“Parece-nos que é objetivo, basta ler o estatuto dos altos titulares de cargos [políticos], que a ex-secretária de Estado [do Turismo, Rita Marques] está numa situação de incumprimento da lei, ou seja, uma pessoa, depois de estar no Governo, não pode ir para uma empresa privada cujo setor tutelou diretamente, exceto se estiver a voltar para o emprego que tinha antes”, declarou Catarina Martins.

A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) falava aos jornalistas depois de ter visitado o Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados, em Lisboa, acompanhada pelo presidente do Partido da Esquerda Europeia, Walter Baier, e pela vereadora do BE na Câmara Municipal de Lisboa, Beatriz Gomes Dias.

Catarina Martins vincou que “ir para um novo cargo numa empresa que tutelou diretamente sem passarem três anos é ilegal” e, no caso de Rita Marques, acresce que “tomou decisões sobre esta empresa muito especificamente”.

“Há um despacho assinado por Rita Marques menos de dez dias antes das eleições que concede benefícios fiscais que não são negligenciáveis - podem chegar a centenas de milhares de euros - à empresa que agora a contrata”, disse, referindo-se a um despacho assinado pela ex-secretária de Estado do Turismo que concede o estatuto definitivo de utilidade turística à WoW, empresa que detém a The Fladgate Partnership, que Rita Marques vai agora administrar.

Para a coordenadora do BE, o Governo precisa, "no mínimo", “de olhar para este despacho e o anular, porque senão isto dá o sinal ao país de que pode haver um interesse particular de um governante” em beneficiar uma empresa, “em troca de um emprego quando sair do Governo”.

“Uma coisa é o caminho que fará sobre as sanções que a lei prevê - que, na verdade, sabemos que deveriam ser mais fortes - mas outra questão é o que é que o Governo fará para saber que não houve um privilégio a esta empresa, que é indevido, por um eventual interesse pessoal da ex-secretária de Estado”, referiu.

Catarina Martins salientou ainda que, além deste despacho houve também “aparentemente mais de 30 milhões de euros em fundos públicos que foram entregues à empresa” durante o mandato de Rita Marques.

“Nada disto pode ficar sem investigação e sem o Governo tomar decisões, sob pena de compensar ir contra a lei”, salientou.

A coordenadora do BE apelou a que o Governo “averigue como é que foi tomada esta decisão” e “proteja o interesse público em tudo isto, porque, até agora, o interesse público parece bastante desprotegido”.

Questionada sobre o argumento legal que o BE invoca para pedir a revogação do despacho, Catarina Martins salientou que “não tem de existir um argumento legal para o Governo perceber que tem um problema”, acrescentando que “os governos não tomam decisões legais, tomam decisões políticas”.

Catarina Martins salientou que, mesmo que o Governo descubra que “a empresa precisava daquele estatuto” e “tinha muito direito a ela”, deve ser “outra pessoa a avaliar o caso e a decidir sobre o caso” e não Rita Marques.

Interrogada se o BE equaciona apresentar propostas para alterar a lei e prever sanções mais duras em casos como o de Rita Marques, Catarina Martins disse que sim, acrescentando que, “infelizmente”, este não é o primeiro caso em que é demonstrada “a necessidade de apertar a malha da lei”.

Segundo a coordenadora do BE, o seu partido está a estudar uma alteração à lei para prevenir casos como o do marido da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que acedeu a fundos europeus.

“É verdade que, quando se percebe que as leis não chegam, é preciso melhorá-las. Mas eu digo uma coisa: nada disso iliba a responsabilidade política e a responsabilidade ética de quem decide encontrar alçapões na lei para fazer aquilo que a democracia não pode aceitar”, indicou.

No sábado, o jornal Observador noticiou que, apesar de a lei prever um período de nojo de três anos, Rita Marques, que deixou o Governo há pouco mais de um mês, vai agora administrar a The Fladgate Partnership, que detém a WOW, uma empresa à qual, enquanto secretária de Estado, concedeu o estatuto definitivo de utilidade turística.

À SIC Notícias, a ex-governante classificou o regresso ao setor privado como “legítimo” e afirmou estar “absolutamente segura das decisões tomadas enquanto secretária de Estado” e também “das que toma na esfera privada desde que deixou o Governo”.