Seis mil novos casos de cancro da mama são diagnosticados por ano em Portugal. A taxa de cura é de 75%, mas ainda há 1500 mulheres a morrer no combate à doença. Os números apresentados hoje são de um estudo do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Católica Portuguesa.
Quase todas as mulheres com cancro da mama (91%) fazem cirurgia e perto de metade (48%) fazem mastectomia [extração da mama] total, um procedimento mais comum nas mulheres até 60 anos, revela o relatório da equipa de especialistas.
Entre o diagnóstico e o início do tratamento passam em média menos de dois meses (58 dias), podendo variar entre um mínimo de quatro dias e um máximo de seis meses (180 dias) até a paciente começar a ser tratada.
"O percurso da doente, que é longo, começa aquando da confirmação da doença e compreende várias etapas, muitos tratamentos e culmina, por vezes, com a recidiva e com tratamentos paliativos", indica o estudo, que envolveu sete hospitais tipo de norte a sul do país.
A "insuficiência de recursos, nomeadamente, o número desproporcionado de doentes face à capacidade de resposta hospitalar", em "meios técnicos" ou "recursos humanos", é uma das maiores preocupações dos profissionais de saúde e também das administrações dos hospitais.
"Os tempos de espera prolongados" para "acesso a meios complementares de diagnóstico e tratamento nos hospitais públicos", assim como "a dificuldade no SNS [Serviço Nacional de Saúde] no acesso às terapêuticas inovadoras", estão entre os principais problemas detetados.
"O insuficiente número de profissionais de saúde e a falta de recursos técnicos para meios complementares de diagnóstico podem comprometer a rapidez do diagnóstico e extensão da doença e, consequentemente, atrasar o início do tratamento e prejudicar a qualidade dos serviços e cuidados prestados às doentes", lê-se no estudo.
Serviços públicos sobrecarregados
Os novos tratamentos, em conjunto com a deteção precoce da doença, estão a permitir um maior tempo de sobrevivência das doentes, mas, como isso implica maior tempo de tratamento e acompanhamento, "leva à sobrecarga dos serviços públicos de saúde".
"A falta de apoio psicológico" é muitas vezes relatada, assim como "a dificuldade de regresso ao trabalho". Em Portugal, apesar da lei e daquilo que são os direitos gerais dos doentes oncológicos, "não existe legislação específica que proteja as mulheres com diagnóstico de cancro da mama durante o período de trabalho", nomeadamente a "possibilidade de flexibilização do horário ou a adequação do tipo de funções às limitações das doentes".
Por outro lado, "menos de 20% das doentes tem apoio da Segurança Social". E 40% das mulheres com cancro da mama diz recorrer a apoio informal, principalmente de familiares próximos.
O relatório salienta nas conclusões a necessidade de "facilitar o acesso das doentes a especialidades não médicas, como por exemplo a psicologia, a nutrição ou a assistência social, com encaminhamento das doentes para estas especialidades em fase precoce".
E propõe "tornar sistemática a declaração médica à entidade empregadora, com definição das restrições para determinadas atividades", bem como "ponderar incentivos fiscais/apoios financeiros à entidade empregadora".
Mas também há pontos positivos no estudo, como o "auto-exame", que está a tornar-se uma prática cada vez mais comum entre as mulheres. Além disso, "quase todas as doentes mantiveram avaliação por mamografia anual e avaliação clínica a cada 6/12 meses nos primeiros 5 anos após a cirurgia primária", revela a investigação.
Apesar disso, apenas 32% das doentes inquiridas participaram num rastreio ao cancro da mama.
Talvez por este motivo, uma das sugestões do grupo de peritos vai para a sensibilização para ações de rastreio do cancro da mama, para a educação da mulher para o reconhecimento dos sinais de alarme e sintomas associados ao tratamento e a sua mitigação e ainda para a vigilância em relação a reincidências. Sobretudo porque uma fatia importante das mulheres não tem médico de família.
Outra recomendação é a de tornar padrão as consultas à distância "sempre que adequado à situação clínica e assegurado o melhor interesse da doente". Até por ter sido detetado "um elevado e excessivo número de consultas médicas, que resultam do medo da recidiva por parte das doentes".
Para suprir a falta de meios, os especialistas propõe ainda "promover a interligação de unidades hospitalares de menor volume de doentes com as consultas multidisciplinares de centros oncológicos de maior volume, estabelecendo meios de comunicação facilitada, nomeadamente através de consultas virtuais", bem como "a possibilidade de hospitalização domiciliária a doentes em cuidados paliativos".
E recomendam ainda a criação de equipas multidisciplinares nucleares e de equipas de apoio em áreas de especialidade importantes na gestão da doente com cancro da mama, como ortopedia, cirurgia plástica, patologia molecular ou genética.
A comunicação direta entre os médicos de medicina geral e familiar e a equipa multidisciplinar hospitalar ou médico assistente hospitalar, de modo que o primeiro possa participar na discussão do caso desde o início do processo, é outro ponto importante e faz parte dos grupos de sugestões apresentadas.
Do estudo “Católica H360º”, que teve o apoio financeiro da Pfizer, resultou a análise do cancro da mama em Portugal nas múltiplas dimensões da doença - doente, profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos), hospitais e administrações hospitalares.
O objetivo da equipa responsável, que inclui os oncologistas Luís Costa, Inês Brandão Rêgo, Patrícia Miguel Semedo e Sara Coelho, e os médicos de Saúde Pública Joana Cavaco Silva, Francisco Pavão e Ricardo Baptista Leite, é que a partir do cenário revelado seja possível criar um modelo de gestão que otimize os recursos disponíveis no sistema de saúde português.
Os hospitais onde se realizou a recolha dos dados foram o Instituto Português de Oncologia do Porto, o Instituto Português de Oncologia de Coimbra, o Hospital de Santa Maria, o Centro Hospitalar Trás-os-Montes e Alto Douro (Unidade de Vila Real), o Hospital do Espírito Santo (Évora), o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (Faro) e o Hospital da Luz.
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