No documento da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, assinada pelo juiz Carlos Alexandre, em que cita o Ministério Público, lê-se que este alegado ilícito, que terá servido para a empresa pagar um valor inferior por este benefício ao que foi depois calculado, no caso do Crédit Suisse foi em "resultado da conjugação dos arguidos Rui Cartaxo [do gabinete de Manuel Pinho, foi depois para a REN], Manuel Pinho [Ministro da Economia em 2006 e 2007], António Mexia [presidente da EDP] e João Manso Neto [presidente da EDP Renováveis]".
O Tribunal apontou para provas que indiciam que o Crédit Suisse entregou a Rui Cartaxo um "'memorandum' relativo à avaliação da extensão do domínio hídrico, o qual foi apreendido nas buscas à sede da EDP" e que isso alegadamente demonstra que foi a elétrica que "orientou o Crédit Suisse na avaliação do domínio hídrico".
Por outro lado, afirmou Carlos Alexandre, o relatório do Caixa BI ficou pronto em 29 de janeiro de 2007, cerca de 15 dias antes da publicação do diploma de 2017 que veio "estabelecer que o valor de equilíbrio económico-financeiro para cada centro eletroprodutor hídrico a fixar pelo Governo seja calculado tendo por base o valor identificado em duas avaliações realizadas por entidades financeiras independentes de elevada reputação".
Esta Resolução do Conselho de Ministros foi aprovada em 15 de fevereiro do mesmo ano, alertando o Tribunal para que, nessa data e "ao invés do que resultava da mesma [resolução] já os relatórios do CaixaBI e do Crédit Suisse se encontravam concluídos".
No documento, o juiz diz que Manuel Pinho, "violando os seus deveres de imparcialidade e prejudicando o interesse público e o dos consumidores de eletricidade", para "favorecer indevidamente a EDP e os arguidos António Mexia e João Manso Neto, com quem tinha anteriormente acordado que o faria se, como veio a ocorrer, a EDP impulsionasse a sua carreira académica após sair do Governo", "decidiu não solicitar nem facultar à REN (então controlada pelo Estado a 100%) ou à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) quaisquer comentários sobre esses relatórios do Caixa BI e do Crédit Suisse, antes de revelar publicamente o resultava dos mesmos".
A decisão alega que "o arguido Manuel Pinho sabia que, se o fizesse, tanto a REN como a ERSE contestariam esses valores e teria então que se explicar logo publicamente, o que poderia inviabilizar a concessão de um benefício indevido à EDP de mais de 700 milhões de euros".
Numa reunião no dia 15 de fevereiro, Manuel Pinho terá dito a António Mexia que "conforme tinham combinado, e a exemplo do Caixa BI, o Crédit Suisse tinha efetuado uma avaliação por cerca de metade da REN", de acordo com o documento.
O documento assinado por Carlos Alexandre referiu ainda que Pinho, no mesmo encontro, terá dito a Mexia "que não iria divulgar o montante do pagamento" relativo à extensão das concessões do domínio hídrico e que "não pretendia que a EDP o comunicasse ao mercado no dia seguinte".
"O arguido Manual Pinho não pretendia tal porque iria ficar à vista, de modo flagrante, que as aludidas avaliações do CaixaBI e do Crédit Suisse já estavam concluídas no dia em que a RCM [Resolução do Conselho de Ministros] que determinava a elaboração das mesmas foi aprovada, o que geraria desconfiança sobre a legalidade e a isenção da condução deste processo legislativo por si", lê-se na decisão.
Face a estes e outros indícios apurados, o Tribunal decretou uam série de medidas de coação aos arguidos, incluindo a suspensão de funções de Mexia e Manso Neto.
Em 26 de fevereiro do ano passado, o presidente da EDP disse numa declaração na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade: "Se alguém considerar que a EDP pagou pouco, estamos completamente disponíveis para devolver todo o dinheiro pago, os 1.356 milhões de euros [do valor residual], mais os 759 milhões de euros e os juros e investimento e as barragens são de quem quer. Estamos disponíveis", numa declaração na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade.
Sobre a extensão do domínio público hídrico (DPH) em 2007, isto é, a decisão tomada então pelo governo de estender, em cerca de 25 anos em média, os 27 contratos de concessões hidroelétricas a favor da EDP, Mexia realçou que "a EDP tinha direito de exercer, e exerceu, pagando mais 759 milhões de euros do que estava previsto".
"Esta alteração em nada beneficiou a EDP. O que é claríssimo é que a EDP pagou em 2007 mais pela extensão do DPH do que estava previsto. E por quem foram calculados estes valores adicionais? Foi decidido pelo Estado, de acordo com avaliações da Caixa BI e Credit Suisse, por duas entidades independentes", sublinhou, acrescentando ainda que este valor foi confirmado pela Comissão Europeia em 2017.
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