O Presidente da Câmara democrata Eric Adams apareceu bastante sorridente nos estúdios da emissora conservadora Fox News, acompado pelo "czar da fronteira" Tom Homan, chefe do programa de deportação em massa de imigrantes em situação irregular prometido por Trump durante a campanha, e que tem gerado medo de violações dos direitos humanos entre as organizações de defesa dos imigrantes.

Este aparecimento é só mais um sinal da sua aproximação à direita, após afirmar no dia anterior que estava disposto a colaborar mais estreitamente com o governo Trump no tema das deportações.

Mas, por trás dos sorrisos, há uma ordem do Departamento de Justiça aos procuradores de Manhattan para que sejam retiradas as acusações de corrupção contra Eric Adams num caso de financiamento ilegal de campanha e suborno que envolve a Turquia e que está a causar uma agitação política sem precedentes em Nova Iorque.

Ameaças

A procuradora interina para o Distrito Sul de Nova Iorque (Manhattan), Danielle Sassoon, apresentou na quinta-feira a demissão numa carta de oito páginas redigida em duros termos.

Foi acompanhada pelo procurador assistente e, segundo o jornal New York Times, outros cinco funcionários da divisão anticorrupção do Departamento de Justiça.

Sassoon assinalou na sua carta que se negava a eliminar um caso "por razões que não têm nada a ver com a [sua] solidez".

"Sob nenhum regime livre se pode permitir que o governo utilize a retirada de acusações como prémio, ou a ameaça de voltar a apresentá-las, para induzir um funcionário eleito a apoiar os seus objetivos políticos", acrescentou, por sua vez, o procurador assistente Hagan Scotten, num e-mail difundido pelos meios de comunicação americanos.

O número dois do Departamento de Justiça e ex-advogado pessoal de Trump, Emil Bove, escreveu claramente que "os julgamentos pendentes restringiram indevidamente a capacidade do autarca Eric Adams de dedicar toda a sua atenção e recursos para combater a imigração ilegal e a delinquência".

Conhecida principalmente pela acusação de fraude contra Sam Bankman-Fried, fundador da plataforma de criptomoedas FTX, que foi condenado a 25 anos de prisão, Sassoon foi codiretora da unidade de apelações penais, para onde eram enviados casos de alto perfil, como o de Eric Adams.

Assumindo que Sassoon cumpriria a decisão do Departamento de Justiça, Adams agradeceu na terça-feira a retirada das acusações por corrupção que pesavam sobre ele e das quais se declarou inocente.

A procuradoria anunciou em outubro que estava a avaliar ampliar as acusações.

Conhecido por condenar o ex-presidente de Honduras, Juan Orlando Hernández; o ex-senador democrata Robert Menéndez e pelo processo contra o estado argentino pela expropriação da YPF, este tribunal federal de primeira instância é um dos mais ativos e influentes dos Estados Unidos e reconhecido por sua independência.

Novo Watergate?

"A negativa do procurador assistente e de vários outros procuradores a cumprir a diretiva do Departamento de Justiça de retirar as acusações contra [Eric] Adams é uma extraordinária e notável afronta e um ato de desafio", declarou à AFP Bennett Gershman, ex-procurador estatal de Nova Iorque e professor de Direito na Universidade de Pace.

O episódio fá-lo lembrar da enxurrada de demissões de altos magistrados em 1973, que incluiu o procurador-geral da época, por negar-se a cumprir as ordens do ex-presidente Richard Nixon no escândalo Watergate.

Até ao fim da semana passada, Adams continuava oficialmente indiciado no caso.

Ex-capitão da polícia com 64 anos, o autarca Nova Iorque foi indiciado em setembro com cinco acusações, entre elas suborno e fraude, por receber doações ilegais para a sua campanha eleitoral de 2021 e aceitar presentes luxuosos de empresários e funcionários turcos em troca de favores.

Adams declara-se inocente e pretende concorrer à reeleição em novembro deste ano.

Procuradores continuam a demitir-se em protesto

A procuradoria federal de Manhattan, em Nova Iorque, foi abalada por outra demissão de um importante procurador em oposição à ordem do governo do republicano Donald Trump de retirar as acusações de corrupção contra o Presidente da Câmara da cidade.

Num e-mail partilhado pelos meios de comunicação dos Estados Unidos , o procurador-geral adjunto Hagan Scotten afirmou estar "totalmente de acordo" com a decisão da procuradora interina, Danielle R. Sassoon, que renunciou por se recusar a cumprir essa ordem.

Na decisão, o Departamento de Justiça argumentou que as acusações contra Adams "restringiram indevidamente a [sua] capacidade de dedicar toda a atenção e recursos ao combate à imigração ilegal e ao crime".

E, entretanto, Eric Adams recebeu pela segunda vez, o "czar da fronteira" Tom Homan,

Nova Iorque, um bastião democrata e progressista, tem estatuto de "cidade santuário", estabelecido por votação dos legisladores locais, o que prevê uma cooperação limitada com os agentes federais encarregados de combater a imigração ilegal.

No entanto, o Presidente da Câmara prometeu trabalhar mais de perto com o governo de Trump.

Segundo o jornal The New York Times, outros cinco funcionários da divisão anticorrupção do Departamento de Justiça em Washington também renunciaram para evitar ter que cumprir a ordem das novas autoridades federais.

Os agradecimentos do Presidente da Câmara

O Presidente da Câmara de Nova Iorque, Eric Adams, agradeceu ao Departamento de Justiça da administração do presidente Donald Trump por ter ordenado à procuradoria de Nova Iorque que retire as acusações de corrupção contra ele.

"Agradeço ao Departamento de Justiça pela honestidade", disse o autarca numa mensagem. "Nunca infringi a lei" nem "pedi a ninguém para infringir a lei em meu nome ou em nome da minha campanha", afirmou.

"Agora podemos deixar para trás esse episódio cruel e nos concentrar completamente no futuro da nossa cidade", indicou Adams, que pretende se candidatar à reeleição em novembro de 2025.

O Departamento de Justiça designado por Trump ordenou na segunda-feira à procuradoria responsável pela investigação de Adams que abandone as acusações de corrupção contra si, num caso que se assemelha a uma interferência política em assuntos judiciais.

O autarca democrata de 64 anos foi acusado em setembro por cinco crimes, entre elas suborno e fraude, por receber doações ilegais para sua campanha de 2021 e aceitar presentes luxuosos em troca de favores de empresários e funcionários turcos.

A procuradoria anunciou em outubro que poderia ampliar as acusações.

O Presidente da Câmara que é da ala conservadora do Partido Democrata tinha descartado renunciar, apesar de várias pessoas de várias pessoas à sua volta se terem afastado dele nos últimos meses.

Desde a eleição de Trump, Adams manteve um tom conciliador com o presidente republicano, com o qual se reuniu no mês passado perto da sua residência em Mar-a-Lago e assistiu à sua posse.

Em dezembro, recebeu o responsável pelo programa de expulsões em massa de imigrantes sem documentação prometido por Trump, Tom Homan.

De acordo com informações do New York Times, Adams pediu ao seu círculo íntimo que não critique publicamente as políticas de imigração de Trump para não causar problemas a Nova Iorque, uma cidade-santuário que tem mais de 500 mil migrantes sem documentação.

Embora os procuradores ainda não tenham comentado publicamente o pedido das autoridades federais, o autarca admitiu "entender que muitos nova-iorquinos continuem a questionar meu caráter".

"Foram os piores 15 meses da minha vida", disse, referindo-se ao período em que começou a ser investigado.

*Com AFP