Uma caixa, um hipopótamo pigmeu e uma nova morada. José Maria nasceu em Portugal e seguiu para Itália em 2014. É a história de um animal semelhante a muitas outras, mas já lá vamos. Antes de mais, é preciso saber o que motivou esta viagem.
"Neste momento não se vai buscar animais ao habitat natural, por isso, tem de haver trocas entre Jardins Zoológicos”, explica José Ferreira, curador de mamíferos no Jardim Zoológico de Lisboa ao SAPO24.
O zoo, localizado em Sete Rios, participa em cerca de 60 programas de reprodução de espécies ameaçadas. Mas o seu grande orgulho está no Leopardo-da-pérsia, cujo programa de conservação coordena. Esta espécie está em risco de extinção, mas já está a ser reintroduzida na natureza através do Centro de Conservação de Leopardos-da-pérsia em Sochi, na Rússia.
A troca de animais serve vários propósitos, mas tem como principal objetivo assegurar a “variabilidade genética das espécies ameaçadas”, ou seja, garantir que não há deficiências em resultado do cruzamento sucessivo do ADN da mesma família e para assegurar que as espécies reagem bem a adversidades externas.
A troca de animais entre zoos é realizada de acordo com as normas definidas pela Associação Europeia de Zoos e Aquários (EAZA), onde o zoo de Lisboa se inclui juntamente com cerca de 300 instituições.
Existe um programa de reprodução para cada uma das espécies ameaçadas. Este programa inclui um coordenador que decide para onde é que os animais são enviados e de quem é que os vai receber. O processo analisa várias variáveis, desde a idade do animal e a sua genética até à distância entre zoos. “Este macho será um bom ‘match genético’ para uma fêmea de Madrid, então ele é enviado para lá para se reproduzir”, explica José Ferreira.
Normalmente, “as trocas acontecem antes da maturidade sexual da espécie”. Ou seja, o animal viaja até à nova instalação antes de iniciar a sua fase reprodutiva.
“Nós humanos somos pior transportados em aviões do que os animais”
Os jardins zoológicos têm duas listas, uma com animais que lhes são excedentes, onde incluem aqueles que não se conseguem reproduzir, para os quais o zoo já não têm espaço ou que geram conflitos; e têm outra lista com as necessidades, onde incluem os animais de que precisam para reproduzir as suas espécies.
Não há valor monetário associado às espécies nestas trocas, apesar de existirem espécies que, devido ao seu grau de conservação, são mais valiosas do que outras. E nem sempre as trocas são diretas, ou seja, quem dá um leopardo-da-pérsia, não tem de receber outro de volta.
Os animais podem ser trocados pelas vias terrestre, marítima ou aérea. Todas elas são altamente controladas por padrões regulados por entidades externas. “Nós humanos somos pior transportados em aviões do que os animais”, confessa o curador dos mamíferos do zoo de Lisboa. No caso da via aérea, a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA) regula ao milímetro as condições de transporte dos animais. Quando partem para uma viagem todos os padrões estão controlados, desde humidade e temperatura até à quantidade de comida ou espaço de movimentação.
Mas há casos curiosos, como o Coala viaja à pendura com o tratador. Também o caso da girafa tem a sua particularidade, tendo em conta a altura do animal, por vezes a caixa chega a ter 4 metros de altura, o que impede a passagem em alguns túneis, ou debaixo de pontes, por isso, o trajeto é estudado ao milímetro.
O hipopótamo José Maria é um caso bem-sucedido de troca entre zoos. José Maria nasceu a 13 de outubro de 2011. Para Lisboa este animal era excedente e acabou por ser enviado para o Zoom Torino, em Itália, que até então não tinha nenhum hipopótamo.
O processo de transferência é complexo e, com o objetivo de não incomodar o animal, a caixa onde vai acontecer a viagem é introduzida na instalação um mês antes da mesma. José Maria foi tomando aquele espaço como seu e, quando as portas se fecharam, no dia em que partiu para Itália não houve o receio de um espaço desconhecido.
A 12 de abril de 2014, José Maria seguiu para Itália com os seus tratadores, numa viagem que durou cerca de 33 horas por via terrestre. Um dos tratadores acabou por ficar mais oito dias em Turim para se certificar que a adaptação corria da melhor forma, uma prática comum neste tipo de casos.
Mas nem sempre corre bem, por vezes há conflitos entre animais ou a reprodução não acontece. Nesse caso o plano é repensado, o coordenador do programa de reprodução analisa de novo as variáveis e, se necessário, o animal é introduzido noutra instalação ou noutro jardim zoológico.
As trocas não são compras, são necessidades que garantem que os animais possam ser reintroduzidos um dia mais tarde na natureza e que vão assegurando a continuidade da espécie, a variabilidade genética e a existência dos jardins zoológicos, um pouco por todo o mundo.
(Notícia corrigida às 12h22: altera Turin para Turim, e Zoo Turino para Zoom Torino - designação oficial do zoo de Turim).
Comentários