Quando substituiu o pai, Hafez al-Assad, um mês depois da sua morte, Al-Bashar incorporava uma esperança de abertura democrática e no seu discurso de tomada de posse prometeu modernizar leis, para eliminar a burocracia e revitalizar as empresas.
Uma imagem muito distante da atual de pária e líder autoritário que reprimiu com sangue a revolta popular de março de 2011.
Oftalmologista formado no Reino Unido, o agora Presidente regressou à Síria em meados dos anos 1990, após a morte do seu irmão, o filho que deveria suceder a Hafez al-Assad.
Quando chegou ao poder “havia muita ansiedade. A Síria não conhecia uma transição pacífica do poder há décadas”, lembra Faysal Itani, do instituto de investigação norte-americano Center for Global Policy, citado pela agência France-Presse.
“Isso dissipou-se rapidamente, à medida que Al-Bashar se instalou e projetou essa aura de modernidade, juventude (tinha 34 anos) e abertura”, adianta.
No espaço de alguns meses, intelectuais, advogados e professores sírios organizam debates políticos, publicam e distribuem comunicados pedindo reformas, uma situação sem precedentes num país em estado de emergência há quase 40 anos, habituado a temer e a silenciar.
Mas o otimismo não dura muito tempo, no final de 2007 os que se lhe opõem começam a ser amordaçados e detidos.
Também a abertura económica é contrariada por uma “corrupção feroz dentro do círculo próximo de Al-Bashar”, segundo Faysal Itani, que refere um consequente aumento das desigualdades sociais e a queda na “pobreza extrema” de “grande parte da classe média e da população rural”.
Bashar al-Assad ainda é convidado para o desfile da festa nacional de França em 2008, mas a violenta repressão pelo seu regime das manifestações pacíficas de 2011, em plena “Primavera Árabe”, desencadeia a guerra civil na Síria, levando os países ocidentais a pedirem a sua demissão e a imporem sanções económicas.
Com a ajuda dos seus aliados russos e iranianos, o Presidente sírio sobreviveu a mais de nove anos de guerra, que já causou mais de 380.000 mortos e obrigou milhões a abandonarem as suas casas, com o regime a ser responsabilizado por três ataques químicos pela Organização para a Proibição de Armas Químicas.
Agora, Al-Assad “enfrenta desafios de governança e de soberania impostos pela guerra civil ainda em curso”, como “a destruição de infraestrutura, a presença estrangeira na Síria e a falta de controlo na região de Idlib (o último grande bastião insurgente no país), assim como no leste”, assinala Carmit Valensi, investigadora do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS, na sigla em inglês) israelita.
Além disso, a crise económica tem vindo a piorar, agravada pela pandemia do novo coronavírus, e foram impostas novas sanções norte-americanas. Com a desvalorização da moeda nacional subiram os preços dos produtos essenciais.
Num país onde “mais de 80% da população vive abaixo do limiar da pobreza”, a situação provocou “raros protestos em áreas controladas pelo governo de Al-Assad” em junho, nota o jornalista Albert Aji, da Associated Press, num artigo no jornal norte-americano Spokesman-review.
No mês passado o Presidente demitiu o primeiro-ministro e para a próxima segunda-feira estão previstas eleições legislativas, já adiadas duas vezes devido à pandemia.
Cerca de 2.100 candidatos concorrem aos 250 lugares do parlamento e a eleição será realizada em áreas controladas pelo regime, com sondagens parciais a ocorrer em regiões onde ele tem algum controlo, como Hasakeh, Idlib e Raqa, segundo o portal noticioso sobre o Médio Oriente Al Bawaba.
O partido Baas, no poder há meio século e intimamente ligado ao clã Assad, tem vencido as legislativas por larga margem. No último escrutínio, em abril de 2016, a Frente Progressiva Nacional (aliança do Baas com nacionalistas e comunistas) conquistou 80% dos votos e elegeu 200 deputados.
Para o jornalista sírio Baha al-Awam, “as eleições na Síria são mais um processo de recrutamento realizado através de uma competição governamental, do que uma eleição ‘per se'”. Os países ocidentais não reconhecem os resultados das eleições.
As presidenciais estão marcadas para 2021 e o chefe da diplomacia sírio, Walid Muallem, repetiu recentemente que “o Presidente Al-Assad vai continuar enquanto o povo sírio quiser”.
“Bashar parece-se com Hafez na sua tenacidade e capacidade para manter intacto o coração do regime. Simplesmente não é tão competente ou afortunado”, considera Faysal Itani.
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