Nas legislativas de 2015, o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses teve 1,11%, o correspondente a 59.955 votos. Baixou pela primeira vez a barreira dos 60 mil votos, mas o pior estava para vir.
A situação do PCTP/MRPP reflete um partido perturbado e que ainda não se refez da morte do "camarada" Arnaldo de Matos, em fevereiro deste ano, o mesmo mês em que, 44 anos antes, o partido foi oficializado. E que, antes disso, não se consertou de quezílias internas, as mesmas que levaram à saída compulsiva do advogado António Garcia Pereira, em rutura com o seu padrinho político e de casamento.
O PCTP/MRPP precisa de encontrar um novo líder, mas num ano com três eleições - europeias, regionais da Madeira e legislativas - tornou-se difícil parar para pensar. Para já, chumbou as duas primeiras provas: nas europeias de maio obteve apenas 27.222 votos e nas regionais da Madeira, ontem, ficou num dos últimos lugares, com uns dramáticos 601 votos. Faltam menos de duas semanas para a prova de fogo, as legislativas de 6 de outubro, que poderão muito bem ditar o futuro do partido.
Do lado do financiamento, as coisas também podem não ficar fáceis: desde 2009 que o partido conta com uma subvenção pública, agora de cerca de 14.300 euros mensais - quase 3 euros por voto - mas para a manter o partido não poderá baixar a fasquia dos 50 mil votos.
Para já, o destino está nas mãos de Maria Cidália Guerreiro, mulher e "companheira dos últimos anos" de Arnaldo de Matos, a cabeça-de-lista por Lisboa escolhida pelo comité central do PCTP/MRPP. Com o congresso, "provavelmente no ano que vem", virão as decisões difíceis.
Maria Cidália Guerreiro vai fazer 64 anos, tem dois filhos e é professora aposentada de Português do nível secundário. Aderiu ao PCTP/MRPP quando estava na faculdade - o 25 de Abril aconteceu no seu ano de estreia - numa altura em que o partido era apenas MRPP e em que militava na Associação de Estudantes Marxistas-Leninistas: "Era e é um partido evolucionário, que tentava, de facto, denunciar e esclarecer o que foi o 25 de Abril, que todos consideravam uma revolução, mas que não foi exatamente isso. E revia-me nesses princípios e orientações. A ideologia continua a ser a mesma e cá estou, para defender a classe operária e as necessidades básicas desses setores".
O PCTP/MRPP é um dos partidos mais antigos em Portugal. No entanto, não consegue descolar, pelo contrário, tem vindo a perder votos. Porquê?
Inicialmente o MRPP teve uma adesão muito grande. Seguidamente foram tomadas pelo poder, pela burguesia, uma série de medidas para tentar silenciar as nossas ideias, para que estas não sejam suficientemente divulgadas.
Como assim, tentar silenciar?
Já agora, deixe-me esclarecer um caso muito recente, o momento em que entregámos as listas em Lisboa: enviámos para todos os órgãos de comunicação a informação de que faríamos essa entrega na segunda-feira, a determinada hora, e a informação foi dada com três dias de antecedência. Mas, na verdade, e embora estivessem presentes alguns órgãos de comunicação, nunca nos abordaram. Pelo contrário, tentaram passar a mensagem de que nós não quisemos falar. Todo esse cerco acaba por tornar difícil chegar a um grande número de eleitores. Mas também há uma série de outras ideias que acabam por se sobrepor, pelo espaço que lhes é dado na comunicação social: não é por acaso que António Costa disse, na última entrevista que deu ao Expresso, que o terceiro pilar para vencer eleições é a comunicação social.
Não posso falar pelos outros, mas aqui está o SAPO24 a ouvi-la, como aos restantes 20 partidos candidatos às legislativas. Como é ser um pequeno partido, hoje?
É lutar muito, é trabalhar muito, é tentar ultrapassar todas as dificuldades que nos são colocadas, desde as dificuldades económicas ao outro garrote que nos é imposto. Existe, de facto, uma militância muito grande para conseguirmos continuar.
Sobre o financiamento, de que vive o partido?
Vivemos sobretudo de fundos que recolhemos, de quotas e também da subvenção do Estado, um pouco mais de 14 mil euros por mês.
E o outro garrote, qual é?
Tentamos mostrar-nos ao longo do ano, mas não nos mostram. Fazemos diversos comunicados sobre as acões que vamos desenvolvendo e temos também um jornal online, o Luta Popular, onde posicionamos e divulgamos as nossas ideias e o nosso programa. Agora, é um trabalho que é abafado, escondido, silenciado.
Existem atualmente 25 partidos...
... Porque é que existem tantos partidos, essa é uma questão que devemos colocar, nomeadamente no caso das eleições.
Por que motivo acredita que existem?
Há tantos partidos quando, na verdade, acabam por ter todos a mesma política. Se nos centrarmos nestas eleições e nos 21 partidos concorrentes, que diferenças apresentam os seus programas? Nenhuma, é apenas de forma. Todos eles querem manter este sistema, querem manter um sistema capitalista, que está em agonia. Só diferem na forma, na solução que apresentam para o manter. Aliás, até ouvimos, por exemplo, o Bloco [de Esquerda] dizer que tem um programa social-democrata. As coisas estão a ficar muito claras: há um bloco de partidos com diferentes propostas, mas todas com a mesma finalidade, e o PCTP/MRPP, que é um partido que se afirma marxista, comunista e que pretende enunciar e demonstrar que o sistema capitalista e o seu modo de produção estão esgotados. Estamos a assistir a crises cada vez maiores, com picos mais acentuados, e sabemos que o sistema não vai sobreviver muito mais tempo. Não sabemos quanto tempo mais durará, mas sabemos que não será muito mais tempo.
O que lhe passou pela cabeça quando viu o PCP - e o Bloco de Esquerda - fazer uma aliança para apoiar um governo do Partido Socialista?
Nada de especial. Acho que está dentro do que pretendem, que é apostar no poder e achar que através do poder e da chegada a um governo poderão mudar a sociedade. Mas penso que vão ter custas. Relativamente à ideologia que diziam defender, nomeadamente o PCP, que se apresentava como um partido comunista e que faz uma aliança que se traduz em determinados acordos e posições, ficar mais visível que não é isso que ele é. E já se viu nas últimas eleições que muitos eleitores, simpatizantes e mesmo militantes não ficaram satisfeitos e têm dúvidas. Falam muito da nossa crise interna, mas também existem crises dentro do Bloco, e tem saído gente que sente que, em certa medida, o partido não está a corresponder com as ideias que dizia defender inicialmente. Os eleitores estarão até a sentir-se traídos por uma direção que está interessada no poder.
"Arnaldo de Matos foi fundador do partido e foi ele quem traçou a sua linha política [... ] Tudo aquilo em que trabalhou e que deixou é património do partido e é isso que nos vai orientar"
Mais recentemente apareceram outros partidos a defender os direitos dos trabalhadores, como o PTP - Partido Trabalhista Português. Poderiam aliar-se?
A ideologia deles não tem nada a ver com a nossa.
Falou nas crises do partido: Arnaldo de Matos teve desde sempre um grande ascendente sobre o PCTP/MRPP, mesmo quando António Garcia Pereira assumiu a liderança. Quem poderá substituí-lo?
Bem, para começar, Garcia Pereira nunca foi secretário-geral do partido, o secretário-geral era Luís Franco. Se alguma vez deixou passar essa ideia, isso é outro problema. Garcia Pereira era membro da comissão permanente do comité central, isso sim, e concorreu como cabeça-de-lista do partido a diversas eleições. Agora, Arnaldo de Matos foi fundador do partido e foi ele quem traçou a sua linha política, era ele quem fazia todas as análises marxistas relativas às diversas situações e sempre este por trás da direção do partido. Tudo aquilo em que trabalhou e que deixou é património do partido e é isso que nos vai orientar. De resto, vamos fazendo o nosso caminho naturalmente, de acordo com a linha que está instituída. Não é possível e não será possível substituí-lo, é ponto assente.
Não posso evitar uma provocação: era sua mulher, sua companheira. É cabeça de lista por herança?
[Ri] Não. Claro que não estou no lugar por isso. Sempre separámos muito bem a situação afetiva da situação política. De qualquer forma, a reorganização do partido já estava a ser pensada ainda em vida de Arnaldo de Matos. E agora estamos a caminhar de acordo com o que estava previsto e com as circunstâncias.
Nas regionais da Madeira o PCTP obteve 601 votos. Nas europeias também desceu. Que significado têm os resultados?
Toda esquerda perdeu votos, não foi só o PCTP/MRPP. Para onde estão a ir? O único que ganhou foi o PS, é nisso que temos de pensar.
Afirmou que o PCTP/MRPP é o único partido que rompe com o sistema atual. Pode dar-me alguns exemplos?
Pensamos que não ganhámos nada em estar na União Europeia, e uma das nossas propostas é exatamente sair da União Europeia. Estamos numa situação de rutura do tecido industrial, da nossa economia, de destruição da agricultura e das pescas, motivada pela entrada na União Europeia e pela imposição de uma moeda única e de uma série de tratados e medidas que vieram na sequência disso.
Quando e como seria feita a saída da União Europeia?
Quando o povo português o quiser.
Como os britânicos, que votaram a favor do Brexit?
Portugal entrou para a União Europeia sem um referendo, mas defendemos que deve haver um referendo para sair. O que é importante que os portugueses percebam é quais são as consequências de estar agarrado a estes acordos, que não nos beneficiam em nada. Também sabemos que uma saída nunca será fácil e que pelo caminho muito se perderá. O Reino Unido também vai sofrer nos primeiros tempos, mas a União Europeia também vai sofrer com a sua saída.
A União Europeia deu a Portugal 133 mil milhões de euros em fundos, trouxe o Erasmus, a possibilidade de trabalhar no estrangeiro.
Não sei se essa ideia corresponde à realidade. Uma situação é quando um jovem decide trabalhar fora por sua vontade, outra é quando esse jovem é expulso do seu país. Conheço jovens que tiveram de ir para fora e não é com alegria que lá estão, é porque a situação que têm é de não retorno. Não é verdade que o país ofereça as condições para eles voltarem se quiserem - aliás, essa campanha de António Costa, que dizia possibilitar o regresso de não sei quantos mil emigrantes, foi um falhanço: penso que houve, afinal, 71 respostas, 71 candidatos a voltar a Portugal. Isto significa que não veem no seu país condições para trabalhar, para estar com as suas famílias, para desenvolver o seu projeto de vida. Os milhões que vieram e que andaram por aí serviram exatamente para desmantelar tudo o que tínhamos. Pagou-se aos empresários e capitalistas para aplicarem esse dinheiro como quiseram, mas nunca em benefício do povo. Não é por acaso que nos estamos a debater com uma dívida que não foi criada em benefício da população, do povo, e que era privada, mas que está a ser paga por todos nós. Isto ao mesmo tempo que nos impõem medidas que não nos deixam desenvolver, como o limite do défice. Para chegar onde? O que se fez pelo país nestes quatro anos?
"Durante quatro anos o primeiro-ministro não respondeu a necessidades essenciais da população"
Devolvo a pergunta: o que fez este governo em quatro anos?
Diz que abateu a dívida, mas na verdade o que acontece é que ela só está mais baixa em função do PIB porque o PIB cresceu, a dívida [pública] é de 251 mil milhões. Os salários subiram, mas talvez só aparentemente, porque os impostos indiretos aumentaram e ficou tudo na mesma. Por outro lado, as pessoas têm dificuldades sérias em encontrar habitação, nomeadamente nos grandes centros urbanos, de onde estão a ser expulsas porque não têm capacidade para pagar as rendas que lhes são pedidas. Foram quatro anos em que não se resolveu nada, com uma Lei de Base da Habitação que não veio trazer nada de novo, desde logo porque não vem abolir a tal lei das rendas, nem a especulação imobiliária, nem a possibilidade que os senhorios têm - porque têm outros interesses e outras formas de valorizar os imóveis - de despejar os inquilinos. É uma situação dramática, porque é uma questão essencial para o bem-estar da população. Como na saúde. Continuamos a ter um SNS [Serviço Nacional de Saúde] sem capacidade de resposta, que contrata médicos tarefeiros - uma coisa estranhíssima - e que, portanto, tem e fazer contratações a toda a hora e, em último recurso, despeja os doentes para um serviço privado - tudo à custa das cativações, as tais com que se joga no orçamento para viciar o défice. Em termos de leis de trabalho também nada mudou, nem as leis feitas à última hora vão alterar algumas coisas; continuamos com 21% de trabalhadores precários. Durante quatro anos o primeiro-ministro não respondeu a necessidades essenciais da população.
Que alternativas propõe o PCTP/MRPP no seu programa?
São sobretudo propostas voltadas para resolver os problemas relacionados com trabalho, com as leis do trabalho. Nesse sentido, começámos em 2016 uma campanha pelas 35 horas de trabalho para o público e para o privado. Na altura, esta reivindicação teve a oposição de todos os partidos, não só daqueles que se dizem defensores do capital, mas também do PCP e do Bloco, que agora já falam nessas 35 horas para todos. São três anos a defender as 35 horas semanais, que dá sete horas por dia, descanso semanal ao sábado e domingo e férias de 25 dias úteis. Não é uma campanha económica, é uma campanha política, que pretende unir todos os trabalhadores, porque não pode ser só trabalhar em regime de quase escravatura, sem direito àquilo que é digno e necessário à vida de qualquer pessoa, vida familiar e tempos livres. Disso não abdicamos. E também foi o PCTP/MRPP que lutou e impôs as 40 horas.
Portugal tem uma das taxas de produtividade mais baixas: cerca de 70% da União Europeia e 60% da Zona Euro. Como se resolve esta questão?
Bem, não se resolve por termos entrado para a União Europeia. Nem sei onde vão descobrir que se trabalha pouco, há ritmos de trabalho violentos, trabalho por turnos, horas extraordinárias...
Tem a ver com eficiência, é possível "trabalhar" muitas horas e fazer muito pouco.
É preciso olhar para as condições de trabalho. Que condições existem? E ver, inclusivamente, os ritmos impostos, as condições, o cansaço que vai sendo adquirido. Não há organização. Senão, pergunto: porque é que os portugueses produzem lá fora? É preciso colocar a questão.
"Vamos denunciando e tentando esclarecer e consciencializar os trabalhadores para que não é através deste sistema que as coisas se vão resolver"
É uma questão de liderança?
É uma questão de organização.
Os empresários são todos maus, uns facínoras, os ricos são uma espécie a abater?
Não posso dizer isso. O sistema é mau e o que eles representam é mau.
Porquê, em quê?
Porque representa a exploração de que trabalha e de quem produz, em que as mais-valias que conseguem extorquir aos trabalhadores vão sempre para os acionistas.
São diferentes, os setores público e privado?
Poderá haver alguma diferença, mas no essencial ela não é significativa no que toca à organização. Eu trabalhei no público e trabalhei no privado e não senti qualquer diferença em termos de execução.
Qual a pior empresa para se trabalhar em Portugal, sabe?
Não tenho esse dado. Mas recebemos mais queixas em relação ao setor privado, pelo menos no que toca ao trabalho de fábrica. Recebemos denúncias de situações de trabalho diversificadas. Há casos em que os trabalhadores se queixam da falta de segurança, da não fiscalização, de uma certa inércia por parte da ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho], que não fiscaliza e, mesmo quando recebe queixas, geralmente avisa os patrões de quando vai fazer as verificações, o tempo necessário para que tudo seja preparado. Lembro-me de casos de empresas no Maciço Central em que isso aconteceu - por exemplo, a Cifial, onde a degradação era enorme e os trabalhadores já tinham tido até problemas de saúde. Tivemos uma intervenção, mas quando a ACT chegou as coisas já estavam mais ou menos trabalhadas, e nem tudo se via.
"A ACT queixa-se de que também não tem meios para atuar"
Qual o relacionamento do PCTP/MRPP com a ACT?
Falamos muitas vezes e, aparentemente, falamos bem com eles. A ACT queixa-se também de que não tem meios, não tem meios para atuar. Pedimos a intervenção deles e exigimos que exerçam a fiscalização e tomem medidas - e houve um caso ou outro em que o fizeram -, mas dentro da ACT existem outras dificuldades, também. Mas vamos denunciando e tentando esclarecer e consciencializar os trabalhadores para que não é através deste sistema que as coisas se vão resolver - porque diz-se que vão ser utilizados todos os mecanismos ao dispor para resolver as situações, mas a verdade é que não têm uma intervenção eficaz. Há um certo controlo relativamente às denúncias, como aconteceu no caso da Martifer, que denunciámos no nosso jornal e que enviámos para a comunicação social, e que foi silenciado. Algumas queixas são chocantes e já atingiram níveis inimagináveis. E quando digo que são chocantes e graves, quero dizer que pessoas morrem. Este é, por vezes, o desfecho.
"Continuamos a assistir à emigração de enfermeiros: este ano já emigraram perto de 2000 e desde a crise emigraram perto de 17 mil"
Criticou as políticas do governo na área da saúde. O que mudaria nessa matéria, o que prevê o partido para a saúde?
As nossas medidas relacionadas com a saúde são a exigência de um SNS universal e gratuito, em que deixem de existir cativações e se permita a renovação de equipamentos e unidades de saúde, de forma a dar vazão à procura, a corresponder em tempo às necessidades. Uma coisa não queremos: esta Lei de Bases da Saúde não acaba com aquilo que parecia, em termos de SNS, essencial, Pôr fim às parcerias público-privadas. Esse espaço ficou em aberto. Não queremos que os orçamentos e a parte orçamental destinada à saúde acabe por ser apenas uma via para enriquecer o serviço privado. Outra questão que tem de se resolver é a necessidade de recursos humanos na saúde. Continuamos a assistir à emigração de enfermeiros: este ano já emigraram perto de 2000 e desde a crise emigraram perto de 17 mil. E são jovens. É uma emigração forçada e há que abrir concursos para que todas as unidades de saúde fiquem equipadas com os recursos necessários para ninguém morrer à espera de intervenção cirúrgicas ou fique sem assistência, como acontece no caso de doentes oncológicos.
Ao nível do investimento público, sei que o PCTP/MRPP é contra o aeroporto do Montijo. Que alternativa defende e porquê?
Propomos que se faça um aeroporto de raiz em Alcochete, uma solução que engloba uma boa rede de transportes, incluindo, além do aeroporto internacional, a criação do comboio de alta velocidade de bitola europeia com ligação aos principais portos, nomeadamente ao porto de Sines, que é um porto de águas profundas e permitirá a ligação ao norte e à Europa. Para que vamos fazer um aeroporto no Montijo, sabendo que a prazo não terá capacidade de escoamento e será sempre uma coisa provisória e mal amanhada? Alcochete é definitivo. A menos que não se pretenda desenvolver o país... Agora, se tivermos esse objetivo, se quisermos dar a Portugal uma outra centralidade, então a solução é Alcochete. O problema de Portugal é que não se fazem planos, é a história da produtividade de que falávamos há pouco: vão-se fazendo coisas à medida dos acontecimentos e dos interesses que se colocam a cada momento.
Tenho perguntado isto a todos os candidatos: como olha para a relação entre o presidente da República e o governo?
O presidente da República deve limitar-se e restringir-se à sua esfera. Muitas vezes tem tido uma intervenção mais direta relativamente a atitudes de governo, mas, na verdade, não deveria fazê-lo. Estou a lembrar-me concretamente do uso dos incêndios de Pedrógão. E esta podia ser uma pergunta a colocar a António Costa, se ele se sente bem com o peso que tem nas costas pelas mortes de Pedrógão... Não estava em Portugal, mas também não se sentiu constrangido. Sentir-se-ia constrangido por não estar em Portugal, por exemplo, quando foi a greve dos motoristas [de matérias perigosas]. Nesta altura impôs a ordem. Quer fazer crer que é o homem das contas certas, e as contas não têm sido tão certas como isso, e o homem da ordem, quando tudo o que fez foi atacar de forma altamente violenta e quase terrorista uma greve e aqueles trabalhadores.
Já voltamos à greve dos motoristas, mas estava a falar do presidente da República e de Pedrógão...
Relativamente à situação de Pedrógão, houve uma intervenção do presidente da República no sentido de, em certa medida, proteger um governo que estava a ser posto em causa, porque a função do governo não é só assegurar o bem-estar e as necessidades essenciais das populações, é também zelar pela segurança de um país, e este governo não o fez seguramente.
Há pouco falou na greve dos motoristas de matérias perigosas. Como olha para a atuação dos sindicatos hoje, defendem ou prejudicam os interesses dos trabalhadores?
Estamos a assistir a algumas diferenciações a nível do movimento sindical. Mas, o que podemos dizer, tendo em conta a atuação destes sindicatos nestas últimas greves, foi que não protegeram, nem estiveram ao lado dos trabalhadores, antes pelo contrário. Sindicatos como a CGTP não tiveram intervenção nestas greves. Por isso mesmo, temos sindicatos a tentar, ainda num movimento um pouco incipiente, ganhe espaço, a dizer que os atuais não servem. E a reivindicar aquilo a que os trabalhadores têm direito, a exigir ao governo melhores condições de trabalho em diversos setores. A greve, como está escrito, deve ser o último recurso.
E é?
Veja pelo exemplo da greve dos motoristas e daquilo que reivindicam: trabalham horas a fio, mas temos um ministro que vai dizendo que trabalhar 40 horas ou 48 horas não é um problema, é normal. Só que não é normal, como também não é normal o trabalho estar organizado desta forma e ser mal pago. Se as horas extraordinárias não entram no conjunto do salário - era uma das exigências -, e são tratadas como qualquer coisa clandestina, a que os patrões fogem, não vão dar garantias nenhumas em termos de reforma, de doença e por aí fora. Estamos a falar de empresas como a Galp, com lucros imensos. Se têm lucros elevados, não pode ser só para distribuir pelos acionistas. Além disso, as greves têm de ter impacto para surtir efeito, senão não vale a pena fazê-las. O que é preciso perguntar é como se chega a esse extremo. Estamos a falar de um governo que quase decretou estado de sítio no país, só faltou dizer para as pessoas não saírem de casa entre as tantas e as tantas horas. O que pretendia? Dizer que os trabalhadores têm de se deixar explorar? O governo tentou passar para os trabalhadores a ideia de que eles é que são responsáveis por uma situação pela qual, de facto, não são responsáveis.
Se o PCTP/MRPP chegasse à Assembleia da República, o que é que não existe hoje que passaria a existir?
Atualmente falta uma voz que denuncie toda a corrupção, toda a manipulação, todo o descontrolo que vai no país e a desgovernação que vai no país. O PCTP/MRPP seria seguramente essa voz.
Ainda assim, até aqui a maioria dos portugueses tem optado por não votar. Porquê?
A abstenção está a aumentar e a leitura que fazemos é que, em certa medida, a população já não acredita nestes debates, nestes governos, nesta aflição de se cozinharem acordos. Aparecerá sempre um cozinhado geral, mas não vai resolver os problemas nem as necessidades básicas da população. Ninguém é inocente. Por outro lado, as pessoas podem ainda não saber o que querem, mas sabem, com certeza, o que não querem. Temos um governo que se diz de esquerda, feito e apoiado por partidos de esquerda, mas que só serviu para travar a contestação. Com 166 pré-avisos de greve, alguma coisa está mal.
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