"Sempre defendi que qualquer tratamento ou qualquer vacina que seja descoberta para o covid-19, tem que ser considerada, ou considerado, um bem público mundial. Temos usado a expressão ‘a people´s vaccine', uma vacina dos povos", disse hoje António Guterres.
O Secretário-Geral da ONU e antigo primeiro-ministro de Portugal, foi hoje homenageado em Vila Nova de Foz Côa, no distrito da Guarda, por ter suspendido a construção da barragem do Côa, para salvaguardar as gravuras rupestres património da humanidade.
No final da sessão, António Guterres disse aos jornalistas que, como Secretário-Geral da ONU, vê "com grande preocupação a emergência daquilo a que se poderá chamar um ´vacinonacionalismo', e cada vez mais países a consagrarem recursos para resolverem, um dia que haja vacina, o problema dos seus povos, mas esquecendo que se não houver uma vacina disponível e a preço acessível para todos, em toda a parte, ninguém ficará eficazmente protegido".
"E, por isso, o meu forte apelo à solidariedade internacional, à unidade internacional. Temos de derrotar este ´vacinonacionalismo' e temos que criar um verdadeiro compromisso mundial por um bem público global, por uma vacina dos povos", sublinhou.
António Guterres declarou ainda que "vivemos num mundo numa situação muito difícil".
"Falta-nos unidade, falta-nos solidariedade. Infelizmente, o covid-19 tem posto o mundo de joelhos e o mundo não tem sido capaz de se unir para responder de uma forma eficaz a esta doença. E, por isso, a doença proliferou. Veio da China, passou pela Europa, para os Estados Unidos, foi para o Sul, e vemos uma enorme incapacidade dos países para se unirem", afirmou.
António Guterres aponta multiculturalidade como riqueza e não ameaça para o mundo
António Guterres usou o exemplo das gravuras para falar dos conflitos sociais no mundo. O antigo primeiro-ministro português aproveitou a oportunidade para fazer uma reflexão sobre a identidade, uma palavra que considerou “tem sido muito mal usada, recentemente, por alguns líderes políticos de várias partes do mundo, como um fator de divisão e de discriminação”.
“Em nome da identidade têm-se manifestado formas irracionais de nacionalismo, por vezes mesmo de xenofobia e de racismo”, sustentou.
António Guterres defendeu que a identidade está na “diversidade” e as gravuras (do Côa) são uma componente dessa diversidade.
Tal como as gravuras testemunham outra cultura, António Guterres, entende que a história da Humanidade mostra que a identidade “sempre foi feita num encontro de culturas, de civilizações e é uma identidade baseada na diversidade e a diversidade não é uma ameaça, é uma riqueza”.
“E todos os responsáveis políticos têm de saber valorizar essa riqueza, em vez de usarem a identidade como fator de divisão, particularmente em períodos tão difíceis como aqueles que hoje o mundo atravessa com a covid-19”, vincou.
É também nestes momentos difíceis que António Guterres observa “com alguma tristeza, que há uma tendência em períodos de austeridades para começar por sacrificar áreas como a Ciência e a Cultura.
“É um erro”, considerou, defendendo que são áreas que “deviam ter uma prioridade nas políticas e afetação de recurso”.
“Pensar que, em período de austeridade, se poupa dinheiro poupando na Ciência ou na Cultura é um erro grave e espero que em Portugal esse erro nunca mais seja cometido e é importante que isso se verifique também por toda a parte”, declarou.
Lamentou ainda que “numa fase tão difícil” como a que atravessa atualmente o mundo, “infelizmente se verifica que alguns dos valores essenciais com que a Europa contribuiu para a civilização universal, estão a ser postos em causa”.
“Há uma emergência da irracionalidade, dos populismos, dos nacionalismos estéreis, há uma emergência de formas de divisão que se caracterizam à escala global e que explicam porque é que o covid-19 está a ser combatido de uma forma tão lamentável com uma total desagregação dos esforços que deviam existir”, afirmou.
António Guterres foi hoje homenageado com a atribuição do ser nome ao auditório do Museu do Côa, equipamento que é a montra do parque arqueológico com as gravuras rupestres com mais de 25 mil anos.
Na entrada do auditório foi descerrada uma placa com o nome e o perfil do homenageado, gravado em xisto, como as gravuras do Côa.
Pela luta por este património “único na história da Humanidade”, Guterres prestou homenagem “a todos que se mobilizaram para defender as gravuras e a todos os que têm trabalhado para valorizar, preservar e permanentemente investigar este extraordinário património”.
O Museu do Côa começou a ser pensado logo nos primeiros dias da polémica da construção da barragem, no Baixo Côa, em 1995, mas foi apenas após a classificação da Arte do Côa como Património Mundial, em 1998, que o Governo português se comprometeu com a construção de um grande museu.
O primeiro projeto do Museu do Côa (1998) esteve pensado para o local do paredão da barragem do Baixo Côa, entretanto abandonada. Porém, por decisão governamental, o atual museu ganhou corpo em novo local, junto à foz do rio Côa.
A obra iniciou-se em janeiro de 2007 e o museu foi inaugurado em julho de 2010.
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