António Borges Coelho, que completou 90 anos no passado dia 04 de outubro, dia de S. Francisco de Assis - uma das “recordações simpáticas” que guarda dos seus tempos de seminarista -, disse que aceitou “com júbilo” o prémio, quando foi informado pelo reitor da Universidade de Lisboa, António Cruz Serra.
“Aceitei com júbilo porque é a minha universidade, trabalhei lá, e fui aluno. A minha primeira matrícula foi em 1948/49, depois fiz uma interrupção de onze anos, em que me entreguei à luta política por inteiro [no Movimento de Unidade Democrática-Juvenil], e estive seis anos e meio afastado do planeta, metido nas prisões fascistas, e retomei o curso em 1962/63, e licenciei-me com uma tese em filosofia sobre Leibniz”.
Em declarações à Lusa, o historiador referiu que terá “sido o último” a completar a licenciatura em Histórico-Filosóficas, entretanto reestruturada, tendo dado lugar às Licenciaturas de História, com as suas variantes, Arte e Arqueologia, e à de Filosofia.
Borges Coelho regressou à Universidade de Lisboa em 1974, depois da Revolução de Abril, como professor, e ali lecionou durante 24 anos, período que apontou como a “época mais entusiasmante” da sua vida, tendo dado a sua última lição em 1998.
Naquela época, “havia uma apetência doida pela História, na sociedade, eram não só os alunos habituais que se matriculavam no curso de História, como os adultos que iam às aulas". "Havia um interrogar, um querer saber”, disse o historiador, recordando que antes do 25 de Abril, “a História terminava praticamente na Revolução Francesa [1789-1799], a História Contemporânea e até mesmo a Época Moderna, pouco tinha adiantado, pelo menos [na Universidade de] Lisboa; [enquanto Jorge] Borges Macedo já tinha ido até à Época Moderna”, em Coimbra.
O ex-professor da Faculdade de Letras de Lisboa recordou o “convívio, e até a contradição, e o diálogo entre alunos e professores, que foi muito intenso”, durante os anos em que lecionou.
“Não concebo uma aula em que o professor está a debitar matéria, ou a fazer um ditado, e o aluno leva para casa um caderno durante um ano e conclui a cadeira com 18 [valores]; não concebo isto! As minhas aulas foram organizar trabalho, aprender como se faz a História e como se escreve a História, [porque] tem os seus métodos e tem as suas fontes. Antigamente, antes do 25 de Abril de 1974, repetiam e repetiam, quando o que é preciso é interrogar, questionar”.
Define-se como um historiador de combate aos dogmas, o que se fez notar logo na sua primeira obra historiográfica, “Raízes da Expansão Portuguesa” (1964), proibida de circular semanas depois da sua publicação pela censura, a estrutura de repressão intelectual da ditadura.
O historiador defende, nesta obra, que a expansão portuguesa, nos séculos XV e XVI, designadamente, a expansão marítima, foi impulsionada pela “alta burguesia marítima agrícola” e não pela nobreza, contrariando a visão dominante da época.
A sua investigação sobre a Inquisição de Évora, tema da tese de doutoramento, defendida em meados da década de 1980, “foi brutal” e preocupou algumas consciências.
A sua apresentação, na Aula Magna da Universidade de Lisboa – “que parecia um interrogatório da Inquisição” -, levantou os alunos da Faculdade de Letras, face à hipótese de reprovação.
Borges Coelho recorda que a tese não agradou a certos setores, mas ele estava disposto, em caso de reprovação, a publicá-la em livro, deixar a universidade e dedicar-se à literatura.
Em declarações à agência Lusa, recordando o caso, o historiador recordou que o arguente, o cónego Isaías da Rosa Pereira (1919-1998), lhe tinha pedido para adiar as provas, pois conviria fazer alterações, o que recusou, pois “tinha a consciência de que a tese era brutal, como brutal tinha sido a Inquisição”.
“Não escondi absolutamente nada, mas como tudo num livro de História, é uma construção”, disse.
Após a apresentação e manifestação de apoio dos alunos, à noite, Borges Coelho recebeu um telefonema de um membro do júri, que o tranquilizou, apesar “de ele ter indicações para fazer um papel justificando o chumbo”, e, no dia seguinte, depois do segundo arguente e, em reunião de júri, Jorge Borges de Macedo, “um homem de cabeça”, “imediatamente pôs os pontos nos ii afirmando que só podiam dar a nota máxima”.
A obra "Inquisição de Évora", em dois volumes foi publicada em 1987.
Referindo-se a Jorge Borges de Macedo (1921-1996), disse: “Concordantes ou discordantes, respeitámo-nos sempre mutuamente, e ele não era um professor qualquer, era uma cabeça”, acrescentando que, quando se deu esse episódio na Aula Magna, sentiu como conseguia espoletar uma "força cívica".
António Borges Coelho, entre outras distinções, recebeu o Prémio da Fundação Internacional Racionalista, e foi agraciado pelo Estado português com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada.
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