Na apresentação das suas prioridades, hoje perante a Assembleia-Geral em Nova Iorque, António Guterres definiu sete eixos para responder a várias crises que assolam o mundo, como guerras e conflitos em várias geografias, fome e pobreza, falta de ação climática ou desrespeito pela diversidade e por direitos civis.
O ex-primeiro-ministro português começou por lembrar que este ano assinalar-se-á o 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançando o mote para a apresentação da sua primeira prioridade: o direito à paz.
Partindo da invasão russa da Ucrânia e das suas “profundas implicações globais”, avaliou que as perspetivas de paz “continuam a diminuir” e as probabilidades de uma maior escalada e derramamento de sangue “continuam a aumentar”.
Avançando na geografia, o líder das Nações Unidas abordou o conflito israelo-palestinano, onde uma solução “se distancia a cada dia”; no Afeganistão, “onde os direitos das mulheres são pisados e os ataques terroristas continuam”; no Sahel, “onde a segurança se deteriora a um ritmo alarmante”; em Myanmar, “que enfrenta novos ciclos de violência e repressão”; e no Haiti, “onde a violência de gangues mantém o país refém”.
“Se todos os países cumprissem as suas obrigações sob a Carta [da ONU], o direito à paz estaria garantido”, observou.
Nesse sentido, e propondo uma Nova Agenda para a Paz, Guterres pediu que se invista na prevenção para evitar conflitos, mas também na reconciliação, e que se avance na consolidação da paz, através de uma participação “muito mais ampla” de mulheres e jovens.
“Precisamos de acabar com a ameaça representada por 13.000 armas nucleares mantidas em arsenais em todo o mundo”, apelou ainda.
Em segundo lugar nas suas prioridades, Guterres indicou os direitos sociais e económicos e o direito ao desenvolvimento.
“Quando vemos a pobreza e a fome a aumentar em todo o mundo (…) e que os 1% [da população mundial] mais ricos capturaram quase metade de toda a nova riqueza na última década, algo está fundamentalmente errado com o nosso sistema económico e financeiro”, advogou, pedindo uma “transformação radical” da arquitetura financeira global, que permita enfrentar as desigualdades e injustiças expostas nos últimos anos.
Dirigindo-se em particular aos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, o secretário-geral instou-os a atrair maiores fluxos de capital privado para investir na capacidade dos países em desenvolvimento de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
O direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável foi a terceira prioridade destacada no ‘briefing’, onde Guterres pediu o fim da “guerra implacável e sem sentido” contra a natureza.
“Este é um ano de ajuste de contas. 2023 deve ser um ano de ação climática revolucionária. Não há mais ‘passos de bebé’. Não há mais desculpas. Chega de ‘lavagem verde’ (greenwashing). Chega de ganância sem fundo da indústria de combustíveis fósseis e seus facilitadores”, disse.
“Devemos concentrar-nos em duas prioridades urgentes: reduzir as emissões e alcançar a justiça climática. As emissões globais devem ser reduzidas pela metade nesta década”, instou.
Ainda a nível ambiental, António Guterres afirmou que convocará em setembro uma Cimeira de Ambição Climática, em rota para a COP28 em dezembro, mas deixou um aviso aos participantes para que “mostrem uma ação acelerada nesta década e planos ambiciosos renovados… ou, por favor, não apareçam”.
Na quarta posição, Guterres priorizou o respeito à diversidade e à universalidade dos direitos culturais, que estão “sob ataque de todos os lados”, desde “a destruição de cemitérios sagrados até à conversão religiosa patrocinada pelo Estado e os chamados programas de reeducação”.
“O antissemitismo, o fanatismo anti-muçulmano, a perseguição aos cristãos, o racismo e a ideologia da supremacia branca estão em marcha. Minorias étnicas e religiosas, refugiados, migrantes, indígenas e a comunidade ‘LGBTQI’ são cada vez mais alvo de ódio”, lamentou.
Para tentar combater a propagação do ódio ‘online’, Guterres anunciou que está a trabalhar num Código de Conduta para a integridade da informação em plataformas digitais, projeto que integra o seu relatório sobre a “Nossa Agenda Comum”.
O direito à plena igualdade de género foi a quinta prioridade enumerada pelo líder da ONU, que afirmou tratar-se de “uma solução para alguns dos maiores desafios globais” da atualidade.
Apesar de dar o exemplo das mulheres e meninas no Afeganistão, que estão “exiladas no seu próprio país” e “banidas da vida pública, com todos os aspetos das suas vidas controlados pelos homens”, Guterres reforçou que a discriminação de género “é global, crónica, generalizada e retém todos os países”.
Em sexto surgem os direitos civis e políticos como base para as sociedades inclusivas.
Nesse sentido, o ex-primeiro-ministro português indicou que, apesar de a liberdade de expressão e a participação na vida política serem a “essência da democracia”, em muitas partes do mundo esses direitos estão ameaçados.
Guterres alertou ainda para o número de jornalistas mortos no ano passado, que “aumentou em 50%”, e “muitos mais foram perseguidos, presos e torturados”.
Por fim, o secretário-geral da ONU pediu que se reconheça que todas as ameaças que o mundo enfrenta “minam não apenas os direitos das pessoas hoje, mas também os direitos das gerações futuras”.
De acordo com Guterres, estas prioridades apontam o caminho para se “sair do beco sem saída” em que o mundo se encontra hoje, apelando à ação de forma decisiva, “antes que seja tarde demais”.
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