
“Então, quantos quilómetros andamos hoje”, perguntamos a um dos peregrinos já pronto para se meter ao caminho neste quarto dia de viagem. “Acho que são 42”, responde-nos. Arregalamos o olhar, nunca andámos tanto num só dia. Isto carece de confirmação oficial. “Padre Carlos, padre Carlos, quantos são hoje?”
“35, são 35”, responde em passo apressado para tomar a dianteira do grupo. Hum…
A certeza não é muita e não sai reforçada quando percebemos que temos de andar um pouco mais - talvez um quilómetro e meio, dois - para conseguir tomar o pequeno-almoço. Antes mesmo de o grupo sair de Santarém, o sol cede lugar às nuvens e caem as primeiras pingas. Sejam 42 ou 35, certo é que serão molhados.
Superada a difícil logística dos pequenos-almoços, segue-se a da vestimenta própria para a chuva: tira a mochila, tira o colete, veste a capa de chuva, pensa… isto vai fazer efeito de estufa. Tira capa de chuva, tira camisola mais quente, veste a capa da chuva, pensa… a mochila do lado de fora vai ficar molhada. Tira a capa da chuva, mete a mochila, veste a capa da chuva, agora o colete fluorescente. Estamos prontos? Sim, vamos lá.
Quando para de chover a estufa aquece: sai colete, sai capa, sai mochila, veste camisola, põe colete e mochila. O ritual irá repetir-se várias vezes. E se a prática não leva à perfeição, promove a agilidade.
Olé, olé, olé. Risada geral. O som é de um pequeno megafone. Certamente cansado de esforçar a voz, o padre Carlos Macedo - líder espiritual deste grupo - segue munido do seu novo aliado para guiar a reza do terço.
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Hoje o caminho não é pela estrada nacional, mas pela serra. A paisagem - a mais bela até agora - compensa o piso acidentado. E as subidas, por vezes um pouco íngremes, são suportadas pelo conforto de andar sem contar os minutos que faltam para a passagem de mais um camião. O ar da serra, fresco e limpo, dá o empurrão que falta.
Uma, duas, três subidas íngremes e a malta já se dispersou. As lesões ditam também o ritmo e promovem a criatividade. O grupo segue lá à frente, um “anjo” sem asas chamado Joana atende o pedido de três jornalistas que precisam de recuperar caminho. Um minuto, quatro rodas, e somos o pelotão da frente.
Ainda não é hora do almoço e já tudo segue encharcado. Chove intensamente. “Menina, atenção à poça”. Que interessa, os ténis estão mais para canoas do que outra coisa qualquer. Avé Maria, mais uma carga de água.
Os pés gelam, a comida tarda, houve um problema. O sítio que ia acolher o grupo para a refeição é ao ar livre. Esperamos um pouco à chuva. Uma mão ao longe dá finalmente indicação para avançar. É um café, vão dar-nos guarida.
“Escrevem tanto os jornalistas para isto”, brincam connosco ao mesmo tempo que desfolham jornais para secar meias, ténis e pés.
“Olhem que a água fria faz bem às bolhas. Vão ver que amanhã estão todos melhor”, assegura uma experimente caminhante, que é também médica. Já diz o ditado: "Caminhada molhada é caminhada abençoada". Veremos.
Muitas vezes nos perguntam se estamos [os jornalistas] a gostar da experiência. Molhados dos pés à cabeça, o melhor mesmo é fugir da questão. Já passa. Já aquece.
E aquece mesmo, com sopa, bacalhau com natas, javali com arroz e um copo de tinto. Duas horas de almoço e muitas folhas de jornal depois, mais 12 quilómetros para terminar esta etapa não parece assim tão mau.
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Olé, olé… mais uma Avé Maria monte acima em Alcanena. Já não chove.
Finalmente, a placa de Monsanto. “Ponha uma velinha pelo Sporting campeão”, pede o funcionário de uma oficina que parou para ver passar a “procissão”. “Ponho duas”, responde um leão de colete amarelo fluorescente.
Não terá de esperar muito. A pernoita é em Monsanto, mas Fátima é já ali.
Amanhã estamos lá.
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