Começou comigo, o Tomás.
Corvo. O Corvo. A ilha do Corvo. O lugar sempre me suscitou curiosidade, desde que nas aulas de Estudo do Meio, no 1º ciclo, nos debruçámos sobre os grupos que compõem o arquipélago dos Açores. Das nove, na minha cabeça, ficava só uma, a mais pequena, a da ponta, aquela que era do tamanho da minha aldeia, com o mesmo número de habitantes da minha aldeia.
Na mnemónica que na altura criei para decorar o nome das ilhas, nunca começava por Santa Maria ou São Miguel, era sempre pelo Corvo. Quando a estudava imaginava que se a minha aldeia fosse uma ilha, seria assim. Tal e qual.
O bichinho ficou, foi ficando. Quanto a uma futura viagem já estava resignado, seria como um daqueles desejos que no fundo sabemos que nunca vão acontecer, mas calhou, por mera sorte, almoçar com um amigo meu do Porto que tinha ido, há um par de anos, passar sete dias ao Corvo.
A ideia renasceu e um dia, durante a cobertura de uma conferência, falei ao Pedro Marques (fotojornalista, operador de câmara, editor de vídeo, homem dos mil ofícios) tudo aquilo que sabia da ilha do Corvo - que, diga-se de passagem, na altura era manifestamente pouco. Perguntei se ele gostava de fazer um plano de reportagens e apresentá-lo. Naquele momento deixei de ser o mais entusiasmado com o plano.
Reunimo-nos com a Rute Sousa Vasco (editora) e o Paulo Rascão (também ele dos mil ofícios). Dissemos que queríamos retratar aquela ilha e eles anuíram. Falaram com o homem que melhor conhece os Açores, o Rodrigo Moreira Rato, e perguntaram-lhe o que conhecia do Corvo. Nada, era a única ilha das nove que nunca tinha visitado. Mas não fazia mal, o problema resolver-se-ia em breve.
Enquanto a ideia matutava nas nossas cabeças, deu-se o caso de o presidente da ilha vir a Lisboa à BTL, a Feira de Turismo de Lisboa, representar a sua ilha. Não perdemos a oportunidade para saber mais. Conversa puxa conversa na partilha da refeição. Quando pousámos os talheres, ninguém queria voltar para a redação, só queríamos apanhar o primeiro avião em direção ao Corvo.
Ficou falado que iríamos lá passar o fim-de-semana antes do 10 de junho, Dia de Portugal, que, por sorte, batia este ano com as Festas do Espírito Santo, uma das festividades mais típicas da ilha. Era a conjuntura perfeita, as histórias das pessoas e das tradições e o sentido de portugalidade, tudo ali condensado em cinco dias.
O Rodrigo antecipou-se, foi aos Açores e passou duas noites e três dias no Corvo. O relato e as imagens (uma das quais ilustra este texto) de uma estreia iam chegando via WhatsApp — o verde da paisagem emoldurada pelo azul do céu e do mar, as histórias de esgotar pilhas no gravador.
O Paulo, que se em algum momento poderia ter tido reticências em relação à ida, ficou encantado. Éramos já quatro rendidos. Eu, o Pedro, o Rodrigo e o Paulo.
Mas a equipa ainda não estava fechada. Chamamos o Pedro Soares Botelho, o homem dos formatos multimédia e de uma escrita capaz de levar o leitor do continente ao Corvo em apenas três linhas. Quando lhe ligámos apanhámo-lo desprevenido, mas disse: “sim, sim, sim”.
Há 95 anos, Raúl Brandão, em “As Ilhas Desconhecidas”, escreveu o seguinte sobre a ilha do Corvo: “Aqui acabam as palavras, aqui acaba o mundo que conheço; aqui neste tremendo isolamento onde a vida artificial está reduzida ao mínimo só as coisas eternas perduram”.
Quase um século depois, sabemos que o Corvo mudou e já não está tão distante. A ilha mais pequena dos Açores transformou-se. Mas como? Em quê? Como é hoje viver numa ilha com 462 habitantes, 6,5 quilómetros de comprimento e 4 de largura, a 1890 quilómetros de distância do continente? Como é viver numa ilha sem criminalidade e desemprego? Com 10 quilómetros de estrada, uma bomba de gasolina e duas caixas multibanco. Mais, em que é que se quer transformar o Corvo? Os números, soltos, inseridos no contexto de uma ilha pequena, suscitam a curiosidade, convidam ao retrato.
Escolhemos, para o projeto, o nome “Até aqui, Portugal”. É um título que é um pin, uma linha estirada do continente ao Corvo para nos lembrar da largura do nosso país e das nossas gentes.
Hoje aterramos lá.
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