Nascida em Lisboa em maio de 1943, Fernanda Lapa, “uma eterna apaixonada pelo Teatro”, soube “desde cedo que o Teatro seria a sua vida”, como recorda a Escola de Mulheres – Oficina de Teatro, que fundou em 1995 e onde era diretora artística, num comunicado hoje divulgado.
Em 1962, ano em que fundou a companhia de teatro Casa da Comédia, iniciou o seu percurso artístico no Teatro dos Alunos Universitários de Lisboa, quando frequentava o curso de História da Faculdade de Letras.
Um ano depois estreava-se como atriz, na Casa da Comédia e sob direção de Fernando Amado, na peça “Deseja-se Mulher”, a mesma que marcou a sua estreia enquanto encenadora, com a mesma companhia de teatro, em 1972.
No final da década de 1970, com uma bolsa da Secretaria de Estado da Cultura, rumou à Polónia para frequentar a Escola Superior de Encenação de Varsóvia, onde obteve um diploma em Encenação, estagiando depois no Teatro Laboratório de Grotowski, no Teatro Contemporâneo de Wroclaw e no Teatro Stary de Cracóvia.
De regresso a Portugal, dirigiu inúmeros espetáculos de teatro, teatro-dança e ópera e trabalhou como atriz em Teatro, Televisão e Cinema.
Paralelamente, desenvolveu ações pedagógicas nas áreas do Teatro e do Cinema, tendo sido, até agosto de 2012, professora catedrática convidada e diretora do Conselho do Departamento de Artes Cénicas da Universidade de Évora e tendo lecionado na Escola Profissional de Teatro de Cascais e na Universidade Intergeracional, do Clube Estefânia.
Os últimos 25 anos de vida de Fernanda Lapa foram dedicados, em grande parte, à Escola de Mulheres – Oficina de Teatro, cujo nome se inspira na peça de Molière “L’école des femmes”, criada em Lisboa por um conjunto de mulheres de gerações diferentes e experiências diversas, mas com o sentimento comum - a consciência - do papel de subalternidade a que a mulher tem sido reduzida no teatro português.
Com este projeto, cuja direção artística estava a cargo de Fernanda e de Marta Lapa, uma das filhas da atriz e encenadora, a ideia é privilegiar a criação e o trabalho feminino no teatro e promover e divulgar uma nova dramaturgia de temática e escrita femininas, tanto nacional, como estrangeira.
Em 2006, numa entrevista à revista Sinais de Cena, Fernanda Lapa recordava que, com o grupo que fundou a companhia, fez “um estudo sobre o ano de 1993, com base no número de companhias, nos escalões dos subsídios”.
“Começámos a ver quantas mulheres existiam em cada grupo, que cargos ocupavam, as autorias das peças (se autor ou autora), as encenações. Lembro-me que, em 1993, houve três encenações de mulheres, e textos tinham sido: um da Hélia Correia, mas que era uma adaptação (‘Perdição’), um de Maria Adelaide Amaral, que é luso-brasileira (‘De braços abertos’) encenado por mim, e outro da Caryl Churchill que eu tinha feito no Teatro Aberto (‘Top Girls’). Temos as percentagens e todos esses dados coligidos. E foi assim que nos inclinámos para a formação dessa companhia, mas não fui eu que acordei um dia a dizer que iria formar uma companhia. Ela nasce desse conjunto de pessoas: com a Isabel Medina, a Cucha Carvalheiro, a Cristina Carvalhal e a minha filha Marta”, contou na altura.
Desde que foi criada, em 1995, as dificuldades financeiras sempre persistiram, mantendo a companhia a trabalhar sempre no limite, apesar de terem garantido financiamento.
“Nós, devido à nossa longevidade, temos tido apoio quadrienal, mas estamos na cauda dos apoios quadrienais, somos a companhia menos apoiada dos quadrienais, temos enormes dificuldades, mas vamos fazendo o que é possível”, afirmou Fernanda Lapa à Lusa no ano passado.
Para ilustrar a situação que a companhia vivia à beira de completar 25 anos, Fernanda Lapa contou que continuava “a não ganhar um tostão” do trabalho que desenvolvia na companhia, assim como não era possível ter um elenco fixo.
Apesar de ter estado ligada à Casa da Comédia e à Oficina de Mulheres, ao longo da carreira Fernanda Lapa trabalhou com outras companhias, entre as quais A Barraca, Mala Voadora, Novo Grupo/Teatro Aberto, Teatro da Politécnica, Teatro Popular – Companhia Nacional, Teatro Experimental de Cascais e Teatro Nacional D. Maria II.
Entre muitos outros, levou a cena textos de Almada Negreiros, Paula Vogel, Caryl Churchill, Tadeuz Rozewitz, Jean Cocteau, Lucia Sanchez, Eurípides, August Strindberg, Per Olov Enquist e Orlando da Costa, e trabalhou com atores como Lurdes Norberto, Lia Gama, João Lagarto, Rui Mendes, João Grosso, Fernanda Montemor, Glória de Matos, Irene Cruz, António Lagarto, Sinde Filipe, Ana Bustorff, Manuela Couto, Marina Albuquerque, Sandra Faleiro, Albano Jerónimo, Carla Galvão, Margarida Marinho, Elsa Galvão, Paula Mora, Adriano Luz, Luís Gaspar, Rogério Samora, Virgílio Castelo, e Ivo Canelas.
Na área da Dança colaborou com o coreógrafo e bailarino Francisco Camacho e, no Cinema, trabalhou com, entre outros, Margarida Gil, Luis Filipe Costa, Fernando Vendrell, Jorge Paixão da Costa e Tiago Guedes. Em televisão, além de atriz foi também diretora de atores.
Várias vezes nomeada para prémios, Fernanda Lapa venceu o Sete de Ouro para Melhor Encenação e Prémio da Crítica para a Encenação com “Medeia é bom rapaz”, em 1992, o Prémio Especial Procópio, em 1999, e o Globo de Ouro de Melhor Espetáculo com “A mais velha profissão”, em 2005.
No ano em que venceu o Globo de Ouro foi também distinguida com a Medalha de Mérito Cultural, do Ministério da Cultura.
Este ano, foi autora da mensagem do Dia Mundial do Teatro (27 de março), a convite da Sociedade Portuguesa de Autores, na qual defendeu que se exija um plano de desenvolvimento teatral com futuro e que se aposte na força do teatro para as transformações que a atualidade exige.
“Amar o teatro e o público não é um conceito abstrato; amar não pode ser uma palavra sem conteúdo e, tal como a palavra drama, contém o sentido de ação”, pelo que “homens e mulheres de teatro têm o dever imperioso de lutar por um teatro digno do nosso País e por uma classe teatral dignificada”, defendeu a atriz e encenadora num texto em que explica por que motivo se escolhe ser dramaturgo.
Este ano, Fernanda Lapa estava envolvida nas comemorações do centenário do dramaturgo Bernardo Santareno.
Iniciativa de Fernanda Lapa e da Escola de Mulheres, o programa de comemorações começou no dia 18 de janeiro de 2020 com um colóquio e uma exposição na Fundação Calouste Gulbenkian.
Fernanda Lapa coordenou as comemorações do centenário de Bernardo Santareno, que se assinala este ano, de quem a Escola de Mulheres vai levar ao palco, em novembro, a obra “O Punho”, com versão cénica da atriz e encenadora.
Irmã mais velha da também atriz e encenadora São José Lapa, Fernanda Lapa teve três filhas. Além de Marta Lapa, com quem partilhava a direção artística da Escola de Mulheres, Fernanda Lapa era também mãe de Mónica Lapa, bailarina e coreógrafa que morreu em 2001, e de Ana Lapa.
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