A conclusão é de um parecer da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), pedido pelo Ministério da Administração Interna, sobre um pedido de autorização da PSP, ao ministério, sobre a utilização de duas câmaras portáteis, pelo Comando Metropolitano de Lisboa, autorizada pelo Diretor Nacional da PSP.
"Mesmo considerando as concretas circunstâncias que justificaram a utilização de câmaras portáteis, a CNPD entende que o direito de informação, constitucional e legalmente consagrado, foi muito deficientemente assegurado", afirma a presidente da CNPD, Filipa Calvão, no documento que assinou em 19 de abril, três dias após a manifestação de apoio ao juiz Rui Fonseca e Castro, em 16 de abril, da qual resultou a detenção de 10 manifestantes.
A CNPD reconhece, no documento, que as decisões de utilização de câmaras tomadas no início do evento monitorizado não eram "facilmente compatíveis com as formas de divulgação a que a PSP costuma recorrer" quando utiliza câmaras portáteis, mas ainda assim entende que "haveria formas de divulgação que, no caso concreto, não parecem sequer ter sido ponderadas".
Filipa Calvão sublinha que a Constituição faculta aos cidadãos o direito a serem informados da utilização de câmaras de videovigilância, permitindo às pessoas decidir sujeitar-se ao tratamento de dados, resultante da gravação de imagem e som, "possibilitando assim a decisão de não se deslocarem ou não estarem no local onde a captação das imagens vai decorrer", que foi na rua Duque de Palmela, em Lisboa, a partir das l4:00 do dia 16 de abril.
A comissão conclui também que, face do declarado no pedido de parecer e às características técnicas das duas câmaras utilizadas, o sistema de videovigilância utilizado "não cumpre a maior parte dos requisitos definidos", destacando os relativos à segurança da informação e à integridade das imagens para efeito de prova em eventual processo judicial, bem como à auditabilidade do tratamento de dados: encriptação ou cifragem das imagens gravadas, sincronização com a hora legal portuguesa e registo de operações no sistema local.
A CNPD salienta também que a lei, ao abrigo da qual o Diretor Nacional da PSP autorizou a PSP a usar as câmaras naquela manifestação, "impõe uma autorização prévia" do Governo que "deve ser precedida" do parecer da CNPD, sendo por isso, classifica, "um procedimento distinto e excecional", por pronuncia em momento posterior à utilização das câmaras.
"Importa aqui sublinhar que as câmaras portáteis têm, pela sua própria natureza, um risco acrescido de acesso indevido, facto pelo qual devem ser objeto de medidas acrescidas de segurança. E uma das medidas essenciais diz respeito à cifragem ou encriptação dos dados (imagens), que também se apresenta como condição da fidedignidade da prova relativamente às condutas captadas pela câmara", acrescenta.
Filipa Calvão alerta que, para efeito de prova em eventual processo judicial, "é também essencial" essa sincronização da data e hora das imagens gravadas com a hora portuguesa, e conta sobre as "omissões informativas essenciais" para se pronunciar, que a levaram a analisar as características do modelo da câmara utilizada "disponibilizadas pelo fabricante".
A câmara não garante a encriptação ou cifragem das imagens gravadas, nem a sincronização automática com a hora legal portuguesa, conclui a CNPD, que alerta para o facto de que "a sincronização poderia ter sido assegurada manualmente, mas com o risco de imprecisão decorrente da intervenção humana".
No parecer, é ainda dado a conhecer que a câmara inicialmente utilizada pela PSP na manifestação se avariou, altura em que se passou a utilizar um telemóvel de serviço para continuar a captação e gravação de imagens, um dispositivo com capacidade de gravação de som mas sobre cuja efetivação da gravação "nada é referido" no pedido de parecer à CNPD.
"Além disso, a câmara portátil da Sony, sendo uma câmara fotográfica (com funcionalidade de vídeo), não permite a auditabilidade das operações nela realizadas, na medida em que não é suscetível de registar os eventos, e o mesmo acontece com a câmara do telemóvel", conclui.
A manifestação de apoio ao juiz foi convocada pela associação Habeas Corpus, fundada pelo próprio Rui Fonseca e Castro, suspenso preventivamente por incentivar publicamente ao incumprimento das regras de combate à pandemia de covid-19, como o uso de máscara, que constitui desobediência civil.
Comentários