontecer.
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