
Seja por que motivo for a conversa do congelamento de óvulos é uma nova realidade nos grupos de mulheres na casa dos 30. Muitas vezes o tema financeiro é o principal entrave a quem tem o desejo de adiar a maternidade. Nos casos em que existem problemas de saúde associados, como problemas oncológicos ou de fertilidade, é possível a uma mulher em Portugal aceder a esta possibilidade de forma gratuita no SNS (Serviço Nacional de Saúde).
Porém, quando se trata de uma escolha pessoal, a mulher terá de pagar do seu próprio bolso a extração de óvulos. E os custos são elevados, até porque não terminam no momento em que se congelam os óvulos. Para os preservar, é também necessário continuar a pagar. Os preços do procedimento podem começar nos 2.500 euros, só para cobrir o momento da extração. Juntam-se ainda os valores da implantação dos embriões e quanto mais anos estiverem congelados, maior será a fatura.
Claúdia Bancaleiro, responsável da Associação Portuguesa de Fertilidade, confirmou ao SAPO24 que "existe um aumento do número de pessoas a querer fazer criopreservação de óvulos".
Esta vontade explica-se por vários fatores sociais, nomeadamente financeiros, a falta de um companheiro em determinado momento para começar um projeto familiar, as condições habitacionais ou, na maioria dos casos, a progressão na carreira exigida à mulher nos dias de hoje. "Por volta dos 30 anos muitas mulheres começam a informar-se sobre o assunto e decidem fazer este procedimento", explica.
A mulher atinge o ponto mais alto da sua fertilidade entre os 20 e os 25 anos, e pelos 30 começa a registar uma perda progressiva da sua capacidade reprodutiva, com a quantidade de óvulos a decrescer, até que deixem de existir, ou seja, entra em menopausa.
Segundo dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), a criopreservação de óvulos tem crescido bastante nos últimos anos. Os dados mais recentes de 2022 indicavam que naquele ano tinham existido 864 atos médicos para realizar este tipo de intervenção. Destes, 631 foram em casos em que não era colocada a possibilidade de doença, número em crescimento desde 2016 (cerca de 1.243%).

Empresas que já oferecem este benefício às trabalhadoras
A fertilidade é um tema muitas vezes esquecido na cobertura dos seguros de saúde fornecidos pelas empresas aos colaboradores ou subscritos pelos cidadãos no geral, facto confirmado ao SAPO24 pela Associação Portuguesa de Seguradores (APS). Os seguros tradicionalmente apenas garantem "as despesas com o parto normal ou cesariana que venha a resultar dos tratamentos".
No caso das três principais seguradoras de saúde portuguesas (Multicare, Médis e AdvanceCare), as condições gerais dos produtos atualmente em venda apresentam este tipo de procedimentos nas exclusões, isto é, nos tratamentos que os seguros não irão cobrir em qualquer circunstância.
Assim, são cada vez mais as empresas que optam por oferecer este benefício às colaboradoras. "A nível nacional não sabemos quantas o fazem, mas é uma realidade cada vez mais frequente, nomeadamente em empresas estrangeiras com representação em Portugal", garante Claúdia Bancaleiro.
"Se formos bater à porta de todas as seguradoras, não vamos encontrar esta ajuda", acrescenta.
Uma das empresas que dá este apoio aos colaboradores é a farmacêutica internacional Merck, com presença em Portugal. A empresa tem um programa chamado “Benefícios de Fertilidade”, disponível em Portugal desde julho de 2024.
Com este programa oferece apoio financeiro para tratamentos de fertilidade a todos os colaboradores portugueses e respetivos parceiros, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual.
"O espírito solidário da Merck ganha verdadeiramente vida quando apoiamos os nossos colaboradores nos seus momentos pessoais mais importantes ou as suas prioridades pessoais", explicou na altura em comunicado Belén Garijo, Presidente Executiva e CEO da Merck. "A expansão do nosso programa para Portugal consolida o nosso compromisso em ajudar os colegas que querem construir uma família e não conseguem. Demonstra também que continuamos empenhados em construir uma organização mais diversa, equitativa e inclusiva", acrescenta Pedro Moura, Diretor Geral da Merck Portugal.
"Em todo o mundo, uma em cada seis pessoas irá enfrentar a questão da infertilidade. Como líder de longa data na área da fertilidade, nós, na Merck, compreendemos o impacto financeiro e emocional que esta viagem pode ter no indivíduo, bem como na família. Estamos muito entusiasmados com o lançamento deste conjunto de benefícios na área da Fertilidade em Portugal" explica o responsável.
Além dos colaboradores, a empresa estende ainda este benefício aos companheiros e companheiras que, além do congelamento de óvulos, podem realizar testes de fertilidade e tratamentos de infertilidade feminina ou masculina, entre outros tratamentos.
Outra empresa que também investe neste tipo de benefício é a internacional Criteo, dedicada à publicidade, com o escritório mais próximo em Barcelona e com mais de 93 nacionalidades entre os seus colaboradores, entre elas a portuguesa.
A empresa começou por oferecer este benefício apenas aos colaboradores nos Estados Unidos da América, mas entretanto, em 2023, alargou-o a todos a nível mundial. Para fazer esta oferta juntou-se à plataforma personalizada em fertilidade Carrot, com quem desenvolveu um plano de fertilidade para os funcionários.
Segundo Rachel Scheel, Senior Vice President de Diversidade Global, Equidade, Inclusão e Sustentabilidade, "a Criteo reembolsa 100% das despesas elegíveis", explica num comunicado partilhado com o SAPO24.
Estes dois exemplos mostram que esta é já uma aposta de algumas empresas que compensam a falta de cobertura das seguradoras neste tipo de procedimentos médicos.
A Associação Portuguesa de Fertilidade tem tentado sensibilizar os partidos e o governo para a necessidade de comparticipar tratamentos de fertilidade, e garante existir abertura para falar sobre este tipo de questões. Porém, neste momento, "há pessoas que são excluídas automaticamente. O seu projeto de parentalidade acabou", garante Claúdia Bancaleiro. "Quando não há capacidade financeira, as pessoas ou se endividam com contração de empréstimos, ou com apoio da família, eventualmente se tiverem, mas há pessoas que não têm nada disto", acrescenta.
Onde fazer o congelamento de óvulos?
Existem centros de tratamento por todo o país. "Os centros podem ser públicos ou privados e devem ser expressamente autorizados para o efeito pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, depois de ouvido o CNPMA", diz o site do Conselho Nacional, onde pode encontrar os centros autorizados.
Recorde-se que, para quem opta por um tratamento no sistema privado, o valor deste procedimento depende de clínica para clínica e de mulher para mulher e pode variar constante a idade e complexidade dos casos.
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