Em pleno outono, numa altura em que o gado já devia estar a comer erva crescida na herdade, se a chuva tivesse caído em abundância e o tempo não tivesse estado tão quente, a azáfama do agricultor é marcada pela seca e começa antes do nascer do Sol, repetindo-se várias vezes ao longo da jornada de trabalho.
Com recurso a tratores, Joaquim e os seus trabalhadores, espalham pelos solos, ainda áridos, suplementos alimentares comprados, como feno e luzerna, que o rebanho das 2.600 ovelhas de raça Merino Preto se apressa a comer.
As charcas estão secas e, de regresso ao monte, os homens carregam para depósitos água tirada de um dos furos que subsistem e fazem nova viagem, para outro ponto da herdade, para dar de beber ao resto do rebanho.
“Nunca tinha visto uma seca tão grande. Houve já secas, mas tínhamos água e alimento para os animais. Este ano, desde agosto, setembro e agora outubro, tenho estado sempre a dar feno, luzerna, tacos, aveia, farinha, porque senão os animais não conseguem. E tenho que andar com cisternas a carregar água para os gamões [bebedouros] para elas poderem beber”, conta à agência Lusa Joaquim Martinho.
Um dos seus trabalhadores, Manuel Pires, relata a “mesma labuta, de manhã à noite”.
“A gente podia andar um bocadinho mais folgados, mas não, tem que ser todo o dia a carregar água e comida. Isto está mau, muito mau”, assinala.
A situação de Joaquim Martinho, o maior criador mundial de ovelhas Merino Preto, que possui também 230 cabras serpentinas e 40 vacas, encontra “eco” nos outros produtores pecuários da região, que vivem os mesmos tempos difíceis da seca, que a chuva recente não resolveu.
Com a totalidade do território de Portugal continental, no final de outubro, em seca severa (24,8%) e extrema (75,2%), segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o Alentejo é das zonas mais afetadas.
“Normalmente, em 10 anos, vêm dois ou três anos complicados. Só que nós, embora saibamos que, ciclicamente, vêm esses anos, queremos ver se eles não vêm”, diz o agricultor José Maria Vaz Freire, que tem mais de 200 bovinos de raça Mertolenga pura e cruzada com Limousine, numa herdade na “fronteira” entre os concelhos de Évora e Viana do Alentejo.
O ano de 2016 “foi terrível” e, este ano, assiste-se à “continuação do tempo de seca”, conta o criador. Os furos vão dando para o abeberamento do gado, mas a sua barragem, na bacia do Sado, “a mais grave a nível nacional”, está com 10% de água, o que inviabilizou a rega dos 12 hectares com culturas para os animais comerem: “É uma miséria, o regadio transformou-se em sequeiro”.
A sua produção de feno e de outros produtos para alimentar os animais teve um corte para metade, mas, apesar disso, tem chegado, graças a alguma “ginástica”.
“Só começo a dar alimento às vacas à base de feno, à mão, em finais de setembro. Este ano, comecei em junho e, por isso, temos que dividir a alimentação de quatro meses por seis ou sete. É um exercício que estamos a fazer. Não queremos engordar as vacas, mas sim mantê-las”, sem perdas de peso, explica.
Obrigados a soluções alternativas para manterem o gado em boas condições, os produtores “estão a braços” com despesa acrescida: “Este ano a pastagem foi muito curta, são mais dois ou três meses de gastos e não sei como é que isto vai acabar”, diz José Maria Vaz Freire.
“Tenho andado a juntar algum dinheirinho e gastei-o agora, nestes dois últimos meses. Já passa dos 20 mil euros, só em feno, luzerna e tacos e aveia e farinha. E ainda vou gastar mais”, vinca Joaquim Martinho, que tem borregos já vendidos, mas cujo encaixe financeiro “não dá para pagar a alimentação dos meses anteriores”.
Num ano tão seco, a chuva dos últimos dias é bem-vinda, mas a atenção dos agricultores continua voltada para o céu. Para alívio dos dias atarefados da seca, tem de chover por um período mais longo e sem muita intensidade, para não causar enxurradas que provoquem a erosão dos solos, “despidos” de vegetação
“Temos aqui um aparelho para medir o que vai chovendo ao longo dos anos e é insignificante, mesmo insignificante, o que choveu este ano. Nem para molhar as pessoas deu, nem para lavar a cabeça”, brinca José Maria Vaz Freire, que acredita que as coisas vão melhorar: ” Os agricultores são pessoas que têm muita fé e vamos trabalhando na esperança de que um dia venha a chuva”.
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