Num artigo intitulado “’Fake news’ e o seu impacto na confiança nas notícias: Usando o caso português para estabelecer linhas de diferenciação”, os investigadores Tiago Lima Quintanilha e Tiago Lapa, do ISCTE, e Marisa Torres da Silva, da Universidade Nova de Lisboa, recorreram a dados do Digital News Report (DNR) de 2017 e 2018 do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, que em Portugal é feito em parceria com o OberCom.
A partir desses dados, os investigadores elaboram sobre “as principais razões para os portugueses (mais e mais familiarizados com ‘fake news’ e desinformação e os seus impactos) apresentarem maiores níveis de confiança nas notícias do que cidadãos de outros países, como os Estados Unidos – razões que estão ligadas ao sistema mediático português e ao seu contexto histórico”.
O artigo publicado na Communication & Society recorda os resultados de 2017 do DNR que colocavam os portugueses em terceiro lugar entre os países abrangidos no que dizia respeito à confiança nas notícias, apenas atrás do Brasil e da Finlândia, tendo subido uma posição em 2018.
No entanto, também em 2018, mais de dois terços dos portugueses (71%) mostravam-se preocupados com a presença de conteúdos falsos na Internet, sendo o segundo país onde este receio mais se fazia sentir, atrás do Brasil, muito acima da Finlândia (55%).
“É importante perceber que estudar ‘fake news’ e confiança nas notícias em Portugal basicamente significa usar as particularidades nacionais para aprofundar o que é um fenómeno global, usando um enquadramento conceptual que molda estes dois fenómenos para determinar considerações específicas”, escrevem os autores na conclusão.
Ao contrário do contexto europeu, “e apesar de a vasta maioria de utilizadores portugueses de Internet ver pelo menos um dos tipos de notícias que se enquadram no conceito lato de ‘fake news’, ainda assim mostram níveis elevados de confiança quer nas notícias em geral quer nas notícias que eles escolhem”.
Os autores do texto encontram várias explicações para a “discrepância entre a confiança nas notícias em Portugal e noutros países europeus”: por um lado pode dever-se às “características únicas do seu sistema mediático” e, em segundo lugar, "a fragilidade do mercado mediático português não se traduz necessariamente em ameaças à liberdade de imprensa, apesar das pressões políticas e económicas existentes”.
“Em terceiro lugar, apesar dos seus baixos níveis em Portugal, a crescente consolidação do profissionalismo jornalístico pode mover o país para longe do modelo ‘clássico’ polarizado-pluralista e explicar a resistência ao controlo político e instrumentalização. Em quarto lugar, a perceção pública dos jornalistas e dos media é altamente positiva em termos de credibilidade, confiança e do seu papel na democracia”, acrescentam.
Os autores concluem que “a grande maioria dos inquiridos portugueses diz que se cruza com notícias falsas com regularidade, embora, ao contrário de noutros países europeus, este encontro não resulte numa desconfiança generalizada”.
Os portugueses estavam “particularmente preocupados com a existência de jornalismo de fraca qualidade e de peças construídas a partir de factos distorcidos de forma a beneficiar agendas políticas ou comerciais específicas”.
“É, assim, possível definir os participantes portugueses como utilizadores de Internet bastante atentivos, que estão conscientes da dimensão e abrangência das ‘fake news’, mas que não permitem que a sua confiança seja abalada, enquanto permanecem atentos às características do fenómeno”, rematam.
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