A organização, criada pelas Nações Unidas, “lançou agora um segundo apelo [para ajuda financeira], até ao final do ano, para nos dirigirmos a um fenómeno novo que, até aqui, não era muito preocupante e que passou a ser por causa da pandemia: os migrantes bloqueados”, explicou o diretor-geral da OIM em entrevista à Lusa na véspera de completar dois anos à frente da organização.
Os migrantes bloqueados, que António Vitorino estima serem “entre dois e três milhões de pessoas à escala global” são pessoas que “pretendiam regressar aos seus países de origem por causa da pandemia, e que, de repente, por causa do fecho das fronteiras, por causa da interdição de viagens e por causa das medidas de confinamento ficaram bloqueadas”.
Muitos destes migrantes ficaram retidos perto das fronteiras e, apesar de “a sua vontade ser regressar aos seus países de origem para poderem enfrentar os desafios da pandemia nos seus locais de origem, junto das suas famílias, com as redes de proteção social inerentes às comunidades de origem”, não podem deslocar-se, descreveu.
Um problema migratório novo que, segundo António Vitorino, constitui “uma grande preocupação” da OIM, que pretende “apoiar esses imigrantes que estão bloqueados [para que] regressem aos seus países de origem”.
No entanto, sublinhou o responsável da organização, esse regresso tem de ser feito em condições de segurança, o que “significa ter capacidade de detetar as suas condições de saúde – se estão infetados ou não – e de [assegurar que], quando regressam aos países de origem, são colocados, quando for caso disso, em quarentena devidamente apoiada pelos serviços médicos”.
Esta condição, admitiu Vitorino, cria outro problema.
“Esses países de origem têm, muitas vezes, sistemas de saúde muito frágeis e que têm uma grande dificuldade em responder a estes afluxos repentinos”, afirmou, adiantando como exemplo que “dos países do Golfo para a Índia voltaram cerca de 250 mil pessoas e há mais de 250 mil que se encontram bloqueadas nos países do Golfo”.
“Só para o Nepal regressaram cerca de 500 mil emigrantes”, o que “representa um afluxo e uma pressão enorme sobre os serviços de saúde dos países de origem” que a OIM quer, juntamente com as outras agências das Nações Unidas, apoiar.
O objetivo já conta com algum caminho percorrido, admitiu.
“Temos uma rede de 60 clínicas no mundo inteiro. Temos cerca de 1.300 funcionários médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar especializado em tratamentos. Estivemos na linha da frente da crise do ébola, por exemplo, quer na África Ocidental, quer [na província da República Democrática do Congo] no Kivu do Norte e, portanto, temos uma capacidade instalada e pessoal com as qualificações necessárias para apoiar os migrantes nestas condições de pandemia, quer para também apoiar os serviços de saúde dos países de origem na receção dessas pessoas”, considerou.
"Não fazia a menor ideia de como estaríamos hoje, com a pandemia"
Em entrevista à agência Lusa, na véspera de completar dois anos à frente da OIM, António Vitorino confessou que nunca imaginou “o que o esperava” com a pandemia.
“Confesso que, há dois anos, quando iniciei funções, não fazia a menor ideia de como estaríamos hoje, com a pandemia – porque a OIM é uma organização que assenta a sua ação na mobilidade humana e nas migrações, e o mundo parou”, afirmou, admitindo que “nesse sentido, a pandemia foi e continua a ser, um desafio enorme”.
Apesar de considerar que a organização tem flexibilidade suficiente para responder aos impactos mais diretos da pandemia na vida dos migrantes, António Vitorino reconhece que a verdadeira questão vai pôr-se no longo prazo.
“A questão prende-se, sobretudo, com as consequências económicas e sociais que a pandemia vai acarretar” e “os imigrantes são, normalmente, as pessoas mais vulneráveis nas sociedades, são os primeiros a perder o emprego, designadamente as mulheres e as raparigas [que] são particularmente vulneráveis, sujeitas a exploração, a abusos, a violência sexual”, disse.
Por isso, neste momento, a principal preocupação “é que a recuperação económica e social que vai ter de ser feita a seguir à pandemia não exclua ninguém e designadamente não exclua os imigrantes, porque podem e devem dar um contributo positivo para essa recuperação nos países de acolhimento”, acrescentou.
Com mais três anos de mandato na OIM, o diretor-geral apontou a retoma da circulação das pessoas à escala global como o desafio do futuro.
“Não há recuperação económica e social sem retoma do comércio internacional e o comércio internacional é indissociável da mobilidade humana. Portanto, o grande desafio que temos agora à frente é [saber] como é que vamos retomar a circulação das pessoas à escala global – as viagens, o turismo, as migrações, a proteção internacional para os refugiados – numa situação em que, cada vez mais, as questões sanitárias” vão ser incorporadas nos sistemas de controlo de fronteiras, defendeu.
Mas a covid-19 não alterou só a circulação das pessoas.
Segundo o diretor da OIM, a pandemia alterou as rotas de migração e reforçou sentimentos tão opostos como a xenofobia nuns casos e a integração noutros.
No caso das rotas, António Vitorino aponta para as diferenças que se verificaram no Mediterrâneo.
“Assistimos, desde o início da pandemia, a uma redução muito significativa das chegadas às ilhas gregas, [mas também] assistimos a um aumento de cerca de quatro vezes [relativamente ao ano passado do número] das chegadas a Itália”, avançou.
“[Também] assistimos a uma subida muito significativa do número de chegadas de imigrantes às ilhas Canárias a partir da costa ocidental africana”, referiu, sublinhando que, neste momento, é urgente criar “um sistema de busca e salvamento que permita salvar a vida das pessoas que embarcam nessas jornadas extremamente perigosas”.
E se a viagem é perigosa, o destino não o é menos, em muitos casos.
“Tanto nos países de destino como nos países de origem há um aumento da estigmatização e da xenofobia, muitas vezes ligado à expansão do vírus e às características desta pandemia”, reconheceu Vitorino, ressalvando, no entanto, que também nota exemplos positivos.
“Em muitos países de destino, de acolhimento de imigrantes, foi finalmente reconhecido que o direito do acesso à saúde é universal, independentemente do estatuto legal”, elogiou.
Por causa da pandemia, “muitos países que até hoje não garantiam o acesso aos serviços básicos de saúde aos imigrantes – designadamente aos imigrantes irregulares -, compreenderam que é do interesse da segurança sanitária e de saúde de toda a comunidade que todos, independentemente do seu estatuto jurídico, tenham acesso e possam ser identificados os casos de contaminação e ser [sujeitos] à necessária terapia ou prevenção”, acrescentou.
Alguns países, como por exemplo Portugal, “adotaram medidas de regularização ou de extensão dos prazos das autorizações de residência ou de permanência no território para permitir que os migrantes não caíssem num limbo legal por causa da pandemia ou da paralisia dos serviços sociais ou dos serviços públicos provocado pelas medidas de confinamento”, sublinhou o diretor-geral da OIM.
Comentários